quinta-feira, 9 de abril de 2009

OS CHINESES TAMBÉM SE ABATEM

(EMBORA SE TRANSFERISSE, A VERDADE É QUE ESTA LOJA CHINESA ENCERROU)


É sabido que quando o alimento escasseia as pessoas tornam-se mais cínicas, invejosas e intolerantes. E lembro-me desta constatação filosófica porque há dias uns comerciantes meus amigos criticavam fortemente a abertura de uma nova loja de chineses na Baixa da cidade –no caso, trata-se dos antigos Marthas, de um espaço centenário, com colunas neoclássicas, onde, por altura do século XVIII/XIX, funcionou um antigo hospital de Coimbra.
Então, os vendedores portugueses, verberavam fortemente nos comerciantes vindo do outro lado do mundo. “Que a Câmara Municipal não deveria admitir a instalação destes comerciantes nos centros históricos. Que faz falta aqui um Alberto João Jardim. Que os chineses são como o eucalipto. Secam tudo à sua volta. Que ali se deveria criar um café”, descarregavam os comerciantes.
Debalde lhes tentei dizer que a autarquia não pode fazer absolutamente nada. Nenhuma câmara municipal, à luz das directivas europeias concernentes à livre concorrência, pode obstaculizar a instalação de um estrangeiro no país, desde que este esteja legalizado em conformidade. A lei é geral e abstrata. Ainda lhes pedi que imaginassem estar num qualquer outro país e pretenderem estabelecer-se por conta-própria. Gostariam de ser marginalizados e impedidos de exercerem uma actividade que lhes permitisse sobreviver? “Ah! Isso é diferente”, responderam quase em coro.
Voltando a Alberto João Jardim, líder do PSD/Madeira, quanto a mim, não serve de bom exemplo para ninguém. É um populista, que em 2005 se limitou a mandar para o ar umas bacoradas contra os chineses e indianos impróprias de um representante em exercício de funções de Estado. Foram apenas uns dislates, porque, na prática, não evitou –nem à luz da Constituição podia evitar- a instalação de chineses ou indianos na região autónoma da Madeira.
No caso dos presidentes das autarquias, estes, têm um instrumento legal –Declaração de Interesse Municipal- que pode evitar o desaparecimento de estabelecimentos emblemáticos antigos. Como no caso dos antigos cafés Arcádia e Brasileira. A Câmara Municipal se tivesse usado esta prerrogativa teria evitado o seu encerramento. Ao classificar um estabelecimento de interesse municipal, não evita a venda do edifício, trespasse ou cedência de quotas, mas em contrapartida, ao usar este instrumento legal, garante que aquele espaço só pode desenvolver o ramo de negócio, comercial ou industrial, na actividade a que sempre esteve adstrito.
Ora, voltando ao chinês dos Marthas, naturalmente que sendo durante 90 anos papelaria, não existia fundamentação nem legitimidade social –tendo em conta o ramo de negócio- para legalmente classificar aquele estabelecimento. Deve-se ter em conta os interesses em conflito, particular e social. No caso particular, quem acautelava os interesses dos Marthas, legal proprietário do espaço comercial? Segundo se consta, os novos inquilinos chineses estão a pagar cerca de 3000 euros mensais. Que actividade comercial, neste momento, em equivalência, podia ressarcir aquela sociedade anónima naquele montante?
Mas, no limite, imaginemos que a autarquia até exercia aquele direito e classificava o espaço. Iria evitar que fosse ocupado por um chinês? Não. De modo nenhum. Bastava que o natural da China tivesse uma pequena secção de papelaria e automaticamente estava dentro da lei para desenvolver a sua actividade comercial no âmbito do seu interesse particular.

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