segunda-feira, 12 de setembro de 2011

RELEMBRAR O NOSSO "GROUND ZERO"




 Hoje, durante a manhã, na sala de testemunhas do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, viveram-se memórias, abriram-se feridas aparentemente cicatrizadas e conviveu-se com o fantasma do pesadelo ocorrido em 1 de Dezembro de 2006. Neste dia marcante para a cidade, e cinco anos depois da tragédia das torres gémeas em Nova Iorque em 2001, de uma assentada, ruíram dois edifícios na Rua dos Gatos. Felizmente sem custo de vidas, no entanto vários comerciantes perderam os seus haveres. Um dos afectados indirectamente pela derrocada, João Braga, intentou uma acção judicial de ressarcimento contra a Câmara Municipal de Coimbra e os proprietários dos dois prédios aluídos. Por ter faltado, por motivo de doença, uma testemunha, considerada importante neste processo, o julgamento foi adiado para o próximo mês de Outubro.

QUEM SÃO AS VÍTIMAS?

 João Pedro de Almeida Braga é comerciante, com o estabelecimento “Zig-Zag”, e proprietário do edifício em frente ao desabamento na Rua dos Gatos. No 1º de Dezembro de 2006 os dois edifícios ruíram para o lado da sua loja. Em consequência do abate, foram danificados dois alçados na fachada pondo em perigo a sustentabilidade do seu prédio e praticamente todo o recheio de lanifícios ficou impróprio para consumo. Durante mais de seis meses este comerciante teve de arrendar uma loja na Praça do Comércio para poder enfrentar este infortúnio.

 Dona Ermelinda, à altura dos factos era a proprietária da “Cat’s”, uma bonita loja dedicada à venda de artigos alegóricos a gatos. Esta loja era a menina dos seus olhos. Fora herdada do seu pai, o velho Rosa, um reputado comerciante, mas, curiosamente, que se tornou conhecido pelo bem-fazer. Uma pessoa boa –que conheci bem- que estava sempre disponível para ajudar quem ia bater à sua porta, a pedir auxílio. Ermelinda, solteira e creio que já aposentada na altura, pouco tempo antes tinha remodelado o velho estabelecimento de seu pai e adquirido novo artigo para venda.
Segundo o depoimento de um vizinho que pediu o anonimato, “depois da tragédia a senhora nunca mais foi a mesma. Psicologicamente ficou mesmo afectada. Nem sequer pediu indemnização a ninguém porque, segundo me disse, só quer mesmo esquecer que aquela tragédia aconteceu. Ali, naquela loja que ruiu, e que fora de seu pai, desapareceram também bocados da sua alma. Só assim se entende que ela não queira saber de mais nada. Foi como se tivesse perdido um ente querido e nunca mais recuperasse do luto.”

 A dona Lena, à altura desta hecatombe, era proprietária do estabelecimento que fazia o gaveto, quase em frente ao restaurante Aeminium e às Escadas do Gato. Com este desastre perdeu tudo. Tal como os restantes prejudicados, passados 5 anos ainda não recebeu um cêntimo de ninguém. O grave, e talvez esta situação devesse fazer pensar, é que a Lena tinha uma apólice de seguros Multirriscos.

E ENTÃO? PORQUE É QUE O SEGURO NÃO PAGA?

 Responde a Lena: “olhe, isto é um processo de Kafka. Perdi tudo. O seguro não paga porque querem saber a causa, o que deu origem à derrocada. E a Câmara Municipal de Coimbra –aqui réu e juiz ao mesmo tempo-, através de um levantamento de diagnóstico feito por técnicos da casa, deu por inconclusivo as razões do desabamento. A autarquia, neste processo e através dos seus técnicos, foi parte integrante neste desabamento. Para além de ter perdido os meus haveres, poderia lá também ter perdido a vida. Olhe, foi uma sorte. Não calhou.
Houve muita precipitação da autarquia. Depois de terem caído os dois prédios a única preocupação que a Câmara teve foi rapidamente recolher os escombros. Ora está de ver que só se deveria ter avançado para esta fase depois de se fazerem exames ao que restava. É claro que, perante esta recolha a correr, as companhias de seguros ficaram sem meios para investigação, e, lógico, quem é que acha que ficou mais prejudicada? Eu, obviamente. Mas, diga-me lá, então não seria óbvio que só depois de se analisar bem os destroços é que se avançaria para a limpeza do local? Por analogia, se morrer alguém é chamada a polícia, marca o local, faz exames, tira fotos e só depois é levantado o cadáver. É ou não assim?
Houve também muita incompetência por parte dos funcionários da autarquia. No dia anterior à derrocada, com receio do pior, eu tinha a minha loja fechada. Foram lá dois técnicos da câmara, os engenheiros Repolho e Aurélio. Perante a minha reticência de insegurança, disseram os dois para eu abrir o estabelecimento que não havia problema nenhum. E eu abri. No dia seguinte, por volta das 11h00, um vizinho chamou-me porque havia uma grande fissura numa das paredes. Era estranho, entendemos. Veio o engenheiro Repolho e perante aquele facto anómalo e o meu medo de ficar lá de baixo –parece-me estar a vê-lo agora de mãos nos bolsos e a sorrir-, proclamou taxativamente: “ó minha senhora, não tenha medo! Ainda não vai ser hoje que vai morrer!” –e deu uma larga risota. Por volta das 16h30 deu-se o desmoronamento.

A CÂMARA MUNICIPAL FICA BEM NA FOTOGRAFIA?

 João Braga e a dona Lena são unânimes em afirmar que, neste desligamento e falta de preocupação por quem perdeu muito e outros tudo, a edilidade fica muito mal no retrato.
“É lamentável que esta situação, passados 5 anos, ainda não esteja resolvida e nem uma palavra de apoio a quem como eu perdeu tudo”, enfatiza a Lena.
Lembro que -ler aqui- a derrocada dos dois prédios ocorreu depois de uma divisão camarária tutelada pelo vereador da Habitação afastar o cenário de desmoronamento e de um organismo pertencente à Universidade de Coimbra (UC) ter classificado a segurança de um dos edifícios com nota quatro (numa escala de zero a cinco)” -Rui Avelar, em 18JAN2006, in Campeão Das Províncias. Assim como também não esquecer que este estudo de diagnóstico (SIGURB), realizado em 2005 pela UC, tinha como objecto realizar um exame exaustivo das patologias apresentadas pelas centenárias construções da Baixa e, segundo o vereador Pina Prata, terá custado à autarquia cerca de um milhão de Euros.
Gostaria de lembrar ainda que em 2007, por proposta do vereador independente Pina Prata, o executivo camarário recusou atribuir uma indemnização a estas infortunadas pessoas.


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