segunda-feira, 3 de agosto de 2009
OS ADORADORES DO TEMPLO
A capela está toda engalanada. A pequena torre sineira, resplandecente, parece desafiar o céu. As grades em ferro forjado, pintadas a cinzento, convidam a entrar na pequena área envolvente. Lá ao fundo, uma pequena casa-de-banho mostra o cuidado havido na comodidade dos frequentadores e na recuperação da vetusta centenária casa de oração da aldeia. O muro de sustentáculo do templo foi todo picado e pintado de imaculado branco.
Entro na ermida. O cheiro a novo invade todo o meu ser. O odor a tinta é persistente. Os bancos em madeira com espaldar brilham como espelhos através do verniz acetinado. O tecto do santuário foi todo restaurado e pintado em cor calma que incute a oração. Ao fundo, uma bonita e estética mesa em pedra para o pároco celebrar as muitas homilias que aí virão. A ofuscar tudo o que está em volta, o altar em talha dourada, todo forrado a folha de ouro fino. No meio do altar-mor, num receptáculo arredondado em forma de oratório, o santo padroeiro, em imagem, trespassado por setas, olha para cima. Engraçado! Por que olhará o São Sebastião para o céu? É como se, metaforicamente, dissesse: “perdoa-lhes, pai. Eles não sabem o que fazem!”. Bolas! A ser assim, o santo é mesmo mal-agradecido. Que raio! Então os penitentes do lugarejo, com tanto sacrifício, até arranjaram a sua casa. É difícil entender estas imagens sagradas, penso para mim. O que quereria dizer a sua expressão sofrida, e, ao mesmo tempo, de provocadora displicência e comiseração? Mas quem me julgo eu para estar armado em psicólogo dos santos canonizados, se nem os humanos eu entendo quanto mais os veneráveis beatificados? Claro que eu, um agnóstico confesso, que se sente incapaz de explicar o início do verbo, até posso, em solilóquio de catarse, “falar” assim para o santo que está à minha frente. Ele, pelas minhas boas acções, não acredita em mim. Sabe que eu, como pecador, jamais serei santo como ele. Em contrapartida, mesmo que me contem que no tempo do Império Romano ele fez milagres, também não acredito. Acredito sim, que tendo em conta o contexto da época, há cerca de dois mil anos, ele foi uma pessoa com uma humanidade acima do comum. De extrema sensibilidade, tal como o seu Mestre, facilmente inferiu que o homem, enquanto ser, não seria divisível entre amo/escravo. Com estes pensamentos saio então da capela.
No adro, encontro um meu amigo e conterrâneo. “Então ó pá, não vieste ontem à inauguração? Deverias ter vindo. Nem sabes o que perdeste. Foi uma festa e peras. Esteve cá a fina-flor do concelho. Até o senhor padre, que veio de Coimbra, e conhece bem a freguesia, ficou admirado. Fez uma homilia de categoria. Devias estar cá para ver! Até disse que é a capela mais bonita da paróquia. Está bonita, não está?” –interroga-me, ufano da obra realizada. Afinal, até entendo, ao interrogar-me, eu também fui comparte nos melhoramentos. Fui um dos comparticipantes médios na dádiva para restauro da velha capela.
“Está bonita, não está?”, insistiu, talvez porque se apercebesse que eu estava um pouco distante. Muito bonita, mesmo, sem favor. Parabéns. Respondo com toda a convicção.
“Sabes que só da Suíça, dos nossos emigrantes vieram mais de 2000 euros. Mas valeu a pena, não valeu?” –insiste, em pergunta de retórica.
Mas, diz-me uma coisa, interrogo, não me disseste, há vários meses, que havia pouco dinheiro para as obras? Lembras-te? Até te disse que se fosse eu faria apenas um arranjo no telhado para suster as infiltrações? Quanto gastaram aqui? Como vão pagar? Há dinheiro para honrar os compromissos? “…Bom…para dizer a verdade…não há. Ainda não se fizeram as contas. Se tivermos para metade, já não é mau. Mas o empreiteiro espera…já ficou assim combinado. O problema foi as obras a mais, não orçamentadas. Ainda nós tivemos muitas ajudas com materiais que foram oferecidos. Mas o empreiteiro espera”.
Saí dali e encontrei outro conhecido. Depois dos cumprimentos da praxe, lá veio a pergunta: “já viste a capela? Está bonita não está?”. Respondi que sim. Embora seja uma obra demasiado ostensiva para os tempos que correm, comento. E segundo me disse fulano, há pouco dinheiro para pagar a obra feita. Olha o que eu fui dizer. “Esse gajo é um alarmista. Gosta de lançar o pânico. Ele é assim, assado, e cozido e frito. O que interessa é obra, pá! Ele deveria era estar calado, por isto, por aquilo, e mais aquela coisa, e a outra e mais daqui e dacolá”. Ou seja, levei dali um retrato esboçado sem que o tivesse pedido.
Fui andando. A poucos metros dali, com a capela à vista, estava um grupo de meia-dúzia de pessoas a conversar. Embora o diálogo fosse acelerado e estivesse muito próximo da discussão. Pelo que pude apreender, uma família, com dois irmãos desavindos, de cerca de cinquenta nos, tentavam acertar as agulhas quezilentas e causadoras de dores familiares. Dizia o homem “temos de acabar com isto. O que lá vai, lá vai. Somos uma família com poucos membros, porque andamos a perpetuar no tempo ódios e rancores?”. Antes que a irmã-mulher respondesse, como gamo em defesa da sua dama, salta a sua filha de cerca de vinte e poucos anos: “ai é? Ai você quer a paz? Já se esqueceu do que disse há uma década ao meu pai e à minha mãe?”. O irmão desavindo, a custo, tentava explicar que quando há discussões as pessoas se excedem. Era da natureza humana, tentava o homem pregar em vão. Meteu-se a “tralhão” o cunhado: “ah…agora você quer fazer passar um pano em tudo, é? Mas eu não me esqueço…isso é que não, por mais que eu viva. Isso é que era bom!”. Sem perder a calma, o irmão que propunha a paz, em vão, tentava explicar que o perdão é o sentimento mais nobre da humanidade. Passado quase uma década, o que interessava o que se disse de parte-a-parte? Eram águas passadas…e essas não moviam moinhos. A outra parte é que não ia em conversas, mesmo à sombra da recém-inaugurada capela. Religião, religião, odiozinhos e rancores à parte.
Ali fiquei a saber a razão do santo padroeiro olhar o céu. Toda esta gente apenas está interessada na ostentação, na riqueza e no brilho da obra material do templo. A mensagem religiosa de humildade que deve ser extraída da fé católica, para estas pessoas, isso pouco interessa.
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2 comentários:
Sou suspeita pata tecer comentários a esse respeito, mas, a língua coça, então lá vai... As igrejas em geral deveriam investir um pouco do que recebem em projetos sociais, como cursos profissionalizantes básicos(costura, informática, masoterapia e etc..) tudo em parceria com os comerciantes e empresários fiéis da propria igreja,objetivando direcionar os mais carentes ao mercado de trabalho, ao invés de gastar fortunas na ostentação de seus templos, afinal seu icone maior, jesus cristo, passou a vida toda pregando o amor ao proximo, caridade e SIMPLICIDADE.
Concordo inteiramente consigo, Nilza. Daí eu ter direccionado o texto para a ostentação "chiquérrima".
Abraço, e obrigada por ter comentado.
A porta do meu templo está sempre aberta. É humilde, mas isso já você sabe.
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