terça-feira, 5 de maio de 2009

UMA RUA DA NOSSA BAIXA (1)








“A Rua da Louça ou da Loiça (regista as duas redacções em muitos documentos) é uma das ruas que sofreu, ao longo dos tempos, inúmeras mutações toponímicas, além de cortes no seu comprimento e alteração nas ramificações com outras ruas.
Estende-se da Praça 8 de Maio até à Avenida Fernão de Magalhães, recebendo do lado sul o Largo do Poço, o Largo da Maracha e a Rua da Gala, enquanto no topo norte, o Largo das Olarias. Contudo, a Rua atingia o Rio Mondego, isto é, chegou a estender-se da Praça 8 de Maio ao rio, até ao caneiro real. Porém, a construção do ramal do caminho-de-ferro, entre a Estação-Velha e a Nova, em 1884, encurtou-lhe a extensão e limitou-a à Avenida Fernão de Magalhães, quando foi construída esta avenida (a ligação ferroviária procurou suavizar a distância à Estação-Velha, onde os comboios passavam de Lisboa e Porto desde 1864 e para a Beira Alta e Figueira da Foz a partir de 1882).
Também o Largo do Poço sofreu uma modificação, já que havia uma travessa denominada que, possivelmente, cortava o Largo que conduzia da Rua da Louça para a Rua Eduardo Coelho e que foi incorporada no Largo do Poço. Aquela travessa de ligação entre as referidas ruas, vem mencionada num aforamento de casas, em 1577, num auto de medição de 1596, depois em 1603 e finalmente em 1638 num registo de casas pertencentes à Universidade.
O topónimo “Louça”, que provém do facto de haver abundância de lojas de louça na rua, surge pela segunda vez, agora com carácter definitivo, até ao presente, por deliberação camarária de 30 de Abril de 1942, deliberação que restituiu à artéria o topónimo que já usufruíra, alternadamente, com o de Rua de Tinge-Rodilhas, desde 24 de Agosto de 1734 (primeira referência camarária do topónimo, mas coma grafia de “Loiça”) e que se manteve até 27 de Janeiro de 1905, quando a Câmara deliberou, por solicitação da Associação de Socorros Mútuos da Arte da Cerâmica, mudar o nome para Rua Bordallo Pinheiro, em homenagem ao caricaturista e grande ceramista de fama mundial, Rafael Bordallo Pinheiro.
O pedido da Associação foi considerado porque nesta artéria e nas Olarias, se concentrava, desde 1897, em grande escala, o artesanato e a pequena indústria com predominância da cerâmica. Naquele ano havia onze (11) oficinas de produzir louça e toda a gama de objectos saídos da transformação do barro, número que aumentou com a abertura de lojas para venda do produto. A título de complemento e baseando-nos no livro de Amado Mendes, “Área Económica de Coimbra”, “a zona industrial mais antiga da Lusa-Atenas é limitada a norte e sul pelo Arnado e pelo Largo da Portagem (actual), a Este e Oeste pelas actuais Ferreira Borges, Visconde da Luz e Fernão de Magalhães”. Neste espaço se distribuíam nos finais do século XIX, além das onze oficinas de louça, duas saboarias, três fábricas de bolacha, três colchoarias, três de ferro, duas de moagens e massas; de cereais, de massas, de conservas, de lanifícios de algodão, de serralharia e fundição, de tinta e de lacre, uma de cada. Portanto, a Câmara, atendendo a esta evidente supremacia cerâmica e porque a fama de Bordallo Pinheiro, como ceramista, se impusera, anuiu à mudança do nome que, afinal, durou apenas 37 anos, e não ganhou raízes no povo.
Mas, outros topónimos usou a rua. A mais antiga, Rua dos Tintureiros, aparece em 1262, num documento de óbito. Posteriormente, em 1281, 1322, e até 1369 diversa documentação formaliza o topónimo. Contudo, em 1300, um documento, ao referir umas casas na freguesia de S. João de Santa Cruz, inclui, juntamente com a Rua dos Tintureiros, a designação de Rua Tinge-Rodilhas. Aceita-se, em certa medida, este atributo toponímico, atendendo ao simbolismo que qualquer deles revela da actividade da tinturaria. Este último topónimo volta a surgir em 1332 quando é fundado na rua um pequeno hospital e albergaria com cinco camas para doentes pobres por altruísmo de um particular, para se manter em 1493; 1523, 1577 e 1589, conforme vasta documentação existente. Todavia, os nomes são semelhantes às estruturas.”
(Por Mário Nunes, actual vereador da cultura da Câmara Municipal de Coimbra, in Diário de Coimbra, de 30-5-1985.)
(Cont.)

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