LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o texto "LUGARES QUE ENCOLHEM MAS PARA OUTROS NEM TANTO".
LUGARES QUE ENCOLHEM MAS PARA OUTROS NEM TANTO
Terça-feira, 20 de Janeiro, 21h30 na torre
sineira da igreja paroquial de Luso. Está uma noite fria e pouco agradável para
se andar na rua. Na vila, outrora princesa dos lugares turísticos, nem um café
está aberto. A “Flor de Luso”, ainda
com luzes acesas no interior e com as duas funcionárias a limparem o chão, já
não aceita clientes.
Coimbra, Baixa da cidade, na mesma noite e uma
hora depois, 22h30. O Café Santa Cruz, o único café tradicional do género, está
aberto ao público mas sem um único cliente. Três funcionários aguardam por quem
não prometeu vir.
Dá para perceber que, para a
maioria, os lugares habitados, nos últimos anos e por razões várias, encolheram.
Deixaram de ser pontos de encontro, de transição entre o dia de labor e a noite
de relaxe, para serem, simplesmente, a passagem direta do dia e acabar em casa.
A consequência para a economia será incomensurável mas os custos sociais com a
saúde, com neuroses, depressões e outras doenças do foro psicológico, serão
inimagináveis. Porém, para uma minoria, sobretudo alguns políticos, e nem é
preciso que façam parte do governo social-democrata basta defenderem a cor do
autarca político, a evidência, em golpe de mágica, transforma-se em milagre da
multiplicação.
Vem isto a propósito das declarações de Rui
Duarte, presidente da Comissão Política Concelhia do Partido Socialista, em
declarações à Lusa, quando falava, na terça-feira da semana passada, “durante uma conferência, depois de, na companhia dos presidentes da Agência
para a Promoção da Baixa de Coimbra (APBC) e da Associação para o
Desenvolvimento da Alta de Coimbra (ADAC), ter efetuado "uma visita de
trabalho a quatro estabelecimentos comerciais" daquela zona da cidade”.
Disse Rui Duarte: “a atitude
inovadora" adotada por alguns empresários, que "resistem nestes
tempos de grandes dificuldades", está a "contagiar" outros
investidores e a redinamizar o comércio e serviços no centro histórico de
Coimbra. O fenómeno deve-se ao
dinamismo de alguns investidores, mas também à intervenção da Câmara Municipal,
que tem vindo a adotar medidas de incentivo à fixação de negócios nesta área da
cidade, como a isenção da derrama para as empresas com volumes de negócio
inferiores a 150 mil euros por ano.” –retirado do jornal Público e também
publicado pel’O Despertar.
Ora, com todo o respeito que me merece Rui
Duarte, estamos perante o que vulgarmente se diz ver o Sol através da peneira. É preciso constatar que -para além da
isenção da derrama que, embora o voluntarismo da ação, por incidir num pequeno
grupo de empresas sujeitas a IRC o efeito de dinamização é residual- a
autarquia, até hoje, retirando as ornamentações e as festas natalícias, incisivamente
nada fez para melhorar o comércio da Baixa. Já escrevi, o estímulo do tecido
comercial está a ser feito unicamente pelos pequeníssimos comerciantes que,
vindo de outros lugares desertos, aterram na cidade na esperança de poderem
sobreviver à vaga crescente de desemprego que marca as suas vidas sem rumo. Por
isso mesmo estes pequenos investimentos são transitórios e, com toda admiração
por estas pessoas, salvo um ou outro, não trazem valor acrescentado à cidade.
Em média, se posso escrever assim, estas apostas simples duram cerca de seis
meses. Todos trazem consigo uma fé inabalável de que, nos pequenos negócios em
que investem, conseguirão um pequeno ordenado que lhes permita viver com
dignidade. Porém, a curto prazo, a realidade é dura de mais para poderem recuar
e saem pior do que entraram.
