terça-feira, 25 de agosto de 2009

BAIXA: O SONHO QUE A MORTE DESTRUIU









 Quem passa na Rua do Corvo talvez desconheça que mesmo ali ao seu lado está o mais bonito estabelecimento da Baixa e da cidade de Coimbra. Chama-se “Centrum Corvo”, a dois passos da igreja românica de Santa Cruz. É uma loja de artesanato.
Este estabelecimento, pensado e sonhado por um homem que já não está entre nós, e que tive o grato prazer de conhecer, com a sua decoração retro, com os seus móveis de 1900, com os seus ferros forjados de Coimbra, confere-lhe uma autenticidade e transforma-o no melhor exemplar único do comércio tradicional. Este “museu” que enriquece o centro histórico, sonho de um homem que depois de o concretizar viveu pouco, vai encerrar dentro em breve.
É o sonho que se desfaz de um inconformado com a vida, um apaixonado pela cidade, que, apesar da sua já alguma idade, a morte, sem ter atenção ao nefelibata, que vivia nas nuvens, no carrossel da montanha russa da utopia, pôs um ponto final. Este homem, o António Cerveira, que conheci e privei muito de perto, apostou tudo para perpetuar a memória do estabelecimento de mercearia que fora de uns seus primos naquele mesmo local por volta do início do século XX. Por entre fundas “tulhas” de açúcar e arroz ao quilo, entre o azeite vendido ao decilitro, e os rebuçados de meio-tostão, ali brincou, ali cresceu, dali já licenciado em medicina, partiu para Lisboa. Por lá andou até se aposentar.
Sendo dono do prédio, em 2000, adquiriu, por trespasse, o espaço comercial ao seu inquilino, que era, nessa altura, de venda de tecidos a metro. Fez obras de remodelação, restaurou os móveis originais, modernizou tudo sem alterar a traça antiga, foi ao pormenor de mandar fazer um corvo que existia na fachada do prédio por alturas do velho estabelecimento de mercearia fina.
Os planos deste homem de grande cultura, de sensibilidade ímpar, vinculado a tudo o que tivesse a ver com a memória, eram imensos. No Centrum Corvo podia encontrar-se artesanato de todo o país, desde a serra da Estrela, passando a serra de Montemuro, até ao sal da Figueira da Foz. Eram todas as artes em desaparecimento locais, desde a cestaria aos bordados de Almalaguês -onde foi buscar um tear manual e o mantinha a funcionar na loja, com a Amélia-, a louça pintada à mão –com um artesão a pintar ao vivo no estabelecimento, o Armando-, a olaria, com incríveis peças criadas no local –com o Victor Bizarro-, o grés –com obras da Carla Silva. A imaginação deste homem não tinha fim.
Quando morreu, em 22 de Julho de 2007, tinha uma estrutura turística montada. Com protocolos assinados entre o turismo de Coimbra e os vários hotéis da cidade, a prestação de serviços da Centrum Corvo iam desde passeios em roteiros turísticos pela cidade, até á degustação de produtos endógenos, desde doçaria regional, queijos e vinhos, de licores artesanais e chás. Para além da venda de cd’s com música coimbrã e livros de história, se o grupo de visitantes quisesse poderia ouvir música ao vivo, executada por um trio do grupo de cordas Alegro.
A maior infelicidade que podia ter acontecido à Baixa foi o desaparecimento do António Cerveira. Muito tinha a dar ao centro histórico. Infelizmente, para todos nós, o acaso não quis. Será que a Câmara Municipal de Coimbra vai deixar desaparecer o seu mais belo legado e exemplar do comércio tradicional? Eu sei que os herdeiros do meu amigo Cerveira, fundamentalmente, gostavam de preservar a memória do pai. Ou seja, manter o espaço, com todo o mobiliário antigo e vocacionado para fins turísticos. Não valeria a pena a Turismo de Coimbra, E.M., pensar no assunto e estabelecer ali um posto permanente?

1 comentário:

rui curto disse...

com todos os tecnocratas que andam por ai nas camaras...... possivelmente nao é económicamente viável e portanto não ha dinheiro para sustentar tal estabelecimento. como serao mais uma vez estupidos. Mas este pais tem o que mereçe (ou não)