(FOTO DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)
Então como é que vocês estão? Hum…parecem-me bem. Estão com ar zombeteiro, menos aí o Abilino, que está com ar tristonho. O que é que tens ó Abilino? Conta aí, porra! Isto, esta espécie de escrever coisas sérias a brincar, serve exactamente para desabafarmos. É uma espécie de catarse, em que eu escrevendo e tu lendo e participando nos comentários, ambos, expurgamos as pequenas e grandes tragédias que redundam em angústias e que nos atropelam cá dentro. Ora, entenda-se, se um psicólogo ou psiquiatra levar, legitimamente, à volta de uns 80 euros por uma consulta de psicanálise, convenhamos que este exercício, quase doutrinal, que praticamos todos os dias, vendo bem, até fica barato. É ou não é? E, vendo bem, não é por nada mas já me deves uma pipa de massa…
Bom, mas passando à frente, portanto, regressando ao “conversé” escrito, para ficar no mesmo lugar, diz-me lá, ó Abilino, a razão dessa tristeza toda que te assombra a fronha. Alegra-te, “carago”. Tristezas não pagam dívidas. Deixa-me adivinhar…já sei…ficaste ensimesmado com a morte do António Feio. É isso não é? Eu vi logo! Pois o óbito de alguém reconhecido no meio artístico nacional ou próximo da nossa porta tem esta coisa fantástica de nos fazer reflectir e cair em nós. Isto é, aquele fenecimento mostra-nos que, contrariamente ao que intuímos subjectivamente de que parecemos imortais, afinal somos iguais ao mais modesto animal irracional. Somos finitos, e, depois de morrermos, esticadinhos no caixão, somos tão semelhantes aquele nosso cão amigo que tanto estimávamos, e que enterrámos ao fundo do nosso quintal. Se compararmos a forma hirta do animal com a de um qualquer semelhante humano que pereceu é exactamente igual. Ali, naquele monte de ossos sem vida, está alguém que durante anos fez parte da nossa existência e agora, ali mesmo, jaz inerte como uma pedra sem valor. E é nesse momento, nessa análise fria e factual, que tomamos conta de que realmente a vida é mesmo uma passagem e não vale a pena andarmos à marrada ao vizinho e a morder nas canelas do senhor abade Maurício, só porque não aceitamos a sua forma de pregar lá na capela da freguesia. Claro que, infelizmente, este estado de reflexão existencial dura pouco. Logo a seguir, ao enterrar do ente querido na terra negra das orações, esquecemos tudo. Passado meia-hora, lá no café de bairro do senhor Elísio, já estamos a reclamar porque a bica estava fria. Somos todos assim. E eu, ó Abilino, desculpa lá a decepção, apesar de estar para aqui armado em moralista, mas sou igual…ou se calhar pior.
Claro que, entendo que apesar de ser uma nódoa igual a outra qualquer, não fará nada mal lembrarmos os nossos pontos fracos. E água mole em pedra dura…não sei se estou a ser claro, ó Abilino?!
Esta nossa existência é mesmo uma ilusão. Sei lá, até avançava que é uma tristeza. Passamos um terço da vida a dormir e os restantes dois a trabalhar e a pensar na melhor forma de enriquecermos. Isto não é um bocado estúpido? Diz-me lá com franqueza, ó Abilino?!
Saberás tu a razão porque estarei eu para aqui com este arrazoado todo, que mais parece o sermão do senhor padre Maurício?…Não sei se conheces…pelo menos já te falei dele neste texto lá mais para cima. É que é assim, como também já escrevi, de vez em quando, perante um facto de choque, uma pessoa é mesmo obrigada a pensar. É ou não é? Pois é!
Então, continuando, ontem fui ao velório de um filho de um meu amigo. O rapaz, com 20 anos, num acidente estúpido de automóvel, faleceu. Foi ao ver o estado destroçado desse meu afeiçoado e pai do infeliz rapaz que pensei como toda esta lufa-lufa é uma alucinação. Se, hipoteticamente, alguém lhe propusesse trocar toda a sua fortuna pela vida precocemente desaparecida do rapaz, tenho a certeza, o meu amigo aceitaria logo.
Então, em jeito de balanço, diz-me lá ó Abilino, quanto vale o teu definhamento anímico ao pé da tristeza do meu conhecido e chegado?
2 comentários:
É pá quanto ao «já me deves uma pipa de massa»,para já ficamos assim,está bem?Não sei se ouviu,mas estamos em crise.
Realmente a vida é mesmo uma passagem e não vale a pena andarmos a chatear-nos muito,mas é inevitável,para os mais «frios e factuais» ou racionais,pensarmos um bocadinho no assunto.
«Marcolino»,leitor do Questões
As mortes fazem-nos sempre realitivizar a vida, mas isso só dura enquanto o dia-a-dia não nos torna a engolir...
Como mãe, um abraço ao seu amigo José - não quero sequer vir a imaginar a dor terrível que ele está a sentir neste momento. Bem dizia o outro que a melhor benção é "Morra o avô... Morra o pai... Morra o filho.".
Continue a escrever tudo o que nos vai na alma, tudo o que nos afecta, o que nos faz pensar, as questões nacionais que nos influenciam e as questões locais que nos definem, pois o Marcolino é um bom leitor que eu sei e há sempre mais quem por cá passe e se alimente dos seus doces só por os ver na montra e sentir o cheirinho que sai pela porta sempre aberta...
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