A MENTIRA CONVENIENTE
Quem está embrenhado na Baixa, e conhece o que
se passa, sabe que, maioritariamente, os pequenos negócios estão todos
rebentados e carregados de dívidas, quer seja hotelaria, prestação de serviços
ou comércio. Embora envoltos em nuvens de silêncio, os dramas estão ao virar da
esquina. Os envolvidos não falam dos seus problemas pela vergonha de se exporem;
os bancos, os que melhorem conhecem esta realidade, fecham-se sobre o sigilo;
os representantes dos comerciantes desapareceram, como é o caso da ACIC, e hoje
o comércio está órfão e sem voz para reivindicar seja o que for. Subsiste a
APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, que é isso mesmo, uma
entidade de promoção e, tendo como parceiro maioritário no projeto de
dinamização a Câmara Municipal de Coimbra (CMC), naturalmente que não se pode
esperar outra coisa a não ser a concordância; a classe política, da Praça 8 de
Maio, se, por um lado, desconhece completamente, por outro, também, porque dá
jeito, não faz nada para tentar saber –aliás, é minha convicção que, para
sacudir a água do capote, até culpa os comerciantes pelo estado caótico a que
se chegou. É assim que todos, a conviverem no mesmo espaço, vão apontando um
caso ou outro de sucesso –como na visita de Rui Duarte- e fingem que não se
passa nada. Chegou-se a tal ponto da fantasia –para não lhe chamar
esquizofrenia- que até a morte de muitos é valorizada e mostrada como motor de
recuperação. Triste fim, este!
MAS, AFINAL, O QUE PODE FAZER A CÂMARA?
Por força do licenciamento desbragado de
grandes áreas comerciais, hoje o centro histórico atingiu um tal grau de
esgotamento que parece já nada o fazer reanimar. É claro que todos sabemos que
há sempre modo de dar a volta. A questão é: como?
Começamos por entrar numa grande superfície
comercial com carro. Calmamente estacionamos a nossa viatura sem pagar um
cêntimo. Tudo está organizado. Em dias de grande fluxo há arrumadores
contratados a orientar-nos –na Baixa o
estacionamento privado, dentro dos parques, é demasiado oneroso e afasta
clientes. O parqueamento público, nas ruas, é desorganizado, com um caos
constante no “salve-se quem puder”, e sujeito a constantes multas da Polícia
Municipal. Com algumas vezes esta polícia civil a exceder-se em zonas de acesso
importantíssimas.
Depois de parar no shopping subimos aos andares superiores e entramos numa réplica de
uma antiga rua citadina. Para quem não esteja habituado, encontramos um
ambiente agradável tendo em conta a estação do ano. Verificamos que nem um
papel jaz abandonado no chão –as artérias
da Baixa são porcas e sujas. Não por culpa dos funcionários da Recolte, a firma
contratada para apanhar os pequenos detritos, que fazem o que podem. Os
resíduos de grande dimensão continuam a ser recolhidos pelos funcionários da
edilidade –o que, pela separação de funções, custa um pouco a entender. O
problema de ter uma cidade velha continuadamente conspurcada reside
essencialmente em, por um lado, haver poucas papeleiras e, por outro, não se
apostar na formação dos residentes porta-a-porta. É normal haver lixo espalhado
a qualquer hora na via pública. O próprio asfalto é pouco cuidado com buracos e
lajes salientes que causam acidentes regularmente.
Estamos sentados e com um chá à frente, no
piso da hotelaria da área comercial e rodeados de muitas pessoas, umas a consumir
e outras a passear –as artérias da Baixa
estão cada vez mais desertificadas sem transeuntes, durante o dia e a noite. E
os poucos que querem adquirir produtos não têm capacidade financeira para o
fazer.
Ainda na grande área, olhamos para as várias lojas
de marcas e reparamos que todas têm reclames em néon a anunciar a marca que lhe
corresponde, o que nos transmite luz, cor e vida –os estabelecimentos de marca praticamente desapareceram desta parte
velha da cidade e assim como os anúncios de néon. Esta parte histórica, nos
seus becos e ruelas, está transformada em autêntico ambiente de cemitério, acinzentado,
sem cor, sem luz e desprovido de vivência. Os laços que a ligam ao passado
parecem ser deliberadamente enterrados em atmosfera bafienta e de desprezo pela
história. À nossa volta tudo parece estar em derrocada e apagamento da nossa
identidade. Há um contínuo desrespeito pelos nossos antepassados que, com suor,
lágrimas, tanto sofreram para edificar todo este património construído.
