quarta-feira, 28 de setembro de 2011

UMA NOITE SEM HORÁRIOS




 Esta noite, última, de terça para quarta-feira, na Praça do Comércio, o Núcleo de Estudantes de Economia da Associação Académica de Coimbra promoveu a “Noite dos Horários”.
Segundo o Diário de Coimbra de ontem, as entradas custavam 2,50 euros, com direito a uma bebida. Para além disso havia animação com dois dj e do coral da tuna da mesma faculdade de economia.
Vamos por partes, e antes de entrar nas declarações de um comerciante, de um hoteleiro e dois moradores. No meu entendimento é bom que os estudantes comecem a frequentar a Baixa. São bem-vindos a esta zona histórica. Porém, nesta agora “recepção ao caloiro", há vários pontos que ressaltam.
Começo por dizer que todo aquele aparato de montar uma tenda gigante e rodear a vetusta Praça do Comércio por uma noite com grades de arame tem notoriamente qualquer coisa que atenta contra a dignidade de edifícios da Idade Média, como é o caso da Igreja de São Tiago. Mas, sublinho, que nem que fosse por uma semana faria sentido. Há nesta praça uma nobreza, uma honra, a defender. Não pode ser tratada, por exemplo só para comparar, como a Praça da República, que é ampla e não tem edifícios de grande historial.
Continuando na minha pretensa análise, fará sentido, mesmo por uma noite, coarctar o direito de acesso a alguém e contra o pagamento de uma portagem? -que era o que se verificava quem quisesse descer as Escadas de São Tiago.
Há também o eterno problema do ruído que se prolongou pela noite fora, mas, nas declarações, isso vou deixar para os moradores.
Outro ponto ainda, será lógico vir ocupar um espaço público gratuitamente, a coberto de uma tradição, para fazer negócio? Sim, porque este evento foi um negócio para o núcleo de estudantes.
Que viessem para a Baixa e consumissem os serviços da hotelaria que por aqui labutam até faria todo sentido. E até se admite que os preços pudessem ser negociados previamente. Agora, virem espetar uma lança em África sem terem qualquer respeito pelos nativos é uma acção questionável a todos os níveis. Para ser mais claro, é um desrespeito por quem aqui trabalha e ganha a vida.
Se é certo que, louve-se, não houve excessos que provocassem danos aos locais -excepto a violação do direito ao descanso-, nomeadamente a quebra de vidros de montras, como já tem acontecido. Salienta-se também a limpeza de toda a zona envolvente. Hoje de manhã estava tudo impecável. Contrariamente a outros eventos já realizados aqui e em que, durante vários dias, permaneceu o chão todo conspurcado. Há, no entanto, uma pergunta que terá de ser feita: quem paga o serviço prestado pelo pessoal da higiene? Sim, porque este evento, mesmo sendo de estudantes, tendo por objecto o lucro de uma determinada associação, não deixa de ser particular. Seria público, isso sim, se a entrada fosse livre e o seu fim revertesse para a comunidade.
O que entendo é que a autarquia de Coimbra, deixando-se embalar no canto do rouxinol, continua a colocar-se de cócoras perante uma qualquer associação de estudantes da Universidade de Coimbra.
A Baixa é de todos. Permitir que se continue a fazer o que se fez ontem é uma ilegalidade. É uma violação ao direito de circulação de qualquer um de nós.

E O QUE PENSAM OS QUE CÁ TRABALHAM?

 Um hoteleiro, que tem um estabelecimento numa destas ruas e pediu o anonimato, taxativamente disse: “é uma parolice da câmara licenciar uma coisa destas. Que interesse terá uma festa destas para a Baixa se fica tudo concentrado lá na praça e as ruas estreitas continuam desertas?
Um comerciante, com loja e que também pediu o anonimato, disse o seguinte: “coisas deste género, para a Baixa, nem aquece nem arrefece. Aliás, se calhar até arrefece, porque estamos sempre à espera de ver uns vidros partidos. Por acaso até correu bem, mas podia não ser assim. A APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, fez muito bem em demarcar-se deste evento. A autarquia apoiar uma festa onde o álcool corre a rodos… só aqui, em Coimbra!” –e bateu com a mão na testa.



E QUEM CÁ MORA?


 Uma senhora que mora na Praça do Comércio, e que pediu o anonimato, perante o ruído realizado, manifestou-se assim: “olhe, nem tenho palavras para descrever a revolta que tenho cá dentro. Até às 5h00 da manhã foi um barulho infernal. Não consegui dormir nada. Será que a Câmara, ao licenciar um evento destes, se esquece que temos de trabalhar? Será que quer fazer da Baixa o mesmo que se está a passar na Alta? Isto parece que anda tudo doido!”
Uma outra senhora que reside na Rua de Sargento-Mor, perante a minha interrogação sobre como tinha passado a noite, disse o seguinte: “olhe, sei que os prédios abanavam com tanta vibração. Até às 5h00 foi impossível de ignorar todo aquele ruído. No entanto lá me tentei defender o melhor que pude, corri as portadas e embrulhei-me a cobertores e lá consegui dormir alguma coisa.”


3 comentários:

Jorge Neves disse...

Concordo com os eventos dos estudantes na baixa, mas dai até quase às 6 da manhã já é outra coisa. É preciso respeitar os moradores e tambem os comerciantes.

joão josé cardoso disse...

Luís Fernandes, eu não vou pedir o anonimato. Isto ultrapassou o inimaginável, não passou de um assalto selvagem ao direitos mínimos de cidadania de quem vive na Baixa. Ainda mais vergonhoso porque nunca teria sucedido se o Presidente da Câmara que foi eleito tivesse terminado o seu mandato. É preciso explicar porquê, ou agora só podemos dormir se tivermos um autarca como vizinho?

Ermelinda Adelino disse...

Todos os dias venho a este blogue.
Penso até, que já se tornou um vício, mas dos bons.
Na maior parte dos temas, estamos em
sintonia, hoje tenho que lhe dar os parabéns.
Muito obrigada, companheiro!