segunda-feira, 24 de agosto de 2009

"CAVACO VETA LEI DAS UNIÕES DE FACTO"





Segundo o Sol online, “O Presidente da República vetou a nova lei das uniões de facto.
“Inoportuno” que em final de legislatura se façam alterações de fundo à actual lei e alertando para a falta de uma “discussão com profundidade” sobre a matéria. “Sem contestar a eventual necessidade de se proceder a um aperfeiçoamento jurídico das uniões de facto –um juízo que deve caber, em primeira linha, ao novo legislador- considera-se que, na actual conjuntura, essa alteração não só é inoportuna como não foi objecto de uma discussão com a profundidade que a importância do tema necessariamente exige, lê-se numa nota divulgada no “site” da Presidência da República” –assim conta o Jornal Sol online.
Vamos então por partes. Primeiro, embora habitualmente o meu amigo Aníbal –tenho de escrever assim que é para verem bem como sou “tu lá, tu cá” com o Presidente da República- me telefone a pedir a minha opinião sobre os vetos de decretos e leis fundamentais, a verdade é que nesta lei não me passou cartucho. Bom, mas isso até me deixa mais à vontade, porque quase em todas as anteriores não promulgações eu estive sempre de acordo com o meu amigo presidente.
Passando este primeiro argumento, como quem diz que vamos para o segundo, quero dizer que estou de acordo com o seu veto. E não tem nada a ver com o preconceito de ver os meus amigos Rui e o João de véu e grinalda. Nada disso. O problema –como quem diz, a solução dele- é deles, não meu. A mim não me incomoda nada. O que se passa com a vida dos meus amigos, vizinhos ou outros quaisquer é com eles.
Então, se não tem a ver com o preconceito, tem a ver com quê? Perguntou você? Eu respondo. É assim: numa sociedade portuguesa onde não se respeitam as diferenças de base, no caso a homossexualidade, fará algum sentido partir logo para o casamento gay? Isto não será começar a casa pelo telhado? Não se deveria, primeiro, educar as pessoas, em cidadania, a respeitar quem é diferente? Eu cá acho. Se o meu amigo presidente promulgasse esta lei o que iria acontecer? Uma chacota colectiva? Uma risota plena, num país que não se leva a sério e na educação ainda está para fazer a revolução?
Alguma vez, através da força, se conseguiram impor vontades? Eu que sou muito culto, modéstia à parte –obrigado-, não me lembro jamais de uma lei à força da sua força coerciva alterar um costume. Pelo contrário é o costume que é ratificado em lei.
Ora, a ser assim, se a praxe é fazer pouco e quase apedrejar os gays, como é que se pode partir, impondo à maioria, à força toda, para o casamento? Estão lerdos, ó quê? Se não estão, parece. Embora, volto a repetir, a mim pouco me importa o que o meu vizinho faça na cama. Aliás, até fico satisfeito se tem uma vida sexual satisfatória e plena, porque isso, para além de ser um direito, contribui e muito para a sua própria felicidade. Mas isso é o que eu penso, não é o que pensa a maioria, que são burros como portas –sem ofensa para ninguém, nem mesmo para o verdadeiro Portas, que gostam de meter o nariz em tudo, até na cama de um qualquer.
Pronto! Está dito. Estou de acordo com o meu amigo Cavaco Silva. Até agora, não houve um diploma vetado que discordasse dele. Só no caso do Estatuto dos Açores, pela forma dramática como ele apresentou a coisa é que não gostei, porque me fez sofrer imenso –até chorei, palavra. Pensei logo: ai Jesus!, que vem aí a terceira guerra mundial. Afinal era uns podereszitos de decisão que lhe estavam a retirar. Mas depois o meu amigo Cavaco vingou-se. “Catrapumba”! O santo Tribunal Constitucional, que não dorme em serviço, veio a dar-lhe razão e ele vingou-se. “Toma lá, Sócrates, que já almoçaste”, até parece que estou a ouvir o meu amigo a comentar com a sua Maria.

1 comentário:

Anónimo disse...

“Casamento forçado”

Coisas diferentes devem ser sujeitas a regras iguais? Esta é a pergunta que se impõe, quando se pensa no veto presidencial à nova Lei das Uniões de Facto. É fácil dizer que o PR é «reaccionário», «demodé», «conservador» — em Portugal, há falta de argumentos, poucos resistem a recorrer ao rótulo da moda, sempre à medida das suas conveniências. Mas isso não deve escamotear uma análise fria das questões que coloca esta tomada de posição que, a meu ver, até pressupõe uma visão bastante liberal, ao assinalar a necessidade de haver liberdade de escolha entre um regime mais flexível (uniões de facto) e outro mais rígido (o casamento). Pelo contrário, tornar igual aquilo que, por opção dos próprios, nasceu diferente, pode, isso sim, ser considerado retrógrado, além de evidenciar, ainda mais, a tendência crescente do Estado para interferir na vida particular de cada um. De resto, algumas imposições que leis supostamente progressistas têm determinado não podiam ser mais arcaicas. Veja-se, na lei vetada das uniões de facto, a obrigação de os dois membros do casal responderem «solidariamente pelas dívidas contraídas por qualquer deles» — e se for justamente essa uma das razões pelas quais um casal não deseja aderir ao casamento? Está condenado a ser uma espécie de pária — sem casamento, nem união de facto? Outro exemplo de péssima legislação é o novo diploma sobre o divórcio. Entre outras aberrações, institui a «compensação», na altura das partilhas, a quem «contribui manifestamente mais do que era devido para os encargos da vida familiar». O que é isso de «contribuir manifestamente mais»? Como é que se contabiliza a mudança de fraldas, as noites mal dormidas ou os prejuízos na carreira profissional? As consequências de muitas destas normas mal escritas, de duvidosa qualidade técnica e susceptíveis de várias interpretações não são só o aumento da litigância, mas, sobretudo, o risco de serem cometidos erros graves em matérias extremamente sensíveis para a vida das pessoas.
Toda a gente sabe que casamento e união de facto são coisas diferentes. Quem escolhe casar-se assina uma espécie de contrato público, sujeitando-se a um conjunto de direitos e deveres consagrados pela lei. Quem não está para isso, não se casa, assumindo também as consequências inerentes a essa decisão. Reconheço que a presente legislação deixa de fora a possibilidade de opção pelos casais homossexuais, o que é uma injustiça. Por essa razão só é coerente defender a existência de vários institutos, se todos tiverem igual liberdade de escolha — o que implica a extensão do casamento aos casais de gays e lésbicas. Mesmo assim, haverá sempre quem se considere lesado. O mundo não é perfeito, nem as leis devem ser feitas à medida de cada um. Mas não deixa de ser bizarro ouvir pessoas dizer que não querem casar, mas ficarem muito indignadas por esta lei não ter passado. Ainda não perceberam que ficavam casadas à força.

(Áurea Sampaio, in VISÃO nº 860, 27-08-2009 a 02-09-2009)