Continuamos sem gente de barba na cara com políticas para a sua reconstrução. O
problema é que nesta capitulação, onde o esplendor fenece, ao mesmo tempo,
vão-se também as pessoas que aqui lidam para almejar a salvação.
O licenciamento de publicidade deveria ser gratuito. Apenas deveria ser
obrigatório a apresentação do projeto. Por incrível que pareça esta medida
camarária de captação de receita também contribuiu para a morte anímica desta
zona de comércio tradicional.
Reparamos que até na grande superfície
comercial há lojas encerradas, porém estão todas com painéis desenhados e a
mostrar uma fachada urbana –na Baixa há
lojas fechadas há décadas e prédios abandonados nas mesmas condições e sem que
a autarquia mova uma palha para alterar esta situação. E o que poderia fazer?
Nos edifícios danificados, depois de esgotados os prazos de intimação ao
proprietário, cimentar as portas e janelas, pintar a fachada e remeter a conta
ao dono. Nas muitas lojas abandonadas há vários anos deveria a edilidade
contactar os titulares legais e, através de benefícios fiscais, como isenção de
IMI, tentar que as cedessem gratuitamente a termo. Seguidamente a CMC deveria
adjudicá-las também gratuitamente para se desenvolverem projetos de artes e
ofícios tradicionais e que tivessem por objeto fomentar a animação, incluindo
“whorkshops”, trabalhos oficinais –a Grécia, para combater o esvaziamento de
grandes galerias em Atenas, está a fazer isto mesmo e com resultados excecionais.
Na grande superfície são proibidos animais –no Centro histórico, diariamente damos com
os pés em dejetos de animais espalhados na via pública. Apesar de haver
posturas, as sanções não são aplicadas aos irracionais que levam os congéneres
pela trela.
Enquanto condomínio comercial particular e
fechado, tudo na grande área comercial obedece a centralização organizada.
Desde os horários de abertura e fecho até à divisão de um estabelecimento, até
ao plano de festividades para o ano em curso, tudo é decidido pela organização –o plano anual de atividades na Baixa, da
responsabilidade da CMC, continua, há décadas, a ser uma manta de retalhos.
Chegando a haver duas alegorias no mesmo dia e hora e próximas uma da outra. Por
outro lado, há na Baixa dezenas e dezenas de prédios com os pisos superiores em
péssimo estado, sem moradores, e somente com acesso pelo estabelecimento.
Sabendo que foram aprovados e estão aí novos incentivos para recuperar o
edificado destas zonas, é urgente que a CMC negocie com uma entidade bancária a
concessão de crédito mais barato. Para além disso, deveria contactar os
confinantes e, servindo de intermediária, ajudasse a encontrar uma solução para
criar uma entrada única para os edifícios aparelhados e dar-lhes o uso para que
foram criados.
ESTAMOS ENTREGUES A
INÚTEIS
Faltam políticos de garra. Gente de tomates
pretos que pegue de vez nesta situação de miséria social. Esta administração
local ainda não mostrou o que vale e continuamos na mesma como a lesma. O que
este executivo e outros anteriores gostam é de mostrar grandes obras, que deem
no olho e sejam ovacionados –nem que seja em palmadinhas de hipocrisia. Como
num círculo, a volta é sempre a mesma. Os que vêm a seguir pegam sempre nos
projetos anteriores, mesmo que constituam desastres financeiros para o futuro. A
“teta da vaca” é enorme e dá para tudo.
O que interessa mesmo é erigir. Se o custo da sua manutenção for explosivo, não
importa, alguém vai pagar. O resultado destas políticas de esbanjamento são,
salvo exceções, desgraças para os cofres públicos. Porque não começam nas
coisas simples em que, se forem ideias bem pensadas e conduzidas, nem é preciso
gastar muito dinheiro?
O que se pede, já agora, é que façam o favor
de serem sérios. Não continuem a fazer de nós parvos. Quem por cá teima em
sobreviver sabe muito bem o que se passa. Estamos todos fartos de apanhar
poeira nos olhos. Não precisam de nos aldrabar para alcançar um lugar ao sol. Façam
o que devem! É pedir muito, não é? Pois é! Já vi que sim!
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