quinta-feira, 29 de julho de 2010

A CARTA DE MARCO...


(IMAGEM DA WEB)


A propósito do lindo post que escreveu ao seu amigo José -"Carta a José"-, que perdeu o filho, de uma forma trágica, dei por mim a pensar no assunto. Não particularmente neste caso, mas na situação em si de perda de uma pessoa amada, dos sentimentos, no que se diz, etc.
Eu, infelizmente, já passei pelo mesmo. Perdi a pessoa que amava, aquela que pensava que seria a minha companheira para o resto da vida. A dor em si é indescritível. Depois, a forma como a exprimimos varia de pessoa para pessoa. Posso dizer que só chorei passado cerca de um ano e meio depois. Quando consegui lacrimejar, fi-lo durante dias. Queria parar e não conseguia. Não fui nem ao velório nem ao funeral. Os comentários não foram os melhores: «isso é que ele gostava dela» ou «nem chorou nem nada». Mas só eu sei o que passei. Ou, se calhar, não sei! Durante meses parecia um zombie, andei em «piloto automático». Não chorava mas pensava: “porquê eu? Não merecia isto!”.
Outro aspecto, que se deve levar em conta, quando se perde alguém: são os comentários e os pêsames dados pelos outros. Vou expressar o que senti. Eram situações que me revoltavam, que me enfureciam: «O tempo tudo cura»; «com o tempo passa» ou, o pior de todos que me tirava do sério, «é a vida!»-confortavam-me em lamento dobrado. É a vida? Morrer com menos de 30 anos? Não realizar os sonhos que tínhamos? A vida não é isto! Morrer antes dos pais e avós! Não! A vida é namorar, casar, ter filhos, etc., etc. E então depois de viver a vida, morrer. Mas ter a oportunidade de tentar realizar todos esses sonhos.
E aqui, em solilóquio, em interrogação pessoal, surge a figura de Deus: 
-Então e Tu permites? E mais: ela era uma crente! Tentava converter-me! A minha amada respeitava-Te, fazia tudo o que pediste lá no livro sagrado da Bíblia. Ajudava os outros. Cumpria as tuas leis, e Tu  o que fizeste? Consentiste que ela morresse! Vês porque me custa a acreditar que Existes?
Posso afirmar agora, que passaram alguns anos, que «com o tempo tudo passa», é uma grande mentira! Isto é ponto assente, final e parágrafo.
Outro comentário, que não se deve fazer é: «sei o que estás a passar». Ninguém sabe o que passei. Imaginar, talvez. Mas saber? Ninguém sabe!
Entendo que o objectivo das pessoas é ajudar, mas limitem-se a dizer «os meus sentimentos». Não digam mais. Porque quem perde não quer ouvir mais nada! E tudo o que for dito para além disso pode magoar. Mesmo estes pequenos comentários, como referi: «com o tempo passa e é a vida».
Já agora deixe-me fazer um agradecimento à minha família. Graças ao apoio e à constante pressão para que eu tivesse ajuda psicológica, consegui deitar tudo cá para fora. Como disse, já consigo chorar e falar no assunto. Coisa que não fiz, nem queria que fizessem ao pé de mim, durante quase dois anos. Se o tivesse feito mais cedo, tinha sofrido menos, e a vida talvez estivesse melhor.
Faço, também, um pedido, não julguem os outros. Cada um sofre como pode, não como quer mas como sabe. Se chora, ou grita. Se vai ao funeral ou não. Não julguem, apoiem simplesmente. Ofereçam a presença, ou a disponibilidade para, unicamente, ouvir. Quem está a sofrer, não quer conversar, por vezes quer apenas desabafar. Precisa apenas de saber que não está sozinho e que não foi abandonado.
Marco.

******************************************
NOTA DO EDITOR:

 Muito obrigado, Marco, pela coragem que teve em partilhar com todos os nossos leitores a sua dor. Fico contente por saber que, ao conseguir descrever todo esse sofrimento que lhe vai na alma, significa, como escreve, que, felizmente, aos poucos, está a expulsar toda essa angústia que o tem minado por dentro.
Por esse facto, amigo, perante um desabafo tão importante, tão cheio de sentimento, receba um abraço tão grande quanto é preciso para envolver o mundo.

7 comentários:

Jorge Neves disse...

É mesmo assim Marco, existem sentimentos e momentos da nossa vida, que não precisam de demonstração publica de dor e perca.

Paula Raposo disse...

É verdade, Marco. Um beijo.

LUIS FERNANDES disse...

Obrigado ao Jorge Neves e à Paula Raposo por terem comentado.
Abraço.

Anónimo disse...

Obrigado a todos,e a a si em especial Luís,por me dar espaço para falar.
Obrigado,Marco

LUIS FERNANDES disse...

Não tem que agradecer. O prazer em recebê-lo cá em "casa" é meu...
Abraço.

Anónimo disse...

Sendo um leitor ou seguidor assíduo deste blog,faço questão de fazer um pequeno comentário ao seu texto que não é menos que uma passagem amarga da sua história de vida.
A hipocrisia impera mais do que nunca na nossa sociedade, primeiro nós, depois nós e a seguir nós, sabemos de ante-mão que até nestas situações tão tristes que o ser humano sem esperar passa, que vemos a verdadeira essência da hipocrisia, entre lamentações e gestos de apoio no momento,como aquele tão ridículo, que estando tão chorosos fazendo crer imagem de tanto sentimento e sofrimento reciproco,vão limpando ao lenço as supostas lágrimas que ninguém vê mas, com o canto olho procurando detectar imagens na populaça de grande sentimento/admiração ("deve ser um grande amigo da família") pela histérica imagem de dor e pena que tentam impingir aos tansos. Quando viram costas " vai-te lixar ", " desenrasca-te ".
Concordo plenamente consigo, cada um sofre essa dor terrível à sua maneira, pois ninguém tem o direito de dizer " eu sei pelo que está a passar".
Um abraço
Fernando Ferreira

Sónia da Veiga disse...

Marco:

É preciso ser Homem com H maiúsculo para admitir a sua dor e como falar e chorar o ajudou a lidar com ela, contrariando a máxima "Os homens não choram"!
Força!!!
E que o tempo o ajude a lembrar apenas o bom e a conseguir colocar a dor numa prateleira mais alta...