sábado, 1 de março de 2008

COIMBRA: CARTA ABERTA A QUEM ME LER

(IMAGEM DA WEB)



 Meu caro amigo leitor, mesmo sem o conhecer tomei a liberdade de me dirigir a si.
Sim, a você mesmo. Tenha calma, não passe à frente, leia o que tenho para lhe dizer. Sei o que está a pensar, “ou é publicidade, ou é uma carta de um qualquer político a fazer-me crer que as medidas que tomou foram no meu superior interesse, ou ainda pior: é alguém a pedir-me dinheiro emprestado”.
Nada disso! Sei que apesar desse seu “ar” desligado você gosta verdadeiramente de Coimbra. Sei que apesar de sempre ter votado religiosamente não se envolve em questões políticas –“isso é para os políticos”, costuma dizer enfaticamente com solenidade, como se daí lavasse as suas mãos e não tivesse nada a ver com as boas ou más decisões deles. A sua função, como cidadão exemplar, cumpridor dos seus deveres cívicos, resume-se a ir depositar o seu voto na urna. A partir daí já não é consigo. Mas se assim é, como explica as suas frases acaloradas, entre amigos, quando profere com grande convicção que os políticos não prestam e são inimigos do povo?
Dirijo-me a si, leitor de Coimbra, porque sei que você, apesar desse aspecto passivo, chegado o momento, se sentir que está a ser agredido na sua dignidade pessoal ou nos seus direitos legítimos de cidadania, você é capaz de perder as estribeiras e protestar com veemência. Eu conheço-o bem. Acredito em si e sei aquilo que você é capaz. O que lhe vou contar a seguir vai indigná-lo, mas controle-se, deixe-me contar tudo primeiro.
O Governo prepara-se, através de decreto lei, para anunciar as exéquias oficiais do ex-Museu Nacional da Ciência e da Técnica. Como sabe esta indecisão já vem de Janeiro de 2005 –decorrente da nova lei orgânica do Ministério da Ciência, Inovação e Ensino Superior, nos termos do nº5, do artº28, do decreto lei nº10/2005-, quando este museu foi integrado no Museu do Conhecimento. Você não sabia que o museu Nacional da Ciência e da Técnica, desde essa data, é um “cadáver adiado”, como se estivesse numa câmara frigorífica à espera do enterro e que os coveiros recebessem ordens para abrir a cova? Ai não sabia? E pela sua cara depreendo que nunca visitou aquele museu e também nada sabe da sua história. Calma, eu conto. O Museu Nacional da Ciência e da Técnica foi criado em 1971, em Coimbra, na Rua dos Coutinhos, mais exactamente no Palácio Saccadura Botte, mas só foi oficialmente inaugurado em 1976. Resultou do trabalho hercúleo, do amor pela recolha e divulgação científica de um dos maiores físicos portugueses, professor universitário, Mário Augusto da Silva. Agora veja isto: no Estado Novo, durante a presidência de Salazar, devido ao seu inconformismo, foi várias vezes preso pela Pide. Em 1947 foi expulso ou aposentado compulsivamente do ensino universitário e apenas foi reintegrado em 1976, um ano antes de morrer. Agora, em democracia, os seus pares universitários, como verdugos, preparam-se para fazer exactamente o mesmo e apagar a sua memória.
Você está a abanar a cabeça? Não acredita no que lhe digo? Palavra que é verdade! Ah…é isso! Você não acredita que lhe façam este assassinato histórico? Como disse? Ah… é verdade! Visto dessa forma, não tinha pensado nisso. Segundo a sua teoria, sendo José António Bandeirinha pró-Reitor da Universidade de Coimbra, para a área da cultura, e um dos signatários do movimento “Pelo direito à cultura e pelo dever de cultura”, se ele mandar encerrar o museu deve demitir-se? Você acha que se ele colaborar nisso é um “cara de pau” sem vergonha? Que ao que tudo indica assim parece encaminharem-se as coisas. Uma parte dos 7 funcionários, alguns com mais de 30 anos de casa, que permanecem há dois anos “emparteleirados”, sem nada fazer, vão ser transferidos para a Universidade e outra parte para o novo Museu da Ciência. Quanto ao extraordinário acervo, o melhor vai ser distribuído pelo novo museu, pelos bombeiros e pelo Museu do Caramulo, isto no que toca a dois automóveis do Estado Novo e provavelmente uma ou duas avionetas dessa altura. Perguntou o que vai acontecer ao Palácio Saccadura Botte, na Rua dos Coutinhos e adquirido por intervenção directa do então notável director Paulo Renato Trincão que, desgostoso pela forma displicente como politicamente foi encarado o seu brilhante trabalho à frente daquele museu até 2002, migrou rumo a Aveiro, onde desenvolve um magnífico trabalho naquela universidade? Ó leitor isso é pergunta que se faça? É evidente que o futuro do palácio é uma residencial para estudantes. É óbvio.
Mas você, leitor, parece muito céptico em relação ao encerramento do museu, ou é impressão minha? Porquê? Ah, disso? Do memorando assinado, em 6 de Abril de 2004, entre o Reitor da Universidade, o presidente da Câmara e o vereador da Cultura, em que os três se comprometiam a viabilizar a criação e instalação em Coimbra de uma estrutura que tirasse o máximo partido do seu enorme potencial museológico, através de uma Fundação, cujo Pacto Social foi elaborado e está postado na Internet para quem o quiser ler. Mas, leitor, espere aí, é só por isso que você não acredita na extinção do museu? Ah…está bem! Pois, Já percebi. Você acredita que, sendo o próximo ano de eleições, Carlos Encarnação, apesar de ser um tecnocrata rígido, racional e pragmático, pouco dado à sensibilidade cultural é um homem que gosta verdadeiramente de Coimbra e profundamente sério. Isso é verdade, ninguém lho pode negar. E, então, segundo a sua teoria, ele não vai querer carregar com o ónus de ser acusado de colaboracionismo neste acto de lesa-cultura? E quanto ao Mário Nunes, o que tem a dizer? Que é um “gentleman”? Que contrariamente a Encarnação é um homem profundamente sensível à cultura de Coimbra e que poucos, actualmente, se poderão gabar de tanto ter contribuído para a revitalização da parte histórica da cidade. Quem não se lembra do Congresso Internacional, em 1986, sobre a velha Alta, em que, estando à frente do GAAC, tentou já nessa altura chamar a atenção para o estado lastimoso daquela parte da cidade? E que a ser assim também não vai admitir tal atrocidade, remato eu, certo?!
Já chega de argumentos ou ainda tem mais algum para apresentar, leitor? Fala-me do Henrique Fernandes? Sendo ele o Governador Civil, que tem ele a ver para o caso? Ah… já percebi! Sendo ele o próximo presidente da Concelhia do Partido Socialista, e, não só por ambições políticas, como sendo também um homem que ama demais Coimbra não vai admitir que o Governo, sendo mesmo do seu partido, cometa uma monstruosidade destas. Faz sentido sim. Tem razão.
E quanto a si leitor, já me apresentou vários argumentos de análise política, mas ainda não me disse no que toca a si. O que vai fazer? Não quer responder? Está bem. Deixo-o apenas com uma citação de Victor Hugo: “Entre um governo que faz o mal e o povo que o consente, há uma certa cumplicidade vergonhosa”.

1 comentário:

Anónimo disse...

tem razão...