quinta-feira, 22 de setembro de 2011

MORREU O SENHOR GUERRA





 No início desta semana faleceu o senhor Acácio Guerra. Para quem não se lembra, o senhor Guerra, durante muitos anos –pelo menos que me recorde-, entre 1970 e 1990, esteve instalado na entrada de uma porta no Largo da Freiria.
Foi aqui, no número 19 deste largo, que este comerciante, conjuntamente com os filhos Acácio e Luís, ganhou a vida a vender rádios, pilhas, cassetes, cintos e muitos outros artigos ligados a todos nós –de repente, dou em pensar como tudo passa tão rápido. Hoje, praticamente, os rádios a pilhas, as cassetes, as pequenas colunas, já deixaram de fazer sentido no nosso imaginário. São apenas retalhos de memória de um tempo que apenas os mais velhos recordarão.
Um pouco de história –amparando-me na memória de Francisco Veiga-, por alturas de 1960, o senhor Guerra era empregado do “Maneta”, na Travessa da Rua Velha, nas traseiras do “Carlos Camiseiro” –uma das mais famosas casas de confecção da Baixa e cuja casa, hoje “Traje” e também encerrada, que viria a ser adquirida por José dos Santos Coimbra. Aqui, na Travessa da Rua Velha, o senhor Guerra, “numa pequena banca, que depois de aberta, parecia uma secretária”, por conta do “Maneta”, vendia artigos de retrosaria.
Então, em inicio de1970, viria a instalar-se no Largo da Freiria. Mais uma vez, de repente dou por mim a ouvir, aqui nesta praceta do Centro Histórico, as canções da altura, sei lá, Marco Paulo, António Calvário, e, logo a seguir ao 25 de Abril, todas as canções da revolução, Sérgio Godinho, José Afonso, Adriano Correia de Oliveira. Quem passasse na Rua Eduardo Coelho, forçosamente, como numa feira, levava com a música alta do “stand” da família Guerra. Sendo a cidade, em metáfora, uma panela de pressão onde se misturam vários ingredientes, de sons, sabores, imagens, olhando para o que fomos perdendo, acabamos por dar conta que a urbe, conjuntamente com estes outrora actores, foi morrendo um pouco todos os anos. Comparando esse tempo com o de hoje, verificamos que o aglomerado citadino dos nossos dias está mais triste, mais hermético, estandardizado e mais estático. Quase tudo é mais parado e mais igual. Não há barulhos de pregões das peixeiras da Figueira e sons de música saídos de rádios; não há cheiros a bifanas, nem odores de “jaquinzinhos” em cebolada; já há poucas imagens que nos marquem nestas ruas estreitas. O que resta são comerciantes sorumbáticos, apreensivos com o futuro, e clientes solitários e ensimesmados.
É triste este texto? É sim, mas não podemos esquecer que estou a escrever um obituário.
À família do senhor Guerra, nesta hora de sentido pesar, em nome dos comerciantes mais antigos -se posso escrever assim- os nossos fundados pêsames.


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