sábado, 16 de maio de 2009

EDITORIAL: O TERREIRO DO PÓ




Para quem não conhece, o Terreiro da Erva, em Coimbra, é uma espécie de estreito de Magalhães –lembrei-me desta analogia porque fica situado entre a Rua da Sofia e a avenida Fernão de Magalhães-, entre o Chile e a Argentina. Tal como este canal, o Terreiro da Erva é pouco hospitaleiro pela dificuldade de navegação (automóvel) e pela insegurança que as suas “margens estreitas” transmitem a quem passa. “Marinheiros” barbudos, com aspecto de maltrapilhos, encostados a esquinas decrépitas conferem uma atmosfera de medo. Podemos chamar a este terreiro várias coisas. Em metáfora pode até parecer um porto inglês de meados do século XIX. Ou até as injustiças sociais narradas por Victor Hugo, em Paris, no tempo dos “Miseráveis”. É normal ver-se grupos de três pessoas, um a negociar com outros dois. Segundo uma testemunha do meio, neste "porto" sem lei ou ordem negoceia-se tudo. Troca-se um computador portátil por uma “dose” de pó ou erva –esta última a gizar com o terreiro.
É uma espécie “bota-abaixo” moderno. Onde o tempo foi acentuando o estado desprezível dos prédios em redor, muitos deles abandonados e a caírem de desmazelo pela incúria humana. Com as obras do Metro de superfície, cortando a meio e reclassificando a Rua Direita, esta artéria, outrora uma espécie de submundo que convivia alegremente com todos os estratos sociais da cidade, obrigou alguns frequentadores menos recomendáveis a migrarem mais para norte e a procurarem então poiso certo no Terreiro da Erva.
Há cerca de uma década foi construído um edifício polivalente de apoio a sem-abrigo e toxicodependentes concessionado à Cáritas. Esta instituição de apoio social, reconhecidamente, faz um bom trabalho. O problema é que desde essa altura, da implantação deste centro na Baixa, este terreiro, se já devido ao abandono, era pouco recomendável, aos poucos, nos últimos anos, foi-se tornando terra de ninguém. É um largo a preto e branco, como quem diz, povoado por anjos e demónios. Os anjos serão o pessoal da Caritas que fazem um bom trabalho –sem culpa no que os utentes do centro fazem a seguir- e os polícias. Os demónios, naturalmente, serão os desabrigados da vida, aqueles que, pelos seus actos, nada têm a perder.
Na quarta-feira, neste Terreiro da Erva, a polícia apreendeu um carro ligeiro com uma grande quantidade de droga e armas e prendeu os seus ocupantes.
Na quinta-feira foi roubado um automóvel ligeiro que andou pela cidade em peregrinação e acabou destruído na Casa Branca, em Coimbra.
Se o leitor chegou até aqui, certamente, estará a perguntar-se o que se há-de fazer? Também eu. Sei lá! Aparentemente, segundo algumas vozes mais radicais, a solução seria encerrar o centro de atendimento da Cáritas e “expulsar” esta gente para outro lado. Mas para onde? Quem é que os quer?
Obviamente que ninguém. Então, nesse caso, se calhar, terá que se dar ocupação a estas pessoas “polidores de esquinas”. Muitos deles estarão a receber apoio à reinserção. Não sei se será o caminho, mas alguma coisa terá de se fazer. Deixar tudo como está é que não pode continuar.
Esta situação está a estigmatizar toda a Baixa. Segundo parece, há investidores que enquanto se mantiver este “status quo” não apostarão aqui.
Neste inferno social é preciso encontrar uma luz que sirva para contentar todos.

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