sexta-feira, 10 de abril de 2009

O INSUSTENTÁVEL DESVALOR DE UM TRABALHADOR DO COMÉRCIO




Humberto começou a trabalhar numa pequena loja de artigos de bebé, na Baixa de Coimbra, em 1969. Num pequeno espaço de pouco mais de vinte cinco metros quadrados, trabalhavam 5 pessoas. “Era sempre a aviar”, refere o Humberto com saudade. “Vendia-se tanto que o patrão até criou uma fábrica de artigos para bebé para que nada faltasse ao pequeno estabelecimento. Não tínhamos tempo para nos coçarmos”, enfatiza este homem “doutorado” em técnica Comercial pela experiência da vida.
O patrão, um homem todo dinâmico, detinha em sociedade uma outra loja a dois passos da primeira. Quis o destino que o seu trajecto de vida fosse curto. Em 1977 morreu em acidente de automóvel, próximo da Mealhada.
Em política de expansão, os herdeiros do desaparecido comerciante, seguindo-lhe as pisadas, não só vieram a adquirir a totalidade das quotas do estabelecimento vizinho como ainda abriram uma terceira casa numa das ruas principais da cidade. De cinco empregados passaram para mais de uma dezena.
Para os herdeiros do comerciante de artigos de bebé, a abertura das grandes superfícies comerciais foi visto como uma oportunidade e investiram num grande shopping da cidade. Anteriormente tinham já apostado noutra cidade fora de portas.
Com o comércio a cair constantemente, e amarrados a contratos leoninos com as grandes superfícies, começaram por vender a casa na rua principal e a seguir a pequena casa-mãe onde tudo começou.
Há dois anos, na Baixa, apenas dois empregados laboravam. De mútuo acordo, um rescindiu, ficando apenas o mais velho de todos, com quarenta anos de casa: o nosso amigo Humberto. Como leal e dedicado guardião do templo, era ele que abria e fechava o estabelecimento. Ontem, sem outra qualquer satisfação, com uma desculpa fútil, pediram-lhe as chaves.
Hoje, de manhã, Humberto, preparado para iniciar um novo dia de serviço, constata que a loja onde passou uma vida de quarenta anos de dedicação tinha encerrado à “surrelfa” sem lhes darem uma simples explicação. Como uma coisa sem valor, o empregado de 54 anos de idade sentiu-se ferido e ultrajado. Como penitente em cumprimento de promessa, Humberto passou todo o dia santo de Sexta-Feira Santa à porta do estabelecimento.
Não se pense que esta atitude de desrespeito para com os empregados de comércio é coisa nova. Nada disso. Em 5 de Novembro último, uma grande firma, com mais de 50 anos de existência, na Praça do Comércio, encerrou sem qualquer satisfação aos seus 9 antigos empregados. Muitos deles com quase quarenta anos de serviço. Para além de não lhes ser prestada qualquer explicação ética, não lhes foram pagos, nem os ordenados em atraso, nem a indemnização a que tinham direito. Para conseguir a declaração para o IEFP, para obterem o subsídio de desemprego, tiveram de andar de seca para Meca.
A vida comercial está dificílima, todos sabemos. Mas quando não resta uma pinga de moral nestes comerciantes com letra pequena –que são a vergonha dos seus desaparecidos pais- o que podem esperar os funcionários que, como a defender uma causa, deram toda a sua vida e agora se vêem na miséria?
Isto é alguma coisa? Será que estes “comerciantes” não terão o que merecem?

1 comentário:

Ana Rita Santos disse...

É incrível todo o seu testemunho deixado neste blog. Realmente a diferença entre a forma como se fala dos empregos de antigamente e dos empregos de agora só nos deixam a triste sensação, que nós jovens, somos uns desapegados do mundo e dos valores da vida! É triste, mas ninguém fala dos empregos como eu ouço falar de pessoas que trabalharam na baixa de Coimbra nos Coimbras, no Tito Cunha (como a minha mãe),na Materna,...! Há um brilho nos olhos de alegria de quem passou momentos maravilhosos e de quem, como a minha mãe, para aprender a fazer embrulhos foi enfiada com a cabeça dentro do caixote dos papeis. Hoje quando se fala em ir trabalhar no emprego que escolhemos por acharmos ter vocação para ele e onde ganhamos como licenciados a única coisa que me "salta à vista" é :"Nem acredito que amanhã tenho de ir trabalhar"!
Este blog é um reavivar da baixa de quem lá trabalhou 50 anos ou de quem simplesmente gosta de ver lá um espelho da verdadeira cidade de antigamente!Parabéns,Ana Rita