(O SENHOR MÁRIO E A MARA ISABEL. DUAS GERAÇÕES EM CONFRONTO)
( O BAZAR...DO NOSSO ENCANTO E CONTENTAMENTO)
A Rua da Gala, em Coimbra, para além da sua antiguidade, é uma daquelas ruelas estreitas onde o tempo, na sua lenta modorra, parece ter parado, a fazer lembrar o século XIX.
Ladeada
de prédios altos, que impedem o sol de se espreguiçar e estender a
sua luz resplandecente, esta artéria poderia perfeitamente ser o
modelo que visionamos das cidades antigas, com varandas de pedra,
resguardo de ferro forjado, assente sobre cachorros com florões, e
janelas de avental e guilhotina. Como
curiosidade histórica, a Rua da Gala manteve sempre o mesmo nome
desde 1678, data em que aparece documentada e relativamente a casas
pertença da Universidade e da Câmara.
Como
postal ilustrado de um comércio tradicional em vias de extinção,
na sua diversidade, não falta a taberna, a “tasca”, a
casa de frutas, o pequeno restaurante, a loja de discos, cd’s e
vinis, uma pequena padaria com café, uma loja de artigos
chineses, uma loja de pássaros e uma de brinquedos, que vou falar
particularmente: o “Bazar de Portugal”.
Há
uma vintena de anos a cidade, na Baixa, tinha uma área grande de
bazares. Na Rua Adelino Veiga, nos seus “néons”, podia
ler-se, entre outros nomes, “Bazar de Lisboa”, “Bazar
do Porto”, “Bazar de Coimbra”. Pois, ao longo deste
tempo, como nevoeiro fustigado pelo sol, todos desapareceram. O
último resistente em Coimbra, com o nome baptismal, é o “Bazar
de Portugal”.
Fundado
por Fernando Dourado, há cerca de 50 anos, este bazar, actualmente a
navegar com dificuldade em águas revoltas, tumultuosas, e com ventos
ciclónicos tocados pela força do capitalismo proletário do outro
lado do mundo, a China, vai-se aguentando à borrasca pelo gosto e
amor do antigo empregado e agora proprietário: Mário Nicolau.
“Vamos resistindo a muito custo. Antigamente tínhamos a
revenda. Aos poucos foi acabando, tal como as barracas do
“choupalinho”. Hoje subsistimos apenas da venda ao balcão.
Tivemos de alargar o nosso leque de oferta para outras áreas.
Praticamente todas as fábricas de brinquedos em Portugal encerraram.
O “genocídio” do fabricante nacional e dos bazares começou com
o aparecimento das lojas de 300. A seguir vieram as lojas de artigos
chineses e as grandes superfícies. Como força virulenta, estas
liquidaram aquelas e os poucos bazares que restavam. Só continuo
aqui porque a renda não é elevada e adoro tudo isto. Os brinquedos
são o meu mundo. Continuo a vender os carrinhos plásticos com o
mesmo carinho de há 25 anos. Mas também com 66 anos vou fazer o
quê?”- interroga-me Mário Nicolau.
Este
antigo atleta do Sporting Nacional, situado no Largo da Freiria,
recorda os tempos em que, enquanto futebolista, militava nos
campeonatos distritais daquela colectividade –este clube, também
em coma profundo, tal como o comércio de rua, não se sabe se ainda
respira, apesar dos esforços de pessoas como o Mário para o trazer
de novo à vida.
A
atender os poucos clientes “lá vem um”, igual a qualquer
outra loja do comércio tradicional, está a Mara Isabel, herdeira do
Nicolau. Com 20 anos e a completar o 12º ano, pergunto-lhe se ela
pretende ser a continuadora do negócio. "Gosto muito de
atender as pessoas –embora algumas sejam difíceis-, o problema é
o pouco movimento que assistimos diariamente no centro histórico.
Não vejo futuro no comércio. Tenho pena, mas vou continuar a
estudar e optar por outras saídas profissionais. Mas quem sabe?!”,
conclui a Mara no meio de um sorriso alargado e cheio de alma.
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