sexta-feira, 24 de abril de 2009

AMANHÃ HÁ FEIRA DE VELHARIAS




Como sempre, ao quarto sábado de cada mês, na Praça do Comércio, o senhor Joaquim e a esposa, vindos de Lisboa, estarão presentes com a sua exposição de velharias e antiguidades amanhã na Baixa.
Chegarão à cidade cerca das sete horas da manhã e colocar-se-ão junto do local onde costumam ficar para garantir o lugar.
Às 8 horas começarão a arrumar a sua banca. Aquele gramofhone de Edison, de funil comprido, de modelo tão diferente dos que costumam aparecer vai ficar mesmo no centro da grande mesa. O senhor Joaquim, como arquitecto a tomar medidas, vai olhar de um lado, de outro, e mais ao centro, a imaginar o cliente a bater com os olhos naquela peça, que será o “chamaril” da sua banca improvisada. Vai pegar num par de pratos de porcelana “Companhia das Índias” e colocará um de cada lado da caixa de reprodução de música. Como se estivesse a tecer um tapete de Arraiolos, toda a cobertura da mesa terá de obedecer a uma lógica matemática. Ele conhece bem todos os olhares do seu cliente, desde o primeiro que ditará a sua permanência ou não na sua banca. Por isso toda aquela exposição estudada ao pormenor. O senhor Joaquim não estudou sociologia, antropologia ou psicologia, mas a experiência empírica da vida licenciou-o. Ele conhece o ser humano como ninguém. A sua sensibilidade, quase extra-sensorial, ajuda.
São nove horas e a banca está quase completa, atapetada com todas aquelas obras de arte que o antiquário trata como filhos. Está agora com uma figura articulada de Bordallo Pinheiro entre mãos. Pega-lhe com carinho. Parece abraçar um menino de berço. A mulher-esposa de Joaquim, a Dona Efigénia, sendo mais racional que o homem, que apesar de estar casada com ele há mais de trinta anos, nunca conseguiu entender esta ternura do homem pelas peças que vende, num berro, já habitual, vai gritar: “Ó homem, despacha-te que são nove horas e tu para aí a afagar as peças, parece que nunca as viste!”
O senhor Joaquim, que conhece este sermão de cor e salteado, e até dá razão à mulher, vai arrumar o resto mais rápido. E finalmente está tudo. "Ufa!, que canseira", pensa o vendedor para com os seus botões. Não está nada tudo! Falta a parte mais importante, o símbolo da sorte que vai ditar o dia de Joaquim. Vai ao saco pessoal, retira uma pequena caixa, e lá de dentro tira uma pequena imagem que beija com delicadeza. Mentalmente fará uma pequena oração: “meu querido Santo Onofre, mais uma vez preciso de ti hoje. Não me vais deixar mal, pois não?”
Como se pegasse num passarinho irá colocar esta imagem atrás do gramofhone, de costas voltadas para os compradores e virado de frente para si e para a sua mulher Efigénia.
E pronto! Está tudo arrumado. Olha o céu, com os raios solares a brincarem com os beirais, e pensa: “Hum! Isto vai pintar. Feriado e bom tempo, vai correr bem…”

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