(IMAGEM RETIDA DA INTERNET)
Escreveu Fernando Pessoa que todo o poeta é fingidor. Mas serão só os poetas? E os outros, os comerciantes, os políticos, não serão? Não farão da arte cénica o seu modo de estar na vida?
Lembrei-me de começar pelo Pessoa. Actualmente, faz falta às Baixas das cidades homens como ele. Bebedores inveterados de bagaço que ingeriam para esquecer a incompreensão dos outros, e afogavam as mágoas em textos que poucos liam. Mas esse modelo de revolucionário pacífico acabou. Começaram logo pelo afastar do vício pecaminoso: o bagaço. Depois, quanto ao homem desesperado em conflito interior, colocaram-no a ouvir fado, ver futebol, ou ir a Fátima. Foi o fim da voz surda do poeta que corria as tascas das cidades.
E que tem isto a ver com o que vou escrever a seguir? Nada. Nada mesmo! Estava a divagar e a lembrar-me que uma grande maioria de comerciantes da Baixa da cidade está inibida pelo Banco de Portugal de usar cheques. Uma grande maioria está afogada em dívidas. Devem milhares de euros à Segurança Social e ao Fisco. Todos, num fingimento mal disfarçado, trauteiam o fado do Tony de Matos “ó tempo volta para trás!”
A ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, representante dos comerciantes, segundo se consta, também afogada num oceano de dívidas –fruto de uma gestão, na última década, pouco convencional e também porque, tal como outras associações do país, vive, ou sobrevive, de subsídios dados pelo governo…que não paga atempadamente. Como o moribundo que no último estertor levanta o braço, esta associação vai tentando fazer coisas que não a deixem cair no esquecimento. Mas sem grande convicção. É um fingimento completo. E os resultados são catastróficos. É pior a emenda que o soneto.
E o poder político local a mesma coisa. Como é constantemente bombardeado pela imprensa, acusado de incúria e de nada fazer para ajudar a revitalizar os Centros Históricos, finge que está muito preocupado com o desaparecimento comercial e residencial destas zonas. Tal como se dá milho às galinhas para as manter ocupadas, assim fazem os gestores da polis. Vão distribuindo pequenas promessas que pouco contribuem para a salvação de um coração de uma cidade que está doente e cujo ritmo cardíaco é cada vez mais descompassado. Só não vê quem não quer que a Baixa está a morrer um pouco todos os dias. Está em coma. Dia-após -dia vêem-se menos pessoas a frequentarem os estabelecimentos. Cada vez mais as lojas estão entregues ao último familiar que resta. O silêncio nestes espaços é sepulcral. As que não caírem naturalmente pela força executiva, cairão pela insegurança crescente que se vive nestes meios.
Inevitavelmente irá haver suicídios. Ao infortúnio junta-se a desmotivação em continuar a lutar contra o vento. A tudo isto os políticos disfarçam com argumentos de preocupação e espalham pequenos grãos de esperança a quem está carecente de medidas eficazes que lhe permitam continuar ao tocar o barco para a frente.
O recente episódio de um jantar realizado no dia 9 de Abril no restaurante Jardim da Manga, em que compareceram 56 comerciantes, dever-nos-ia fazer pensar.
O jantar fora uma última tentativa de juntar os homens do comércio e as duas associações representativas da classe –a ACIC E A APBC- para se encontrar uma via, através da reivindicação, que evitasse o total declínio da classe na Baixa de Coimbra.
Começa logo pelos poucos comerciantes presentes. Num universo de 500 estabelecimentos apenas 56 compareceram. E destes 56 estariam todos convictos de que a sua presença era importante para o seu futuro profissional? Não. A maioria foi empurrada. Foram, ou porque alguém insistiu com eles, ou porque parecia mal não estarem presentes. Isto é, não foram com o mínimo de convicção de que é preciso lutar para sobreviver. Sobretudo num momento em que tudo é adverso. São os costumes que mudaram as práticas de comprar; são os hábitos que, em resultado desta crise económica, consciencializaram o consumidor de que vale mais o “ser” do que o “ter”. Ou seja, este novo consumidor tomou consciência que vale mais ter umas boas férias que ter o último modelo da Renault. Destes 56 comerciantes, a maioria que compareceu na reunião pantagruélica esteve a fingir que estava preocupada com o futuro.
