segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A DEPENDÊNCIA DO MEU AMIGO ALBINO




Não é este o seu verdadeiro nome, mas vamos chamar-lhe Albino. Conheço este meu amigo há mais de vinte anos. É um grande comunicador. É jornalista de um grande jornal nacional. Acabei agora mesmo de forçar o meu amigo Albino a beber um café. Estava completamente embriagado. Não é para mim surpresa. Já outras vezes tomámos café nas mesmas condições, e, a todo o custo, evitando que ele ingerisse mais álcool.
O que me leva a desabafar é tentar, nesta espécie de solilóquio que é o escrever, tentar entender –sem jamais o conseguir- o que pode levar uma pessoa com um talento imenso a afundar-se no oceano etílico. Todos temos os nossos recantos de reclusão. Eu, por exemplo, quando estou triste, frustrado ou ressabiado, dá-me para escrever. Portanto, se também sou dependente de algo, logicamente que entendo o Albino…até certo ponto –por que tenho para mim, que todos dependemos de alguma coisa para continuarmos a sobreviver, a existir – é uma essencial necessidade antropológica-, seja ela, religião, futebol, tabaco, jogo, outras drogas, leves ou pesadas, sexo, escrita, trabalho, etc. Ou seja, compreendo a carência do Albino ter de mergulhar as suas dores de alma num poço sem fundo, que lhe corrói as entranhas. Só me custa a entender a escolha, no caso o álcool, que é destruidor da pessoa e de tudo o que está à sua volta, logo a começar na família.
O Albino, para além de escrever bem, é um homem de convicções. Solidário, amigo do seu amigo, sensível. Se preciso for, num desprendimento total, dá a camisa por alguém que nem conhece. Arrisca pela defesa de uma causa que, a seu ver, seja justa. Lembro-me de, na década de 1980, quando começaram a surgir as primeiras rádios independentes –chamadas de piratas-, O Albino foi dos primeiros a emitir desde o Grémio Operário, ali junto à Sé Velha. Sempre que havia que tomar uma posição ele estava lá. Tal como outros, a pena era a sua espada justiceira que, a seu modo, tentava combater as assimetrias de um mundo que é naturalmente injusto e díspar para quem não pode reivindicar. O problema dele, talvez o seu calcanhar de Aquiles, foi sempre o maldito álcool.
Hoje, ver o Albino, que é um homenzarrão de mais de 1,80 de altura, de camisa desfraldada, aberta, a mostrar o peito nu, a babar-se como um bebé de colo, com um discurso desconexo, deu-me uma profunda tristeza. O que podemos nós fazer por alguém que se perde e não quer ser ajudado? Apetece abrir-lhe a cabeça e colocar lá dentro uma mensagem de aconselhamento para fazer uma desintoxicação no Hospital de Sobral Cid. Deixa uma terrível sensação de vazio. É como se quiséssemos reter a água nas nossas mãos e, sem o poder evitar, ela esvai-se por entre os dedos.
Sei que um dia destes, se ele não fizer nada para mudar, vou perder o meu amigo Albino. Uma pena. Um homem com tanto talento, e tão generoso.
Mas o que se pode fazer? Nada. Absolutamente, nada. E isso é que dói. Se ele ao menos se abrisse. Eu bem tento, sempre que o encontro. Como é que vais, Albino? Como vai a tua vida? Não tenho lido os teus artigos no jornal. O que se passa? Mas o Albino disfarça, parece não perceber. Substitui a resposta por uma pergunta. “Queres escrever para o jornal? Queres uma coluna na última página? És o grilo falante (a consciência) da Baixa, destes comerciantes que todos os dias morrem um bocadinho. O que te leva escrever por quem não merece?”. Interroga-me ele em frases entrecortadas, talvez tentando compreender-se, em catarse, o que o leva a mergulhar as mágoas num cálice de brandy. Somos tão complicados. É mesmo difícil compreender os nossos actos, em estado de sobriedade, quanto mais…bêbado.
Merda para isto…estou frustrado…

1 comentário:

Anónimo disse...

Tem toda a razão no que escreve.
Eu sei que é o amigo "Albino" e ele não quer ser ajudado.
É uma forma de vida, enfim, opções que eu não as entendo, até porque no meu rol de amizades tenho um caso desses.
Dói muito ver os nossos amigos arrastarem-se pelas amarras de tais drogas, porque sim, o álcool é uma droga, uma chatice, um caos.
Espero que o amigo "Albino" continue a escrever por muitos e bons anos e se com a idade que tem dificilmente já irá mudar de vida, então pelo menos que faça um esforço, dentro da doença/vicio que tem, para que viva com o mínimo de qualidade.

N.F.