Para Émile Durkheim –1858-1917, considerado um dos pais da sociologia moderna- a solidariedade na organização social dividia-se em dois estádios: mecânica e orgânica. A primeira, a mecânica, de grosso modo, será a oriunda das sociedades primitivas, e dos países em vias de desenvolvimento. Consiste numa solidariedade por semelhança. Quer dizer que os indivíduos diferem pouco entre si. Comungam do mesmo pensamento, aderem aos mesmos valores e quase sempre ao mesmo sagrado. Nesta forma de solidariedade mecânica há pouco pensamento crítico e o que houver será sempre olhado pela maioria com desconfiança. Naturalmente que o sistema político onde estiver implantado aproveita para combater ferozmente este espírito analítico.
Já a solidariedade orgânica, em contraposição com a anterior, pressupõe uma liberdade individual inerente ao ser vivo. Isto é, cada um, com uma consciência marcadamente individualizada, desempenha uma função própria, diferente dos demais, mas intrinsecamente assente na sua liberdade de escolha. Naturalmente que a sua opção é profundamente influenciada pelo meio e pelos sentimentos colectivos.
Utilizei este preâmbulo para expor um pensamento que me atrofia o cérebro. Desde que me conheço que sempre tive uma opinião marcada sobre determinados passos da vida social. Como sempre gostei de escrever, quase sempre como “sniper”, atirador furtivo, agi sempre sozinho. Não sou um assertivo confluente de massas, nem muito simpatizante de aglomerados reivindicativos de comícios. Quando me indignava uma qualquer situação escrevia para os jornais locais e esperava que as autoridades, depois de lerem, interviessem. Não sei quantas vitórias obti –nem isso para aqui interessa- , mas tenho para mim que alcancei muitas.
A FORÇA DO CIBERESPAÇO
Há quatro anos passei a interessar-me pela Internet e comecei a escrever no Netlog, um site muito parecido com o Facebook. Aqui, como o acesso e a publicação eram muito mais fáceis, progressivamente, fui escrevendo todos os dias. Quis o acaso que uma amiga –já falecida-, no começo virtual, começasse a ler os meus textos. Então, passou a comentar os meus desabafos. Um dia disse que eu deveria ter um blogue para continuar a escrever. Como eu não sabia minimamente criar um, veio de Castelo Branco de propósito fundar a minha página online. Onde quer que esteja, que descanse em paz. Foi muito importante para mim este empurrão.
A Internet, como tudo nesta vida, é um instrumento fantástico de desenvolvimento intelectual. Passei a ter muito mais acesso à informação e a poder intervir onde achava que o deveria fazer. Embora com algumas ligações a forças vivas da cidade, ainda que mais virtual do que pessoal, continuei a agir sozinho. Algumas vezes, sobretudo através do Facebook, contactei estes sujeitos detentores de poder, e, particularmente chamando-lhes a atenção através da sensibilização, consegui resolver algumas dificuldades de pessoas que me rodeavam.
A EXTINÇÃO DO MUSEU NACIONAL DA CIÊNCIA E DA TÉCNICA
No início de Fevereiro de 2008, tomei conhecimento de que o Museu Nacional da Ciência e da Técnica (MNCT), na Rua dos Coutinhos, na Alta da cidade, ia ser desmantelado. Como nessa altura, mais exactamente em 20 desse mesmo mês, estava programado um grande debate sobre a Cultura em Coimbra e que partira de um grupo de intelectuais, tendo como base uma petição na Internet sob o lema “Pelo direito à Cultura e pelo dever de Cultura!”
Então, lembrei-me de no referido debate apresentar a defesa do MNCT. E aqui comecei logo a apreender a primeira experiência: ninguém, sem nome e anónimo, por mais que uma causa seja fundamentadamente justa e importante, quer moral quer social, consegue levar a sua avante.
Neste citado debate, apesar da extrema importância cultural, poucos me deram importância. Que me lembre, só Reis Torgal, um emérito professor universitário, saltou em defesa do meu ponto de vista. Todo o auditório de 400 pessoas ficou embrulhado num mutismo. A cultura deles era outra.
Nos dias subsequentes, com ajuda, coloquei uma petição pública online. Também aquele movimento, dos “amigos da cultura”, tinha colocado uma no espaço virtual. Eles, em defesa de uma cultura etérea, conseguiram 1150 assinaturas. A que postei para defesa do MNCT, até hoje, conseguiu… 85.
