sábado, 3 de janeiro de 2015

UMA SESSÃO NA (DES)UNIÃO DAS FREGUESIAS DE COIMBRA







Há vários meses que tencionava assistir a uma sessão na União das Freguesias de Coimbra –com sede no Bairro de Sousa Pinto, e que agrega as extintas freguesias de Santa Cruz, São Bartolomeu, Almedina e Sé Nova. Confesso que, apesar de freguês interessado no que por lá se discute, a minha ida não foi totalmente inocente. Desde há um ano para cá, consta-se que as relações políticas entre o presidente eleito, Hélder Abreu –PSD/PPM/MPT- e a força representada no executivo, o PS, são pouco profícuas. Dizia-se também que, nas assembleias de freguesia, o ambiente era de cortar à faca com os restantes eleitos, nomeadamente, o CPC, a CDU e até mesmo com os próprios correligionários do PSD. Alegadamente, os próprios deputados do PS, o partido representado no executivo, já não sabiam o que haviam de fazer com este imbróglio. Em Junho, de 2014, foi aprovada uma moção de censura ao executivo e movida pelo movimento CPC, Cidadãos por Coimbra. Embora sem efeitos jurídicos e unicamente almejando a consequência política, esta admoestação visava o apoio do parceiro no órgão administrativo, o PS, e o comportamento relacional com a Assembleia do próprio presidente da União de Freguesias de Coimbra, Hélder Abreu. Repare-se na indicação do sentido de sufrágio que levou à aprovação da moção com 7 votos: 2 do CPC, 2 da CDU e 3 do PSD. Houve uma abstenção do PSD e cinco contra, 4 do PS e uma do PSD.
Lembro também que em Julho, deste mesmo ano de 2014, o Ministério Público ilibou sete autarcas desta Assembleia, cujos mandatos foram postos em causa pela Junta. Segundo o Campeão das Províncias da altura, “A pretensão dos elementos da Junta consistia na cassação do mandato a sete membros da Assembleia (três deles social-democratas), porquanto o órgão executivo considerou que eles cometeram uma ilegalidade ao votarem desfavoravelmente o Plano de Atividades e orçamento.”
Não fazendo a menor ideia do que iria encontrar nem o que estava ali a ser discutido, estava presente neste ajuntamento de coração aberto. Apesar de influenciado pelo precedente noticiado na comunicação social, não era nem é minha intenção tomar partido. O que escrevo é uma transcrição absoluta sobre o que se passou na Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de Coimbra (UFC) realizada na terça-feira, 30 de Dezembro de 2014.

MALDITO QUARTO DE HORA ACADÉMICO

A reunião política estava marcada para as 21h00. Com algum público presente, à espera e a olhar o relógio, a abertura dos trabalhos começou às 21h24 com a intervenção do presidente da Assembleia, Armando Agria (PS) a pedir aos deputados presentes que a sessão decorresse com a maior serenidade. Passou-se aos pontos em agenda e iniciou-se com a aprovação da acta anterior, assunto polémico, este das actas, que atravessou toda a sessão. Já com alguma tensão no sótão do edifício onde decorria o encontro, as indirectas a Hélder Abreu saídas das várias bancadas iam surgindo umas atrás de outras. Ficou provado de que o sumário não traduzia o que se passara e foi votada e aprovada a alteração subsequente.
Seguiu-se o ponto seguinte e discutiu-se os vários assuntos em análise. E pelo presidente da Assembleia, Armando Agria, foi trazido à colação o nome de um elemento que não se encontrava presente e que durante bastante tempo ocupou os vários deputados. Segundo Agria, pelo teor de uma acta anterior, este vogal ausente nesta sessão exarara um pedido de reparação ao seu bom nome e ameaçara recorrer à via judicial. O presidente da Assembleia proclamou que o que estava no documento era um resumo de todos os membros e, para além de não poder ser alterado, não poderia ser atribuído a um único elemento. Sublinhou Agria que, em seu nome e do órgão a que presidia, “não aceito qualquer ameaça. Considero até abusivo. Este assunto está devidamente esclarecido e encerrado”, disse.

AFINAL HAVIA OUTRA

E saltou para a ribalta a alteração com rasura a outra acta, a número 24, indicada como referente a 21 de Maio. Apolino Pereira, tesoureiro e eleito pelo PS, instado a pronunciar-se sobre a posterior modificação, alegou que “tal possibilidade deixa-me incrédulo”. O presidente da Assembleia, Armando Agria, virando-se para Hélder Abreu, presidente da UFC, com voz firme, ordenou: “senhor presidente da Junta da União de Freguesias de Coimbra responda se foi ou não alterado o documento”. Respondeu Hélder: “não passa de uma falácia. Não houve qualquer alteração nesta acta ou em qualquer outra que não tivesse sido aprovada por todos os elementos, a menos que algum, abusivamente, tivesse feito tal subtracção dos documentos”. Enfatizou Agria, “reuni com o presidente da UFC e chamei a atenção para a gravidade de ter havido alteração à acta. Era uma situação melindrosa que se poderia incorrer. A postura do selo branco nos documentos não acontece. Tenho em meu poder duas actas, uma rasurada e outra não, sem selo branco. E outras que consultei também não detêm o selo branco. Pergunto ao presidente da UFC se a partir desta data em que falámos houve alguma alteração. Isto tem contornos ilícitos”. Respondeu Abreu: “não tenho conhecimento de mais nada!”

