sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A ÚLTIMA TREMOCEIRA




A Dona Adelaide, para quem frequenta a Baixa, é uma cara demais conhecida de todos nós. No tempo da castanha assada, há anos e anos que é normal vê-la na Praça 8 de Maio com um carro em forma de triciclo. “Este ano já não assei castanhas, não prestavam para nada. Além disso, tive um princípio de trombose” -um AVC, acidente vascular cerebral- e fiquei meia apanhada desta perna", diz-me a senhora Adelaide apontando a perna dorida. As rugas, bem vincadas no rosto, como o algodão, não enganam: esta mulher passou muito para chegar aos nossos dias. Apesar disso, do alto dos seus 85 anos, está muito bem, tendo em conta a sua longevidade.
Encontrei-a sentada no lancil que acompanha a rampa no início da Rua Visconde da Luz. Há vários meses que, pela comodidade, montou ali a sua banca de venda de tremoços, amendoins, pevides e pistáchios. “Mas eu sempre vendi tremoços”, alerta-me, não vá eu confundi-la apenas como vendedeira de castanhas. “Há 60 anos que ando aqui a vender na Baixa. Sempre fui muito pobre, sabe, menino? O meu marido foi sacristão da Igreja de São Tiago, anos e anos que nem lembro. Ganhava muito pouco. Infelizmente, Deus levou-mo há dez anos. Faz-me muita falta!"
Quando lhe pergunto se o que vende ali vai dando para viver, responde: “mal, muito mal. Vende-se muito pouco. Está tudo muito caro. Nos pistáchios ganho apenas vinte cêntimos”.
E a reforma?, interrogo, “ai, menino, mal dá para os medicamentos. Coitado de quem é velho… e só no mundo”, responde por palavras espaçadas, como se as arrancasse do fundo da alma.
E como é que carrega estas coisas, estando doente da perna, interrogo, “olhe, menino, é a minha vizinha que me vem pôr aqui as coisas para eu poder vender”. Ai é? –fico admirado. Ainda bem para si, felizmente que ainda há gente boa. “Boa? Qual boa, qual carapuça! Pago-lhe para ela me trazer aqui as coisas”.

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