quarta-feira, 28 de setembro de 2011

MARIA E AS PONTES DE SALVAÇÃO

(IMAGEM DA WEB)



 Antes de plasmar o meu pensamento, ressalvo que posso ser injusto com quem se entrega de alma e coração à causa da solidariedade. Conheço algumas destas pessoas. Ao escrever este texto, não sei se consigo, mas pretendo tão só fazer pensar um pouco sobre a temática dos sem-abrigo. Também não tenho por objecto “armar-me aos cucos” e querer parecer que sei muito, ou sou melhor do que qualquer um. Aliás, tenho pouca experiência sobre estes “sem-casa”. Volto a repetir, a intenção é apenas fazer pensar.
Sabe-se que associadas a esta pobreza de rua estão sempre patologias como o alcoolismo, a droga, o desenraizamento familiar, a perda de normas sociais de disciplina, e, em resultado destas premissas, a insanidade galopante.
Trabalhar com estas pessoas é extremamente penoso e difícil. Costumo dizer, em metáfora, que quem acompanha estes indivíduos deveria trazer numa mão um crucifixo –simbolizando a solidariedade humanitária- e na outra um porrete –a mostrar  a obrigação de cumprimento do dever de mudança. Nesta questão social divido-me muito entre o dar por dar sem nada exigir e o necessário cumprimento de uma obrigação para se alcançar a dádiva. Acabo por me inclinar para a segunda.
É um problema complexo e não se pode nunca generalizar, mas conheço algumas pessoas que recebem o Rendimento Social de Inserção num dia e no seguinte já não têm um cêntimo. Ora, não é preciso ser licenciado em Serviço Social para ver que dar dinheiro a estes sujeitos é um completo desperdício. A sensação que se tem é que a política social de ajuda seguida nos últimos anos é majorada no sentido de lhes ser transmitido de que não precisam de fazer nada porque tudo recebem gratuitamente.
Por outro lado, bem sei que vou escrever um disparate, mas mesmo assim, continuo. Tenho ideia que para muitas associações no País a ajuda aos sem-abrigo será um grande negócio. Por isso mesmo, no dia-a-dia ou noite após noite, limitam-se a visitá-los deitados num qualquer cartão, de uma qualquer esquina, dando-lhes comida como se faz a um qualquer animal, e pouco se preocuparão em contactar as famílias e retirá-los daquele charco.
É mais que natural que, se por um lado, muitos técnicos bem intencionados se comovam até às lágrimas pela frustração de não conseguirem arrumar a vida destes desabrigados da sorte, por outro, haverá muitos que, sem o sentirem, com o tempo foram ficando insensíveis à dor e petrificados na sua função. Diz quem sabe que todo o técnico, com o tempo, se transforma em tecnocrata.
Por outro lado, assiste-se todos os dias a isto: quem quer verdadeiramente trabalhar para sair da imundice da miséria, para além de ser pouco ajudada, ainda é explorada por todos, incluindo as próprias instituições com a sua insensibilidade. Só para exemplificar vou contar esta história verdadeira.

A HISTÓRIA DE MARIA

 Maria, vamos chamar-lhe assim, é uma mulher pequenina, de cerca de um metro e meio. Pelo rosto de menina, parece ter 20 anos. Se falarmos com ela, imediatamente, constatamos várias coisas: que os seus olhos brilham de inteligência, mas, certamente, pela circunstância dos seus 27 anos de vida amarga, é muito ignorante.
Como a pobreza atrai pobreza, para fugir à má sorte juntou-se com um rapaz há mais de meia-dúzia de anos. Para além de por duas vezes lhe encher a barriga com dois filhos –um agora com 6 e outro com 3 anos-, ainda lhe vergastava o corpo com cada malha de porrada que parecia uma coisa do outro mundo.
Maria acabou numa instituição de apoio à vítima, onde, durante três anos, permaneceu até há cerca de 3 meses. Como se tivesse arranjado um trabalho temporário foi “convidada” a sair da instituição. “Embora eles soubessem bem que era um trabalho temporário de apenas um mês, assim que este terminou, aproveitaram logo para eu partir de vez. Já andavam há muito tempo a dizer que eu tinha mesmo de ir embora”, enfatiza.
Maria viu-se na rua com duas crianças nos braços e sem qualquer rendimento. Entretanto arranjou uma casa que partilha com outra colega na mesma situação e pagam 280 euros.
Como o trabalho a prazo terminou, Maria tratou de arranjar ocupação o mais depressa possível. Os meninos tinham de comer todos os dias. Encontrou um serviço de limpezas, das 8h30 às 10, ali num café próximo da Praça da República. Mas como tinha de entregar os filhos no infantário e na escola até às 9 horas teve de largar este trabalho. Esteve nesta casa um mês e 3 dias e até ao último dia 13. A partir daí, tem feito caminho de Seca e Meca para lhe pagarem e não há maneira. Levou sempre os filhos com ela para verem que precisa de ajuda, mas nem assim lhe pagam. Umas vezes dizem para vir no dia seguinte, outras referem que não têm dinheiro. E Maria, como bola de pingue-pongue, anda assim a ser jogada. Tem arranjado uns trabalhos precários aqui pela Baixa, mas não chega para as suas necessidades. Ela quer ansiosamente trabalhar. O seu medo é que lhe tirem os seus amores, a sua única riqueza que a liga a este mundo profundamente injusto.
Como a má sina atrai a má sorte, Maria não tem ninguém a quem se apoiar. Há cerca de meio ano, num terrível acidente de motoreta, os pais morreram ali para os lados de Condeixa.
Para concluir esta “estória” desgraçada sem história, a instituição onde esta rapariga se acolheu durante 3 anos continua a receber os abonos dos dois miúdos. “Respondem-me que sem ordem do tribunal não me podem entregar o abono. É que preciso mesmo, senhor Luís. 35 euros pode não ser nada para a maioria, mas para mim é uma ponte para saciar a fome aos meus filhos”.



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