segunda-feira, 27 de abril de 2009
EDITORIAL: O ESTADO DA BAIXA
Quem é meu “cliente” diário, por outras palavras, quem faz o favor de ler o que escrevo aqui, há uns meses para cá, certamente deu conta de que, deliberadamente, deixei de dar notícia de alguns assaltos e outros assuntos um pouco para o negro. Progressivamente fui carregando na tónica do optimismo, porque entendo que já somos tão bombardeados pelo pessimismo das coisas más que, inevitavelmente, se queria continuar com “clientes”, teria de optar por leituras mais positivas.
Mas, hoje, vão perdoar-me, lá vou eu “bater no ceguinho”. Este estado de abandono não pode continuar. Paulatinamente está a destruir-se uma ambiência comercial, monumental, residencial e social, sem que ninguém se importe.
A Baixa está entregue ao “Deus dará”. Qualquer “merdanas” faz o que bem entende durante a noite. Se lhe apetecer pintar uma parede com uma frase qualquer pinta, se lhe der na gana de partir uma qualquer montra e roubar o que quiser, está completamente à-vontade.
E estes constantes atentados à propriedade surgem num momento em que os comerciantes não podem com uma “gata-pelo-rabo”. Ou seja, estão de tal modo descapitalizados que qualquer simples quebra de vidro de montra os coloca numa situação deveras difícil. Por que no limite, até poderíamos pensar –e se calhar devemos mesmo- que os comerciantes, para salvaguardar os seus bens, terão de recorrer à segurança privada. Pode ser através de guardas-nocturnos ou outro qualquer meio de segurança. O problema é como pedir dinheiro a uma classe que, na sua grande maioria, está completamente afogada em dívidas. Como é que se ultrapassa isto?
Dizer que, constitucionalmente, cabe ao Estado a segurança pública de pessoas e bens, já não vale a pena. É como se estivéssemos a pregar no deserto para um exército de camelos surdos. Ninguém ouve, ninguém vê que este estado de abandono tem repercussões sociais elevadíssimas. Basta dar uma volta pelo centro histórico e atentarmos nas fachadas das lojas. Outrora reluzentes, hoje, sem reclames, com as luzes das montras apagadas à noite, não passam de imagens desfocadas de um passado recente, tão rico em história, que alguém, deliberadamente, em omissão, contribuiu (e continua) para o seu desaparecimento.
Já escrevi tanto sobre este assunto que até já me faltam as palavras. Já culpei o(s) governo(s) pelo (Novo) Regime de Arrendamento Urbano, já denunciei várias vezes a pouca importância que o centro histórico tem para o executivo camarário de Carlos Encarnação. E não são acusações avulsas. Já estive a falar com ele pessoalmente, e, acerca deste assunto, a resposta foi: “que quer que eu faça? Eu não tenho nenhuma varinha mágica para transformar esta situação!”. Também, mais uma vez, falou nas câmaras de vídeovigilância como se estas fossem a panaceia, a solução que cura todos os males. Pessoalmente, nada tenho contra o presidente da Câmara. Politicamente, enquanto comerciante preocupado com o actual estado da Baixa, tenho. E tenho muito. Acho –tenho a certeza- que um chefe de um executivo que diz continuamente que “ama a Baixa e até mora cá”, não pode, como Pilatos, lavar as mãos e passar a responsabilidade para outros. Deveria mergulhar as mãos nesta massa que é a resolução dos problemas de quem cá vive e trabalha. Naturalmente que não posso também deixar de lembrar que o Governador Civil, Henrique Fernandes, em Outubro do ano passado, numa reunião no Governo Civil, perante vários comerciantes, representantes da ACIC e da APBC, comprometeu-se a interessar-se pela segurança no centro histórico. Até disse mais: que no âmbito do “Contrato Local de Segurança” –um novo instrumento jurídico criado pelo governo- iria desenvolver “demarches” e no prazo de um mês reuniria todos os interessados novamente no Governo Civil. Até hoje. É legítimo questionar quanto vale a palavra dada de um governador civil em representação do governo no distrito?
A Baixa (e a Alta) não é apenas um aglomerado de prédios a caírem de podre. É muito mais. É o centro nevrálgico da cidade, é o seu coração. É a alma de uma urbe que já vem do Condado Portucalense. É aqui que os turistas nacionais e estrangeiros desembocam. Salvar o centro histórico (Alta e Baixa) é apostar no futuro económico do Concelho e até do Distrito.
Deixemo-nos de frases vazias de promessa de candidatura a Património Mundial da Unesco –que desde há cerca de 30 anos que são proferidas e já ninguém acredita nelas. Passe-se à acção directa nestas zonas, através de intervenções localizadas mas com a ajuda de todos: Inquilinos, proprietários, comerciantes e a própria administração. Não é preciso ser arqueólogo para saber que, no estado de abandono em que se encontra o centro histórico de Coimbra, é uma falácia fazer crer na sua classificação mundial. Só os surdos camelos do deserto acreditam…
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