Falar desta mulher não é fácil. É um pouco como perguntar a um peixe para descrever o mar. Por outras palavras, se interrogar qualquer transeunte que ande pela Baixa, aposto, todos já foram interpelados pela Dona Helena, e conhecem-na bem, mas conceituá-la, como pessoa, não é fácil.
Encontrei-a, à hora do almoço, na Rua Ferreira Borges a abordar directamente duas senhoras que iam a passar. Como raio de luar, sem pedir licença, aproximou-se e, passados minutos, as três riam a bandeiras desfraldadas. Eu conheço bem a Dona Helena, aliás, até já escrevi um pouco sobre o seu modo de ser, mas, mais uma vez, não resisti, agora invertendo, ser eu a meter-me com ela.
-Boa tarde Dona Helena…
-Boa tarde… conhece-me?...
-Sim já falámos várias vezes, e até já a fotografei…
-Sim já falámos várias vezes, e até já a fotografei…
-Ai sim?! Não me lembro. Sabe?!, tenho 90 anos. Esqueço-me muito…
-Mas está muito bem, Dona Helena. Lembre-me o seu nome completo…
-Maria Helena da Cunha… estreita na pata e larga na unha…
-Tenho reparado como aborda as pessoas. Elas saem de ao pé de si a partirem-se a rir. Como é que faz?
-Sou muito feliz. Tenho 90 anos. Deve ser muito difícil encontrar uma pessoa sozinha e que viva feliz como eu. Quando vejo um casal com cara de chateados. Abordo-os. Pergunto-lhes assim: porque é que vocês estão aborrecidos um com o outro? Não vale a pena! Vocês estão a perder tempo. A vida é curta. Se não for logo à noite será amanhã. Vão acabar por fazer as pazes… um em cima do outro. Vá lá! Não percam tempo com merdinhas que não valem nada!
-Tem algum segredo para essa felicidade, Dona Helena?
-Quer dizer, tenho e não tenho…
-Ai sim?! Conte. Vá lá. Tem de me contar…
-O meu “arrebita” é o Porto. Gosto muito de vinho do Porto. Todos os dias, depois do almoço, bebo dois ou três cálices… e fica tudo “au point”! “Iá meu!”…
-E mais?! Não me está a contar tudo…
-Olhe lá, sabe porque é que o galo canta, todo contente, a olhar para o ar?
-Não, não sei…
-Porque as galinhas não usam cuecas –e ri, a bom rir, a escaqueirar-se toda.
-Conte-me mais coisas… o segredo dessa sua boa disposição…
-Gosto de Levar… de todas as maneiras…
-Como é que é?! Explique lá isso melhor, que eu sou muito ignorante…
-Ora bem, gosto de levar, é uma forma de falar. Nunca tive um homem em cima de mim…
-O quê?! Não me diga que é virgem?! Palavra de honra?!
-Juro por Deus, que nos alumia…
-Ai Dona Helena, se o executivo municipal sabe disto ainda lhe concede a medalha de ouro da cidade…
-(Um sorriso do tamanho da porta de entrada da Igreja de Santa Cruz)…
Mas faço uns trabalhinhos com o dedo! Só o indicador, mas não pode ter a unha crescida… que magoa…
-Ai é?!
-Ah, pois! Se não fosse assim já tinha morrido! –E os dois voltamos rir que parecemos maluquinhos.
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