Para quem é meu “cliente”, adivinho, ao ler este título, começa logo a pensar, “porra, para o homem, que não sabe escrever sobre outra coisa. É Anildo, para aqui, Anildo para acolá! Isto é mesmo obsessão!”.
Para os outros, para aqueles que caíram hoje aqui de avião, começo por dizer que o Anildo Monteiro é um cidadão português, de ascendência cabo-verdiana, que há vários anos, percorrendo diariamente a Baixa da cidade, dorme onde calha, come do que lhe dão e quando não tem abre os caixotes do lixo e directamente sacia o estômago. É normal vê-lo a apanhar água com um garrafão plástico de 5 litros, para beber, no Largo do Poço, onde se encontra um repuxo com água parada e conspurcada com elementos nocivos à saúde.
Depois de percorrer vários poisos, há vários meses, deu em dormir, noite e dia, no meio de uma esterqueira, no Largo da Maracha e num prédio em decomposição. Para além de ser alcoólico, e também do quadro de miséria que é mostrado aos nossos olhos, raramente toma banho. Onde ele estiver, em redor, é um fedor desgraçado.
Em Junho deste ano, quando ele estava “instalado" no Largo da Maracha, uma moradora veio ter comigo para ver se, através da escrita, eu poderia ajudar a resolver esta situação caricatural de um ser humano.
Nessa altura, escrevi o primeiro texto, sensibilizei a Segurança Social, comuniquei à Câmara Municipal, e recebi em resposta que o assunto tinha sido remetido para a Divisão de Acção Social e Família para análise. Escrevi também um texto no Diário de Coimbra.
Passados 4 meses este caso continua igual. Ou melhor, pior. Como entretanto o prédio do Largo da Maracha foi intervencionado administrativamente, agora, outra vez, o Monteiro, para além de –a meu ver- apresentar uma decrepitude lactente, quer na forma -embora, graças a um voluntário desconhecido, ainda há dias lhe cortarem o cabelo-, de se apresentar mais andrajoso, sujo e exprimindo-se cada vez pior, através de monossílabos e expressões monocórdicas.
COMER DO LIXO É UM COSTUME SOCIAL?
Ontem fui ao Ministério Público, no Palácio da Justiça, para participar este “aparente” caso de saúde pública e associado a insanidade.
Foi importante ter lá ido, porque fiquei a saber várias coisas. A primeira é que o MP não aceita nenhuma participação sobre Anildo Monteiro. E porquê? Porque em Maio último, através de mandado de um juiz, e visando o internamento compulsivo, sob protecção policial, o Anildo Monteiro foi conduzido às urgências dos HUC. Segundo o relato do processo, que me foi lido no Palácio da Justiça, neste hospital público, foi visto por dois médicos. O primeiro, “olhando para ele, imediatamente, diagnosticou que não se estava perante um acaso de saúde pública. O segundo médico, e que viria a assinar o relatório apenso ao processo, atesta que “Anildo Monteiro está pleno das suas faculdades mentais, com perfeito raciocínio lógico e detentor da sua vontade, fala fluentemente e, na consulta, até brincou com a situação”. Em resumo, e ainda segundo o relatório médico, “estamos perante um costume social associado à vontade do próprio.”
Fiquei a saber também que este homem foi mecânico no Barreiro até, cerca de, 1990. Teve número de contribuinte. O que se teria passado para cair nesta indigência é um enigma.
Perante este relatório, e segundo a procuradora do processo com quem falei, nada há a fazer. Se o médico psiquiatra conclui que o sujeito é detentor da sua vontade e capacidade de decisão, o MP não pode fazer mais nada. Ponto e parágrafo!
O ANILDO ESTÁ ENTREGUE AO SEU DESTINO
A funcionária do MP fez questão de, à minha frente, contactar a assistente social, da Associação Integrar. Segundo o que a funcionária do Ministério da Justiça me transmitiu –uma vez que fez a ligação à técnica da Integrar- é que o Anildo é acompanhado todos os dias e está visivelmente melhor.”
ESTÁS BOM, ANILDO?
Ontem à noite, cerca das 23h00, fui ver como estava “instalado” o Anildo junto à farmácia na Rua das Padeiras. Estava deitado no chão, conforme mostro nas fotos de cima, e o diálogo foi mais ou menos assim:
-Estás bom, Anildo?
-Hã…hã? … Que horas são?
-23 horas. Então hoje tomaste banho?! Foi o Jorge que te levou à Cáritas. Não é verdade?
-Hã?...Hã? Quero ir para casa… que horas são?
-23 horas. Ainda agora te disse. Com que idade vieste de Cabo Verde para cá?
-3 anos… quero ir para casa… que horas são?
-Outra vez? 23 horas! De que parte és de Cabo Verde?
-São Vicente… quero ir para casa… que horas são?
-23 horas, já te disse! Onde tens a casa?
-Na Estação Nova. Lá é que estou bem… que horas são? –levantou-se, olhou o céu estrelado, espreitou para o lado esquerdo e direito, e voltou a deitar-se na calçada. Puxou o cobertor para cima da cabeça e acabou-se o diálogo.
-Boa noite, Anildo. Já não respondeu.
3 comentários:
Um caso muito triste, até fico sem palavras depois de ler este teu texto...
infelizmente cada vez há mais pessoas na situação do Anildo e ninguém se importa. Lembro-me por exemplo do Carlitos (nem sei nada dele), cheguei a levar-lhe cobertores no Inverno.
Apesar de não terem ligado nenhuma o teu gesto foi muito bonito, toda a gente fosse assim o mundo seria um lugar bem melhor.
beijinh
Começo por te agradecer o comentário e a generosidade na apreciação, Ana.
Quanto ao “Carlitos popó” está muito bem. Graças à Segurança Social conseguiu-se tirá-lo da rua mesmo “in extremis”.
Quanto a este caso do Anildo ainda não estão todas as possibilidades esgotadas. Como ele é de ascendência cabo-verdiana, quem sabe ele não tenha família em São Vicente? Tenho a promessa de António Alte Pinho, um jornalista do jornal Liberal de Cabo Verde –o líder de informação em toda a África- de que ainda hoje será colocada a notícia online e de modo a encontrar laços consanguíneos em São Vicente.
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Boa tarde, Sr. Luis
Sabe o que e feito do Anildo? Desde que foi internado nunca mais soube nada dele. Cumprimentos
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