segunda-feira, 18 de maio de 2009

JOÃO JOSÉ SEIXAS: UMA LÁGRIMA DE SAUDADE




A notícia recebia de chofre, sem se contar, “o Seixas morreu”. Assim mesmo, sem mais nem menos, me foi transmitida por um amigo comum.
E quem era o João José Seixas? Interroga você, leitor, fazendo um apelo à memória. Para o ajudar, posso dizer-lhe que, certamente, leu muitos textos deste homem humilde na “Página do Leitor” do Diário de Coimbra (DC). Era um anónimo, como eu, como outros tantos que povoam as cidades. Mas tinha uma característica que o tornava invulgar: era um sonhador. Talvez você diga que, sonhadores, somos todos. É verdade, mas como o José Seixas haverá poucos. Este homem, através do seu sonho, em busca de uma sociedade melhor -“para que os princípios e valores não se percam”, costumava dizer-, “metia as mãos na massa”, como soi dizer-se. Por outras palavras, como mensageiro encarregue de espalhar a boa-nova, ele escrevia –e de que maneira, meu amigo? Escrever, por escrever, todos sabemos fazê-lo. Agora escrever, sabendo que a mensagem vai colidir com interesses e, através dela, ficaremos com cada vez menos amigos, isso já é mais invulgar. E o meu amigo Seixas tinha essa qualidade. Era um “viciado” na escrita. Tinha gosto em ser lido, gostava de ser escutado.
Durante muitos anos li as crónicas do José Seixas no DC. Eram sempre de uma acutilância impressionante, transmitindo o saber de alguém que sabia do que falava. Podiam ir desde “A Trapaça do novo Código Laboral” até um “Aguenta Zé Povinho!”, escritas numa análise empírico-jurídica e vista à luz de um homem que subiu a corda a pulso, até à mais dissecada e elementar poesia popular.
Como também, de vez em quando, descarrego a minha auto-estima naquela página do leitor, no princípio do ano transacto, entrou-me pela porta adentro um simpático sexagenário e me interrogou: “O senhor é o Luís Fernandes, aquele que escreve na “Página do Leitor”, no DC? Prazer! Sou José Seixas, também escrevo, não sei se já leu alguma coisa minha?!”
Estava lançada a primeira semente que iria germinar numa boa amizade. Como escritores de bolso ou jornalistas caseiros, que escrevem, fotografam, ouvem este, ouvem aquele, íamos trocando impressões acerca do mundo que nos rodeava. Éramos opostos. Talvez pela idade, na crítica, José Seixas era inflexível e pouco tolerante, um pouco conservador, com os novos tempos em que em nome da liberdade vale tudo. Eu, pelo contrário, mais liberal, sempre a desvalorizar o seu pessimismo, tentava em vão convencê-lo de que, com o tempo, a sociedade encontrará o seu próprio caminho. Respeitávamo-nos, apesar destas diferenças quase inconciliáveis, e tornámo-nos amigos.
Um dia, do ano passado, por entre umas frases de ocasião, Seixas atira: “Ó Luís, queria pedir-lhe um favor!”. Desembuche, homem, sou todo ouvidos. “Sabe, escrevi um livro e gostava que o Luís escrevesse o prefácio. Vai chamar-se “Pensamentos Proveitosos”. Tentei dissuadi-lo de tal intenção, porém debalde. Bem argumentei que ao pé dele era muito pequenino, mas nada o fez desviar. Lá escrevi então o prefácio.
Soube então, agora, desta triste fatalidade. Não tenho dúvida nenhuma de que a “Página do Leitor” do DC ficou mais pobre. Uma pena esta partida precipitada, sem avisar, do José Seixas. Ficamos todos a perder.
À família enlutada –o seu grande amor de sempre- uns sentidos pêsames. Quanto a nós, uma lágrima de saudade para o João José Seixas. Até sempre amigo.

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