O VENDEDOR COMEDIANTE

“Bolacha americana, quem come duas faz amor toda a semana”,
grita o vendedor, de lata às costas, em monólogo ensaiado,
“só tenho três… aldrabão sou eu, e não minto assim”, exclama,
“é p’ra menina e p’ro menino”, clama ao vento, bem treinado,
“acreditem em mim, sou como os políticos”, enfatiza sem chama,
em solilóquio, falando para si, teatralizando, meio rebuscado,
tocando a gaita, por entre dentes, ri sozinho, procurando fama,
vai o homem, vestido de branco, pela areia, frases semeando,
rábulas com graça, no meio do tédio solar, de uma toalha-cama,
percorrendo, ziguezagueando, o comerciante, sempre apelando,
“bolacha americana, faz bem ao senhor, muito melhor à dama”,
“se comprar o “Noddy” faz “nodismo”, o vento, vai interpelando;
“Mas que brasa, está calor! Meta o protector”, soletra com graça,
“já só tenho três…aldrabão!”, repete, rindo-se em máscara feliz,
não se sabe se de si próprio, porque já se separou em farsa,
de uma personalidade fez duas, numa é actor, noutra é petiz,
é comediante no palco, e, em palmas imaginárias, faz chalaça,
pede respeito, é o melhor na sua profissão, faz o que sempre quis,
tem uma graça natural, imanente, faz sorrir, faça lá o que faça,
na sua imagem de “dandy”, fino e elegante, acredita no que diz,
“emagreça no verão, aqueça o coração”, rindo, arreganha a taça.