sexta-feira, 28 de maio de 2010

UNS ESTÃO À "RASQUINHA", OUTROS VÃO-SE CHEGANDO...




 Hoje, cá no prédio era um burburinho do “carago”. Começava logo no rés-do-chão, onde mora a dona Capitolina –não sei se conhecem…se calhar não. Esta minha amiga, que me conta tudo o que cá se passa, é assim uma espécie de antiga porteira. Está sempre atenta a quem entra, a quem sai, com quem dorme a menina Felismina do terceiro andar, se o Bandarra, aquele velhote do quinto, hoje já mirou, através do monóculo, aquela gaja boa que mora no prédio em frente, etc. Não sei bem por quê, mas a dona Capitolina vai à bola comigo. Que me lembre, juro que é verdade!, nunca olhei para as suas pernas mais do que dois segundos. Para as suas mamas, também não. Coitadas das desgraçadas tão descaídas. Parecem o “Zé Loureiro” sempre a olhar para o chão para ver se encontra uma nota esquecida e caída na calçada. É certo que já deveriam ter tido dias melhores, sei lá! Se calhar não. Por aquilo que me conta a minha simpática porteira, quando me diz que já teve mais amantes que o “Zézé Camarinha”, está de ver que as “mamoilas” mal se tornaram melões maduros, como safra no Ribatejo, foram logo apalpadas e tornadas propriedade de alguém.
 Mas, continuando, nem sei bem porque é que a dona Capitolina gosta tanto de mim, ou melhor, suspeito, ela deve ter à volta de oitenta anos, ora eu tendo 53, é mais que evidente que se calcula a razão de se atirar ao bife. Eu é que sou um azarado do “caraças”, só as velhas é que me miram. Das novas não reza a história…pelo menos para a minha história. Não sei se estou a ser claro?!
 Continuando, porque esta coisa de escrever é como o coçar, por mais é começar, dizia eu que o único favor que me lembre de ter feito à vigilante do meu prédio, foi há uns anos quando a sua gata, a “belinha”, andava embeiçada lá com um bichano “façanhudo” como o dono, e que ambos moravam no 27, mesmo em frente a nós. Então, um dia, ao anoitecer, por volta de um Janeiro aluado para os miaus, meti a chave à porta principal do prédio, empurrei aquela grande fortaleza de ferro, só vi sair a grande velocidade um vulto: era a”belinha”, a gata da dona Capitolina que pretenderia ir rebolar-se lá no vizinho. Ainda não tinha feito o percurso da porta ao contrário vi sair espavorida a senhora para a rua. Quase que me levava à frente. Fosca-se! Ainda a “trinqueta” do pesado portão não tinha feito clique, ouvi um grito lancinante feminino: “ó da guarda! Ajudem por amor de Deus!”. Bom, não foi nem pela guarda nem por Deus que, imediatamente, voltei atrás e prontifiquei-me a ajudar a pobre dama em dificuldade –tenho de confessar, eu sempre tive vocação para herói. Então aquele cenário a ajudar uma pobre velhinha vinha mesmo a calhar para o meu ego. Era como sopa no mel. E então o que estava acontecer de tão trágico? Olhe um cenário de aflição ardente para a bichana da dona Capitolina. Então não é que o “Zaratustra”, o “bulldog” da menina Lurdinhas, que mora um pouco mais abaixo, no 13, estava prestes a cravar as mandíbulas na pobre e inocente “belinha”? Foi então que eu, que tenho um medo que me “pélo” de cães, ali tive de me armar em super-herói e toca de fazer frente ao Zaratustra. Não sei bem porquê, talvez fosse do cheiro a cavalo dos meus sovacos, a verdade é que ali mesmo, como dois gladiadores em arena romana, fitámo-nos intensamente e, para surpresa minha, o meu adversário deu meia-volta. Foi uma festa lá no prédio. Eu, que até aí, ninguém olhava para as minhas calças de ganga coçadas e rotas, a partir desta data, passei a ser o Super-homem lá do condomínio e todos os moradores me passaram a cumprimentar com uma vénia de respeito. Até a boazona do oitavo andar, que até aí nunca respondeu aos meus avanços de “Casanova”, passou a fitar-me nos olhos quando nos cruzamos no elevador, que é mais ronceiro que os velhos eléctricos desaparecidos da cidade.
 Isto tudo para dizer o quê? Que hoje a dona Capitolina andava num stress desgraçado a varrer a entrada do prédio. E mais, coisa estranha, estava acompanhada de mais duas senhoras num grande afinco. Quando passei, estavam com uma espátula a arrancar os autocolantes do Partido Socialista da vidraça do seu andar. Palavra que eu, que sou agnóstico, até me benzi. Como é que pode ser isto? Pensei cá com os meus botões. Então a senhora Capitolina, que ainda há menos de meio ano fazia campanha lá no prédio pelo Sócrates, hoje está a mandar a ortodoxia às malvas? Bom o melhor é mesmo tentar saber o que se passa.
-Bom dia, dona Capitolina, como está a senhora? Sempre com essa alma jovem que se adivinha mesmo para quem não a conhece –um bocadinho de graxa, numa mulher, funciona sempre, independentemente da idade.
-Ora…ora…senhor Luís, não exagere –replica a minha porteira, a babar-se toda que parecia coisa má.
-Então, explique-me uma coisa, estou a ver que está a arrancar os autocolantes do partido. O que é que aconteceu à sua convicção?
-Ai, o senhor Luís ainda não leu o Diário de Notícias de hoje, presumo?
-Não, realmente não! O que aconteceu?
-Então não sabe que as recentes sondagens colocam o PSD próximo da maioria absoluta?
-Ai sim, dona Capitolina? Não sabia mesmo. Mas, espere, como deve saber, sou um bocado lerdo, mas que tem isso a ver com a sua religião partidária? A senhora não é filiada no partido do Sócrates?
- Fui, senhor Luís! Ou melhor, ainda sou, mas vou deixar de ser. A gente tem de se modernizar. É ou não é? Só os burros é que não mudam…
-Entendi, senhora Capitolina –soletrei esta frase com uma ironia que lhe passou despercebida. O burro sou eu…

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