quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O PINGUE-PONGUE DO ANILDO




 Cerca das 9h30, de hoje, na Rua das Padeiras, duas agentes da Polícia Municipal, com um papel na mão, de olhos pregados nas portas, procuravam o número 73 daquela artéria.
Olhar aqui, olhar acolá, porque sabendo nós todos a dificuldade em encontrar um identificativo numa qualquer ruela, lá chegaram ao alvo desejado. Era quase ao cabo, junto à farmácia. E então, porque foram chamados, especulo eu na minha curiosidade insana?! Mal as duas agentes se chegaram, logo, como aves em busca de um brilho de sol, as pessoas, residentes e trabalhadores das lojas comerciais em redor se chegaram com seus queixumes. Mas afinal de que se tratava? Porque foi chamada a Polícia Municipal?
A razão, sem razão se vivêssemos numa sociedade desenvolvida justa e equitativa, estava no facto de um sem-abrigo, de nome Anildo Monteiro, ter passado a “residir” no átrio do referido prédio. O grave, segundo os moradores e funcionários comerciais, é que se está perante várias ilegalidades. Primeiro, o Anildo instalou-se naquela entrada e não pediu licença a ninguém. Segundo, espalhou pelo chão alimentos e bebida, nomeadamente, frutas, pão e vinho. A seguir, empesta o ambiente com um fedor a pútrido que mais parece as profundezas do Purgatório e das almas em decomposição. Para piorar isto tudo, o Monteiro, para além de ser alcoólico, é, notoriamente, demente e não passa cartão a ninguém. Mais ainda, qualquer pessoa que tente falar com ele recebe um sorriso de complacência, como se ele estivesse a desculpar quem quer meter-se na sua vida privada com privações. Quase de certeza que, como qualquer português que se preze, assim em disco riscado, vai receber um pedido e uma interrogação. “dê-me uma moeda para uma sandes… Amanhã é terça… não é?”
O Anildo Monteiro é um pária que vagueia há vários anos aqui pela Baixa. É pacífico e não faz mal a ninguém. Começou por dormir em várias portas durante a noite. À medida que vai sendo enxotado, como animal indesejado, vai-se acolhendo onde calha, aqui e acolá. Durante muito tempo dormiu num anexo ao estabelecimento “Buraquinho”, na Travessa da Rua Velha. A seguir, porque veja-se o satírico da questão, foi um outro demente que lhe pregou as portas de acesso e o Monteiro, como gato vadio renegado, foi acolher-se no Largo da Maracha, num prédio em decomposição. Mas a má sorte, conjuntamente com o mau senso, persegue este vagabundo de nós. Agora foi a autarquia a fazer a reconstrução da fachada do edifício e, mais uma vez, a morada deste homem foi alterada, indo então, agora, para a Rua das Padeiras.
Escrever que este caso é único na Baixa, não é, não senhor. Infelizmente, há imensos por aqui. Na maioria destas ocorrências, pela incapacidade dos humanos apelidados de normais, é a natureza a resolver a questão. Ou seja, uma vez que as autoridades demoram a diagnosticar estas doenças mentais e agirem em conformidade, através de um internamento compulsivo que permita um tratamento, estas pessoas –serão mesmo pessoas?- vão morrendo pelas esquinas, valetas e casas abandonadas. De quem será a culpa? Poderemos questionar? Não sei bem, mas poderemos especular. Começa logo nesta recente Lei de Saúde Mental que –apenas preocupada com Direitos, Liberdades e Garantias, esquece o objecto da sua própria lei- para internar um alegado doente, obriga à intervenção do Ministério Público e a seguir de um mandado de um juiz. Porque ninguém quer assumir o ónus da questão da insanidade notória, é muito mais fácil deixá-los morrer lentamente, aos bocados, pela cidade.
Adiando até mais não poderem, no limite, o pouco que as instituições fazem é sempre a reboque das queixas dos moradores –estes, como sempre, querendo resolver o seu problema imediato, estão pouco preocupados com o quadro de indignidade e inumanidade que se mostra. O que interessa é passar a bola para canto. Como quem diz para o vizinho do lado.
Escrevo assim, porque já plasmei imensos textos sobre este assunto do Anildo Monteiro. Já dei conhecimento à Segurança Social, já participei à Câmara Municipal de Coimbra, já escrevi no Diário de Coimbra, e demais, sobre este assunto sem aparente solução.
É agora que se vai resolver? Duvido. A menos que o Anildo seja bonzinho para a sociedade e faça o favor de morrer depressa.

(ESTE TEXTO FOI ENVIADO PARA A CÂMARA MUNICIPAL DE COIMBRA E POLÍCIA MUNICIPAL)


TEXTOS RELACIONADOS


2 comentários:

JPG disse...

Parabéns por mais um excelente texto que nos vai habituando.

Os Anildos desta vida não começam logo a vaguear, nem a cheirar mal.

Mas se atempadamente ninguém lhes dá a mão, uma e outra vez, pois por norma caem até os joelhos deles ficarem dormentes e as nossas forças na penúria, chegam a adultos, resignados e o retrocesso para o sucesso torna-se angustiantemente difícil.

LUIS FERNANDES disse...

Muito obrigado por ter comentado, JPG. Agradecido também pela generosidade. Um grande abraço.