Os Sábados à tarde, na Baixa, em que praticamente está tudo fechado, provocam-me um sentimento de tristeza e nostalgia. O silêncio é um manto diáfano que começa a partir das 13h00. Nestas ruas estreitas, onde os residentes passaram a ser residuais e os velhinhos já não saem de casa, parece que não se passa nada. É um ambiente profundamente hostil à vivência e a uma sã convivência entre pessoas que se procura. Em metáfora, a Zona Histórica nesta altura do ano, faz-me lembrar uma praia deserta, onde só o rumorear do mar marca presença. Não se avista vivalma. Aqui, tal como lá, parece que, deixando tudo ao "deus dirá", o homem desistiu de toda esta imensidão. Há numerosas razões, mas vou apenas incidir sobre a mais óbvia: o imbricar de todos nós. Vivemos entrelaçados uns nos outros em rede. A desistência de um, sem que o sintamos, implica no grupo um ribombar enorme e vai corroendo a esperança de um amanhã melhor. Como dominó a cair, progressivamente, a onda de pessimismo vai alastrando até contaminar tudo à volta. E, naturalmente, a pergunta surge: o que irá ser disto? “Disto”, desta área de memória, em que noutros países, aqui na vizinha Espanha por exemplo, é uma riqueza colossal. Aqui não. Aqui, aos olhos de quem manda e quem cá vive e trabalha, todo este aglomerado de casario carregado de história, é simplesmente uma carga de trabalhos. É certo que, infelizmente, para onde quer que se olhe e para qualquer ângulo, só se avistam casas velhas e a cair de podres, mas este estado, todos sabemos, é o resultado de políticas e de políticos que desonraram a Nação. Mas, chegados ao ponto em que estamos, não era altura de todos nos envolvermos na reconstrução das cidades? E quando escrevo “todos”, começo logo pelo Governo actual que, apesar de já ter anunciado uma grande reforma no Regime de Arrendamento Urbano, se não disponibilizar financiamentos aos proprietários para recuperarem os seus edifícios, a sua eficácia não passará do areal. Do ponto de vista social, interessa que todos os prédios estejam ocupados com pessoas, e tanto faz serem inquilinos ou proprietários. Do ponto de vista da justiça, em equidade, é obrigatório que os proprietários tenham o legítimo ressarcimento daquilo que é seu e os inquilinos paguem uma justa prestação pelo bem que gozam. Simplesmente –tal como já escrevi antes- esta nova lei não poderia vir em pior altura.
Voltando ao envolvimento de todos, relembro que as autarquias, que neste processo de reconstrução das cidades, ao longo das últimas décadas, foram sempre um parceiro de duvidosa credibilidade no interesse da sua revitalização. Estiveram sempre mais interessados em casos pontuais de recuperação, dar no “olho” em processos de obras coercivas, beneficiando os inquilinos, sabendo de antemão que no caso o proprietário não era mais do que uma vítima do sistema. As câmaras estiveram sempre interessadas em fazer política de ocasião contra planos de futuro. Têm muita culpa neste cartório. Mas não o admitem. Isso é que era bom. A culpa, como sempre, vai morrer solteira, e enterrada com os governos dos últimos quarenta anos.
No mínimo, o que se lhes exigia é que agora, perante o cataclismo que se avizinha, desenvolvessem práticas proactivas, desonerando licenciamentos, incentivando e ajudando com o saber dos técnicos que estão nos gabinetes quem precisa de melhorar os seus espaços –incluo, obviamente, os comerciais. Está na altura destas edilidades arregaçarem as mangas, virem para a rua e perguntarem aos interessados: “o que podemos nós fazer por vós?”. Os presidentes e vereadores, de uma vez por todas, têm de descer do pódio e vir até ao povoado. Não se pode perder mais tempo. Se assim não for, zonas comerciais como a de Coimbra, vão capitulando até ao exangue grito final.
Outros, ainda, que deveriam mostrar interesse no futuro desta zona de antanho de Coimbra, são os comerciantes. De uma forma que raia a provocação, parece que perderam todo o sentido de lutar por aquilo que é seu. Parece que, de braços caídos, numa apatia incompreensível, deixaram de se importar.
Por todos estes comportamentos de modorra, de abandono, de escandalosa falta de colaboração de todos, a Baixa está no estado em que todos parecem sentir mas não querem ver. Um dó!
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