A seguir vem a ACIC que, liderando o processo, se obrigou a apresentar às entidades competentes o que saiu daquele jantar, e não cumpriu.
Sendo o jantar a 9, e começando logo mal, apresentou a conferência de imprensa a 14. Ou seja, demorou 5 dias para transpor para a opinião pública o que se estava a passar com os seus representados. Para além de ter perdido oportunidade, as reivindicações eram extensas e erradas, sobretudo no pedir o encerramento de todo o comércio ao Domingo –é evidente que é a minha opinião e vale o que vale.
Depois, o tempo foi passando, é lógico que o assunto foi morrendo e perdendo peso, e no dia 4 deste mês de Maio, passados 25 dias, teve então a reunião com o presidente da Câmara Municipal de Coimbra. Ou seja, pelo esvaziar do acontecimento nem uma palavra escrita foi noticiado nos jornais locais do dia seguinte.
A argumentação por parte da direcção da ACIC é que só foi possível há dois dias porque Carlos Encarnação não os recebeu antes. Ora bem, vamos lá por partes: pode um presidente da câmara levar 25 dias para receber um parceiro institucional interessado na revitalização da cidade? Pode…mas não deve. Carlos Encarnação pode ter sempre bons argumentos, mas não convence. Consta-se em surdina, por aqui no Centro Histórico, que o presidente da autarquia, nas últimas eleições, convidou o presidente da ACIC para a sua lista. Como este não tivesse aceitado, agora, em revanche, Encarnação não recebe a direcção da associação de comerciantes atempadamente. Não sei se o boato não será proveitoso para alguém, para tentar explicar a falta de coragem política.
Por outro lado, a ser assim, vamos partir do princípio de que o presidente da câmara não passa mesmo bola à direcção da ACIC. Ora, sabendo isso, esta direcção, pelo respeito que os 56 comerciantes presentes no jantar lhe deveriam merecer, o que deveria ter feito? Pura e simplesmente, nos dois dias subsequentes ao jantar, convocava os jornalistas e entregava as reivindicações no atendimento da autarquia. Política faz-se assim. Ou se vai pelas vias institucionais, quando se é reconhecido como parceiro, ou então vai-se pela “força”, que é consignada através dos “media”.
E ainda falta entregar a missiva ao Governador Civil, Henrique Fernandes. Depois das escutas do Jornal Sol, em que provavelmente o representante do governo no distrito estará demissionário, fará algum sentido, agora, a ACIC ir entregar o caderno reivindicativo ao governador?
Devo lembrar que nos 25 dias que passaram a direcção da ACIC foi ao Parlamento e foi recebido pela comissão de Economia. Mas, quanto a mim essa viagem nem lhes caberia. Esse deveria ser o papel master da Confederação do Comércio Português, que tem assento na Concertação Social.
Chegando aqui surge uma pergunta: qual a razão de a ACIC prolongar no tempo as reivindicações dos comerciantes? Quanto a mim, reside num único motivo: esta associação fez o jantar incentivada por quatro comerciantes da Baixa –em que faço parte deste grupo. Ou seja, foi a reboque dos acontecimentos. Embora não acreditasse em nada, para não ser ultrapassada pelos comerciantes independentes, fingiu que estava preocupada com a sorte dos operadores comerciais. E então tomou as rédeas da operação, mas sem estar minimamente interessada em afrontar seja lá quem for. Tratava-se apenas de mais uma operação de charme e faz de conta.
Vamos ver o que nos traz o futuro, mas que não é auspicioso isso não é. Aguardemos…
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