sábado, 17 de julho de 2010

O PRIMEIRO BEIJO...


(IMAGEM DA WEB)






 Eu olhava aquela porta das “chegadas” do aeroporto com ansiedade. Estava combinado chegares às 13H30. Com inquietação, via sair uma pessoa, outra e mais outra ainda e tu não aparecias. Mentalmente fazia analogia entre uma tômbola de um qualquer sorteio, em que não se sabe o número da bola que irá sair. Ali, vendo assomar os passageiros, um a um, eu sabia quem queria ver irromper. Mas tu não vinhas…
E a saudade apertava-me o coração como fosse comprimido a grilhetas de ferro marcado a fogo. A dúvida assaltava-me a convicção: “e se tu não viesses?”. Pelo atraso, o medo, sempre a lavrar na irracionalidade, começava a ganhar terreno: “e se o avião tivesse tido algum acidente?”. E tu não vinhas…
Cada vulto que aparecia no início da coxia pensava que serias tu. Mas não era. Ao meu lado, reparei, uma mulher deu saltos de contente quando avistou o seu amor saído daquele buraco negro da incerteza. Um pouco mais além, um casal de velhotes, depois de avistar a filha, sem conseguir controlar a emoção, dava saltos de contentamento. Ambos deram em chorar copiosamente. E eu, pela primeira vez, em silêncio, senti as lágrimas rolarem pelo meu rosto em direcção ao chão sem as conseguir controlar. Mentalmente, só para mim, pensei o quanto estava vulnerável. Talvez fosse da idade. Engraçado é que até agora nunca fora de lacrimejar. Não vertera uma lágrima no funeral do meu pai; não gotejara no nascimento dos meus filhos; nunca carpira mágoas, mesmo naqueles filmes de partir o coração. Em tempos que já lá vão chegara a pensar que embora fosse sensível à emoção, esta, não se manifestava. Era como se estivesse árido, por dentro, na comoção.
Agora não. Depois de atravessar a barreira do meio-século, há mínima sensação de tristeza, as lágrimas, como que a vingarem-se de outros tempos de retracção, ao refulgir do sinal de alarme, saltavam dos olhos como pipocas numa grande panela com óleo a ferver.
Repetidamente, de cinco em cinco minutos, olhava o relógio…e tu não vinhas…
Voltei ao visor das “chegadas” e lá marcava o próximo voo: “14,45”. Certamente, atrasaste-te e embarcaste no avião seguinte. Foi isso de certeza. Claro que foi, tentava controlar a minha perturbação que me consumia a alma. Olhava em volta e os meus olhos prendiam-se, por momentos, naquela mulher bela. Saia curta, pernas bem torneadas e coxas rolantes. O decote promissor denunciava um colo perfeito onde os anjos, cansados dos voos interplanetários, certamente adorariam descansar. Mais uma olhada para a porta de saída, mas tu não davas sinais de querer aparecer. Vi sair o pessoal de cabine, de um qualquer voo vindo dos confins da Terra. Reparei no seu ar altivo. A seguir as hospedeiras, em passo ligeiro, ágil e libidinoso, prendiam os olhares masculinos. E tu não vinhas...
 Depois chegou aquele apresentador de televisão. De repente, lembrei-me que a porta de “chegadas” de um aeroporto pode ser tão democraticamente igual a um nascimento de uma criança. Daquele orifício, na forma de sair, todos são iguais. Depois de o transpor, abraçados pela riqueza ou pobreza, alegria ou solidão, assimetricamente serão desiguais. O meu pensamento, em derivas longas, medindo tudo o que se passava à minha volta e fora dela, remetia-me para esta constatação óbvia. Nunca tinha pensado neste facto declarativo de igualdade. O marcador do tempo avançava, e tu não vinhas…
 “Alto! Estão a chegar mais passageiros, deve ser agora. Ai, agora é, tenho a certeza!”-berrava interiormente o meu espírito em solilóquio. Sairam as primeiras pessoas. Um homem vem numa cadeira de rodas, empurrada por um funcionário. Uma rapariga, recortada a estilete de artista, com cara modelada a mil cuidados de pincelada, sorri quando avista o namorado. Ela corre, ele corre, e ambos se fundem num profundo abraço. E tu que não há maneira de chegares. Deve ser agora. Estico o pescoço, um homem alto, colocou-se à minha frente. Faço gestos com a mão, empurro-o com agravo para fora do meu campo de visão, como se afastasse as maçarocas do milheiral da minha recordação. Mais uma vez as lágrimas invadem-me as órbitas e, numa pressão mental, ordeno às pálpebras que as sustentem no mar da emoção. Foi então que te avistei…
Corri na tua direcção. O pranto, como mulher a quem rebenta o saco das águas, soltou-se completamente e comecei a lacrimar em gotículas sem parar como se fosse uma criança.
Abracei-te com ternura e dei-te o primeiro beijo. Impaciente, dei-te o segundo e dúzias a seguir como se estivesse sôfrego e sequioso de te ter nos meus braços. O meu coração batia sem freio e descontroladamente como um cavalo de corrida. Há anos, talvez décadas, que não me sentia assim. Uma estranha sensação de torpor de desejo me ligava a ti. Queria agarrar-te, apertar-te contra o peito, fundir-te no meu corpo, queria ter-te só para mim: MEU ADORADO NETO…NOAM!


















4 comentários:

Jorge Neves disse...

Só posso dizer parabens a toda a familia.
Abraço

Anónimo disse...

Nossa!!! que texto maravilhoso Luis, fiquei emocionadissima e surpresa com o final.
Beijos

LUIS FERNANDES disse...

Muito obrigado, Jorge. Estou muito contente, sim.
Abraço.

LUIS FERNANDES disse...

Muito agradecida, Nilza. Em nome do meu neto, que é um amor, muito obrigada.
Um beijo deste lado do mar.