Continuei a acreditar que, com o tempo, os cidadãos de Coimbra acabariam por entender que era uma estupidez deixar desmantelar um dos mais ricos museus do País. Escrevi vários textos que foram publicados no Diário de Coimbra; fui várias vezes à Assembleia Municipal; mais do que uma vez fui ao executivo camarário e o resultado foi o mesmo. Ou seja, Coimbra, por falta de envolvimento em assuntos importantes para a cidade, deixou desbaratar um acervo incalculável.
E PARA O CHOUPAL NÃO VAI NADA?
Por interferência da minha filha, fui um apoiante da Plataforma do Choupal. Tal como outros membros deste movimento trabalhámos para evitar que se fizesse um corte cego na já tão depauperada Mata Nacional. Coimbra nunca apoiou esta acção popular. Saliento que, neste grupo, havia várias tendências ideológicas, no entanto, creio, o que ficou é que foi um exercício do Bloco de Esquerda.
Esta plataforma multipartidária ganhou esta batalha por mero acaso circunstancial, e de conjuntura financeira do País.
Pessoalmente, e como todos os restantes militantes desta causa, entreguei-me de alma e coração. Até compus um “Hino ao Choupal”.
E O METRO ANDARÁ UM CENTÍMETRO?
Em Janeiro deste ano, por minha iniciativa, juntei-me ao movimento de reposição da linha da Lousã. Achei uma indecência o que o anterior governo PS fez às gentes de além-Ceira e até Serpins, ao mandar desmantelar a velha linha centenária e com a promessa de construir uma nova via para o metro ligeiro de superfície. Depois do levantamento dos velhos carris verificaram que afinal não havia dinheiro. Isto só mesmo em Portugal. Entreguei-me à causa com muito prazer. Para além de comparticipar em manifestações populares, compus o hino “Trem Fantasma”.
Depressa me comecei a aperceber que o que movia as pessoas, contrariamente ao que se possa pensar, não era o sentimento de repúdio, pela agressão intrínseca, mas tão só a reputação do líder do movimento, Jaime Ramos. Este homem médico, que teve um percurso político notório na cidade –chegou a ser Governador Civil-, é, acima de tudo, uma pessoa com muita influência em Miranda do Corvo. Daí se perceber que, no princípio da exaltação popular, havia uma grande congregação de forças. Como se começou a misturar política partidária com o interesse real das gentes locais, provavelmente –e infelizmente-, é mais uma acção não concretizada por falta de ligação umbilical à cidadania, à honra maculada, e ao proveito legítimo dos povos.
Na parte que me toca, deu para ver o interesse genuíno das gentes de Ceira, Miranda, Lousã e Serpins, quando, mais uma vez, compus outra canção, “Serenata ao Metro”.
Em 20 de Fevereiro, último, através da imprensa, foram convocadas todas as pessoas lesadas para comparecerem na Praça 8 de Maio, às 18h00.
Da parte afectada pelo corte da linha, estiveram presentes um habitante de Serpins e acompanhado da filha. Está bem que o cantor não valia um “tchicharo”, mas, que diabo, o que deveria contar ali era a ligação à causa.
E porque não compareceram os utentes da linha da Lousã no espectáculo? É certo que chovia muito, mas, a meu ver, as pessoas não participaram porque o líder Jaime Ramos não esteve presente.
MONTEIRO, ÉS FOLEIRO?
Desde Maio que ando escrever no blogue acerca de um pária que calcorreia a Baixa de Coimbra e que dá pelo nome de Anildo Monteiro. Este homem, negro de nascença como negra parece ser a sua sorte, pouca indignação tem conseguido reunir por parte dos transeuntes que diariamente dão de chofre com ele.
Se atentarmos nos comentários do blogue, e mesmo agora que parece ser um assunto emergente com possibilidade de solução nesta cidade adormecida, facilmente se verifica que são poucas ou quase nenhumas as manifestações de revolta. Onde está a “esquerda”, que pretensamente terei tantos amigos virtuais, e tão sensível às causas sociais? Onde estará a direita, igualmente com alguns potenciais amigos, sempre também tão preocupada com o bem-estar social?
Então em resumo, porque não se importam com os Anildos desta urbe e concretamente com este Anildo Monteiro de que falo? Não me digam que é por ser negro? Não, isso não, que ninguém discrimina ou segrega ninguém! –dizem com ênfase. Então o que é que se passa?
No meu entender, e foi por isso mesmo que citei Durkheim, é que hoje, para além da solidariedade mecânica e da orgânica, pratica-se uma nova solidariedade por simpatia. Ou seja, quanto maior for o estatuto e reconhecimento do mentor da causa, maior será a adesão popular. Onde fica o sentimento intrínseco que nos causa indignação? Bom, isso não sei, mas também não importa nada. O que interessa é que o desencadeante do protesto veja que estamos lá… não vá amanhã precisarmos dele.
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