UM CASO DE POLÍCIA

Gonçalo Almeida, eleito pela CDU, ligando a acta rasurada e à motivação que lhe deu origem, declarou: “Os pagamentos estão todos mal marcados. É uma situação muito grave. O secretário, que não está aqui hoje, é o responsável por isto. Andam aqui a fazer trapaças. A acta foi entregue pela Junta de Freguesia”. Interrompeu o presidente da Assembleia, Armando Agria, pedindo para não nomear nomes, “ninguém pode ser culpado sem ser julgado”, aludiu. Seguindo o mesmo entendimento não denomino o nome do visado intencionalmente.
Pinto dos Santos, eleito pelo PSD, pedindo a palavra, proferiu: “ o Gonçalo já disse o que eu ia dizer. Fico desorientado. A emenda foi feita ou pelo presidente ou outro membro. Isto não vai ficar assim! Se nada for feito vou denunciar às instâncias competentes. Eu já opinei sobre uma auditoria a esta UFC. Alguém está a mentir. Alguém não merece estar à frente da Junta de Freguesia.”
Carlos Lopes, ex-presidente da junta de Almedina, tal como Pinto dos Santos social-democrata, reiterou que “pelo que tenho a dizer passa a ser um caso de polícia. Cabe à Assembleia mandar indagar.”
O presidente da Assembleia, Armando Agria, virando-se para a secretária Regina Oliveira, interrogou: “qual o motivo de enviar as actas pelo Correio?”. Respondeu a visada: “eu não sei quem fez esse trabalho. Eu não fiz! Enviei porque me foi pedido e mandei para todos.”
Helena Loureiro, eleita pelo CPC, referiu: “o executivo tem cinco elementos. Dois denunciaram. Um deixou de estar presente, mas restam dois. Olhos nos olhos, nos da secretária Regina e nos do presidente Hélder, há uma acta rasurada que não tivemos conhecimento. Digam-me que não têm nada a ver com isto!”
Respondeu Regina: “eu tenho vergonha como as actas estão a ser elaboradas. Não admito que duvidem de mim. Não tenho muita prática nestas coisas. Eu tive a ingenuidade de emendar mas foi do conhecimento e não foi com intenção. Efectivamente alterou-se, mas com conhecimento das pessoas”. Hélder Abreu, presidente da UFC, disse que não tinha conhecimento. Retorquiu Regina, “o senhor presidente estava presente. Não se lembra?”
Apolino Pereira, tesoureiro, instado a pronunciar-se, declarou: “quando assinámos foi a versão integral para justificar a importância devida ao senhor secretário. Lamento as palavras da senhora secretária”. Atalhou o presidente da Assembleia: “a acta original foi enviada pelo executivo a pelo menos duas pessoas!”
Raquel Santos, membro do executivo e eleita pelo PS, expondo a sua versão, disse: “assim que me apercebi das rasuras comuniquei ao senhor presidente”.
Ricardo Nóbrega, eleito pelo CPC, arguiu: “é obrigação da Junta entregar as actas a tempo e horas. A acta entregue foi rasurada e isto é profundamente ilegal. Há aqui uma ilegalidade grave. Temos uma autora que assumiu estas ilegalidades.”
Pinto dos Santos, do PSD, referindo-se ao vogal que não estava presente e alegadamente esteve na origem da necessidade da alteração da acta, remoeu: “isto foi atirar poeira para os olhos das pessoas. Assiduidade e pontualidade? Só se for virtual!”
Interrompeu Armando Agria: “não há contrato nenhum entre a UFC e o vogal que não está cá hoje. Vou remeter os documentos à Administração Local. Há uma configuração de crime público. Como presidente da Assembleia, esta a posição que me vejo forçado para que esta UFC seja tida como pessoa de bem. Vou participar do senhor presidente do executivo. Convido-o colaborar comigo na sua elaboração. É num espírito de boa-fé que estou aqui!”

GRANDES OPÇÕES E O ENTORNAR DO COPO

Passou-se a outro ponto agendado: A aprovação do Plano de Actividades e Orçamento. Mais um problema, um “quid pro quo”, tomar uma coisa por outra. E começou logo na introdução do documento, cheio de metáforas alusivas a Luís de Camões e a “Mirabeau”, eloquente parlamentar francês da segunda metade do século XVIII. O prefácio, presumivelmente escrito por Hélder Abreu, classificava a oposição de destrutiva e dava as boas-vindas aos contributos de quem vier por bem e que não alimente vaidades e posições destrutivas numa lógica de “terra queimada”. Foi a gota que faltava numa noite onde nada parecia encaixar. Quem deveria estar não esteve como, por exemplo, o Técnico Oficial de Contas efectivo, que se fez representar por outro, alegadamente, sem estar mandatado para o efeito. Como seria de prever, as coisas correram mal e os disparos menos cordiais entre Hélder Abreu e alguns membros da Assembleia –estes acusando a recepção do documento de ilegal porque apenas subscrito por três membros, entre outras deficiências- fizeram-se ouvir e, obrigando à intervenção de Armando Agria a repor a tranquilidade, o diploma foi retirado para melhor apreciação por parte do executivo.
Não se percebendo muito bem o procedimento, o público presente e pronto a participar com assuntos pessoais começou a intervir a dez minutos da uma hora da manhã. No fim da sessão, depois de ter exposto as suas preocupações e referindo-se a tudo o que ouviu e viu, Maria do Carmo Ferreira rematou: “isto não é uma comédia, é um drama!”

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