terça-feira, 28 de abril de 2009
MORREU A TASCA DA GRAÇA
Hoje, às 11horas da manhã, no 4º Juízo Cível de Coimbra, perante meia-dúzia de testemunhas que esperavam este triste desfecho, a “Tasca da Graça” exalou o último suspiro.
D. Graça acabara de assinar o acordo com a autarquia de Coimbra, sua senhoria até hoje, numa acção judicial em que demandou a Câmara Municipal em Processo Sumário.
De olhos humedecidos, como se de repente parasse no tempo, numa mistura de revolta e de saudade, repete sem cessar: “foi mais que uma década de vida que ali deixei. Tenho tanta pena! A minha tasca, o meu amor!” –e desaba num pranto de mil gotículas sobre um rosto dilacerado pela dor.
Situada nos fundos da curta Rua Velha durante dez anos, até Setembro de 2007, tudo indicava ser mais um tasco qualquer perdido no anonimato de uma cidade envelhecida. Quis o acaso que pelos piores motivos saltasse para os jornais em forma de recorde de arrombamentos. Desde Setembro de 2007 até Agosto de 2008, foi assaltada 15 vezes, supostamente, por uns andaimes colocados durante vários anos estarem a tapar o seu estabelecimento e terem facilitado a intrusão.
Como, em princípio, ninguém suporta ser “violada” tantas vezes, a Graça, naturalmente, não aguentou. Quando se abre um comércio com muito sacrifício, o negócio cola-se à nossa pele, como se fizesse parte de nós. E, em consequência, quando se sofre estupro continuado como este, inevitavelmente, cai uma parte nós –o sonho, agora desfeito pelas contingências e agruras do tempo-, para dar continuidade à vida. Temos de continuar a lutar. Temos família, filhos, netos, temos vida para viver. Vão-se os anéis, ficam os dedos. Mas a sua marca, “deixada no anelar”, perdurará até ao último suspiro da nossa existência. Assim, já se entende o desconsolo e o mar de lágrimas de Dona Graça, como se tivesse acabado de perder um filho.
Helena Mendes, a defensora e amiga de Graça, abraçada a esta, quase a chorar também, afagando-lhe o cabelo, tenta consolá-la conforme pode. Quando lhe pergunto como se portou a Câmara Municipal neste processo, diz-me: “muito bem. Muito bem mesmo! Devemos dizer mal quando temos razões, mas, neste caso, estou impressionada pela sensibilidade demonstrada quer, pelo vereador da habitação, João Gouveia Monteiro, quer, pela directora de Departamento do mesmo pelouro, engenheira Rosa Maria Santos. Neste processo foram inexcedíveis. Foram o rosto humano de uma instituição que tantas vezes consideramos fria e impessoal”, diz-me Helena, a advogada de Graça.
De facto, tendo acesso ao processo agora arquivado por acordo entre as partes, pude constatar o elevado empenho da directora do departamento da habitação da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), que diz o seguinte: “(…) foi remetido a V. Exª a proposta da arrendatária para resolução do contrato mediante o pagamento pela Câmara de (…), montante que considero razoável, não só por se tratar de um estabelecimento comercial, a funcionar com esta proprietária, desde Junho de 1998, escritura de trespasse de 05-06-1998), e com um aviamento rentável, mas também por causa dos prejuízos resultantes do agravamento das condições de funcionamento por falta de obras de conservação e da dificuldade de normal acesso ao estabelecimento proveniente das obras do Centro de Noite em curso.
Em consequência, proponho que a CMC aceite o acordo para cessação do contrato de arrendamento comercial do rés-do-chão do imóvel nº 11-13-15 da Rua Velha , mediante o pagamento de (…), que já se encontra devidamente cabimentado na rubrica (….) de 2009.
À consideração superior. A Directora Do DH, Engª Rosa Maria Santos”.
São com estes procedimentos simples mas carregados de humanidade que nos aproximamos da instituição Câmara Municipal, tantas vezes consideradas por nós, quase, como inimiga dos pequenos investidores. Uma lição a ter em conta.
Parabéns ao vereador Gouveia Monteiro e à engenheira Rosa Maria.
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