Depois de muita insistência -que diga-se, a
propósito, foi bastante difícil-, consegui convencer o meu amigo Alexandre Ramires
para nos encontrarmos e trocarmos umas impressões para escrever um pouco da sua
vida. Conheço este professor, escritor, investigador, intelectual, há cerca de
uma vintena de anos. No entanto, curiosamente, não me é fácil falar dele. É o
arquétipo da discrição. No seu falar suave e doce parece estar constantemente a
pedir licença para intervir e quando expõe a sua teoria pausadamente ficamos
deliciados a ouvir e presos na sua dissertação e elevado saber.
Fomos então almoçar ao Restaurante "Giro”, na Rua das Azeiteiras. É uma
casa acolhedora que, pela elevada qualidade da sua cozinha tradicional e prática,
aconselho vivamente. Recomendado por mim, porque gosto imenso, aceitou comer o prego no prato. Escrito assim, até
parece que é uma refeição ligeira. Nada disso! É o melhor prego no prato que conheço na cidade, a fazer lembrar o célebre
combinado número 5 do desaparecido
Café Mandarim, por volta dos anos de 1970.
Vou começar por apresentar o meu convidado. O
Alexandre Manuel Severino Afonso Ramires nasceu em Olhão em 1955. Desde muito
cedo começou a manifestar interesse pela imagem, começou na escola primária,
através da banda desenhada, e pela educação. Seguiu-se o contacto com o cinema,
por volta dos anos setenta e o conhecimento com o mestre das recolhas
etnográficas, sobre a música tradicional portuguesa, Michel Giacometti. Ganhou
gosto a filmar com película super-8 e antes desta invenção da Kodak desaparecer
e dar lugar ao vídeo. É actualmente professor de física na Escola Secundária da
Infanta D. Maria, em Coimbra. Foi fundador e coordenador da Imagoteca, da Câmara Municipal de Coimbra,
entre 1996 e 2000. Já escreveu tantos livros que nem lembra ao certo quantos
–ainda neste Sábado, 10, lançou na Livraria Miguel Carvalho, na Rua Adro de
Baixo, o último do prelo, desta vez em inglês: “The voyage of the Daguerreotype”. Para além de ministrar aulas, debruça-se
em áreas de investigação como a História, Técnica, Autoria e Linguagem da Imagem
Fotográfica e a História da Fotografia, sobretudo, nos seus primeiros cem anos,
e a partir de 1842, logo que teria aparecido em Coimbra. “A Lusa Atenas sempre teve uma ligação muito forte com a fotografia,
enfatiza. Logo em 1864 instalou-se na
cidade um grande precursor da imagem a preto e branco: Arséne Hayes. Durante a
sua última década de vida –morreu em 1874- assumiu-se como republicano e morreu
aqui como republicano e socialista. Então aconteceu um facto muito curioso: as
autoridades eclesiásticas locais não permitiram que o féretro entrasse no cemitério
e, por isso mesmo, foi enterrado fora do denominado campo-santo. A consequência
disto foi a alteração da lei e o funeral de Arséne Hayes acabou por constituir o primeiro enterro
civil em Portugal”.
Embora a fotografia que conhecemos seja um
resultado contínuo, cuja produção de imagens através de processos químicos
teria começado com Aristóteles, na Grécia Antiga, a primeira que se conhece no
mundo teria sido conseguida em 1826, por Joseph
Niépce. Conjuntamente com Louis-Jacques
Daguerre, em 1829, iniciaram os seus estudos e cerca de uma década depois foi
lançado o processo daguerreótipo.
Inevitavelmente a conversa teria de incidir na
paixão da sua vida: a investigação a partir das primeiras imagens fotográficas.
E naturalmente que se aflorou algumas exposições que tiveram a sua orientação: “Passado ao Espelho”, que decorreu em
2006 no Museu da Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, e “Ver A República”, no Centenário, em 2010,
e que foi “uma exposição sobre o papel da
imagem na construção do ideário republicano e na luta política nos anos que
antecederam e se seguiram à implantação”.
O tempo voa e chegámos à sobremesa, no Restaurante "Giro”. Optámos pelo
doce da casa –um espectáculo! E a seguir o café. A conta, que desta vez ficou
por minha conta, ficou em 25 euros. Como diria o Ramires acerca da fotografia: “O mundo da imagem é uma porta para todas as
narrativas!”
Sem comentários:
Enviar um comentário