sábado, 29 de maio de 2010

CRÓNICA DA SEMANA PASSADA...

(FOTO DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)








 Não sei o que têm os Sábados para mim. Ou melhor, sei que me deprimem completamente. E, naturalmente, como hoje é o penúltimo dia da semana estou profundamente sorumbático. No dia que corre, e particularmente, comparando com outros, quase em dobro, tenho os meus motivos.
Este dia parece-me sem história, aliás, como todos os Sábados. Como outro igual qualquer, parece-me o parente pobre da semana. Não sei se será simplesmente por apenas o comércio estar aberto só até às 13 horas, mas a verdade é que a cidade, mais especificamente a Baixa, fica amorfa, sem graça. Logo a seguir ao almoço, as ruas, como aldeias abandonadas, ficam desertas. Deixa de haver vida nestes becos e vielas. O que resta, como sinais dessa vida passada, são os imensos sacos de lixo e caixas abertas com detritos espalhados na calçada. Se ao menos por aqui morasse gente, este efeito de vazio atrofiante poderia ser amortizado. Mas não, pelo contrário, não há barulho. Faltam aqueles ruídos que, como companhias diárias, nos acompanham e quebram uma monotonia que é cada vez mais igual a ontem.
Nos últimos 20 anos, paulatinamente, assassinaram os centros das cidades. Tudo começou com a evasão em massa das populações para a periferia. Mas, também, em nome de medidas securitárias de saúde, acabou-se com as vendedeiras de marisco –que vinham da Figueira da Foz-; com as vendedeiras de queijo do Rabaçal; com as vendedeiras de hortaliças; com as vendedeiras de arrufadas de Coimbra; com as vendedeiras de queijadas de Pereira; com as vendedeiras de broa de Semide; as vendedeiras de galinhas; as vendedeiras de sardinha, etc. Hoje, que me lembre, só resta mesmo uma vendedeira de porta-em-porta, de bolos de Ançã, a Dona Mercês. Oxalá seja por muitos anos, mas em função da elevada idade da senhora, naturalmente, serão poucos mais.
Ora, falo nestas personagens tão típicas da nossa história recente, não só por actividades que entraram em rotura e em vias de desaparecimento, mas, sobretudo, pelos pregões que ecoavam no silêncio das vielas citadinas. Até os vendedores de cautelas, outrora tão notados pelos seus engraçadíssimos chavões proclamativos, do tipo: “é a última, quem quer a taluda?”, hoje, aqui na Baixa, já só restam dois.
Engraxadores, a mesma coisa. Estão em vias de total sumiço. Salvo erro, também já só restam dois no Centro Histórico.
Volto a repetir, falo nestas encantadoras personagens porque eram elas que evitavam que a Baixa se tornasse um cemitério de silêncio como se tornou actualmente.
Andamos todos tão preocupados, e apenas concentrados, em sobreviver a esta onda avassaladora económica que nos esquecemos dos pequenos pormenores que contribuíam para a nossa felicidade quotidiana. Filosoficamente até se pode argumentar que a felicidade está, ou não, dentro de nós. Mas pragmaticamente ninguém conseguirá ser feliz sem estas externalidades. É evidente que os costumes na sua dinâmica temporal vão mudando. Quero dizer que só se sente falta daquilo que se conheceu. Ninguém tem saudade de algo que não viveu. Isto para dizer que certamente os mais novos não lamentarão a falta de um pregão desaparecido na cidade. Evidentemente que se o seu universo cultural for o “Facebook” será lógico que se este lhes faltar cairá o “Carmo e a Trindade”. Assim como a televisão, o telemóvel, e pouco mais. O que quero dizer é que, por força desta massificação global, aos poucos, quase sem darmos por isso, a nossa cultura, enquanto povo de costumes e tradições, vai ficando mais vazia. Não devemos nem podemos esquecer que, acima de tudo, temos necessidade da nossa memória colectiva.
Se ao menos esta mudança de hábitos tornasse as pessoas mais solidárias, mais alegres e generosas, ainda vá que não vá, mas, o que me parece é que com estas novas rotinas, estamos todos a contribuir para um individualismo feroz e idiossincrático, na forma de ser de cada um, culturalmente.
Talvez valesse a pena pensar nisto…

2 comentários:

Sónia da Veiga disse...

Luís: Vale a pena pensar nisso sim senhor, e é bem verdade que é assustador pensar que os nossos filhos só vão conhecer algumas profissões dignas e cheias de encanto de livros de História e enciclopédias ilustradas (e só se for editada em Portugal por alguém com cabeça!!!)...
Em contrapartida vão conhecer os "arrumadores de carros", os "subsidiados aguentadores de esquinas", os "maganos" e toda a sua comitiva...
É mesmo triste...
Mas se todas as civilizações caem, quem achava que a dita "ocidental" não ia tombar também?!?
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" e a vontade do pessoal é ser algo género "Robocop" ou "Inspector Gadget" - ser uma mistura homem-Máquina (com h minúsculo e M maiúsculo por causa da proporção desejada!) e viver a sua vida, marimbando-se para os outros.
Chamem-me pessimista, mas penso que a sociedade caminha para o seu fim... Em breve, "civilização", "civismo", "respeito" serão História Antiga e será banido de vez o "um por todos e todos por um", sendo queimado na cruz quem praticar qualquer acto de bondade e solidariedade...
Ou quem levante a voz contra os que teimam em levar a sua avante, independentemente do respeito devido aos seres vivos centenários que são mais conimbricences que os "coimbrinhas" que os sentenciam à morte...
Que eu me engane...

LUIS FERNANDES disse...

Obrigada, Sónia.
Agradecido, mesmo.