quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

A SOCIEDADE DE PAPEL

(Imagem de cima retirada, com vénia, ao jornal Público e a de baixo ao blogue Costa a Costa)


Em jeito de introdução poderia começar por questionar que semelhanças existem entre os chefes de governo e chefes de Estado e os adquirentes do jornal satírico Charlie Hebdo e os presidentes das câmaras envolvidas no projecto do Metro Ligeiro de Superfície e muitos apoiantes deste transporte alternativo para a cidade de Coimbra e zonas limítrofes? Sem entrar em grandes análises, para já, constata-se : todos estão a favor. Mas a favor de quê?
Vamos primeiro observar o comportamento dos estadistas que se dirigiram a Paris à manifestação –incluindo o nosso primeiro-ministro, Passos Coelho. Foram por ir. Porque parecia mal não estar presente e era politicamente incorrecto não fazer parte de uma demonstração de 1,5 milhão de pessoas. Poder-se-ia pensar que estavam ao lado dos islamitas, ou dos terroristas, ou que eram neutros –hoje não se pode mostrar neutralidade. Por cá, no parvalhómetro, ser neutro é sinónimo de fraqueza. Ou se é preto ou se é branco! Já nos bastou Salazar com o “nim” na Segunda Grande Guerra.
Então, numa hipocrisia facilmente desmontável, cerca de meia centena de grandes políticos viajou para a capital francesa beijar a mão ao presidente Hollande e dar um beijinho a Merkel e foi fotografada em grupo e a dar a impressão que encabeçava a manifestação de repúdio pelo atentado. Veio depois a saber-se que nunca estiveram junto do povo anónimo. Ou seja, a enganar todos os seus eleitores representados e a comunicação de todo o mundo, estes “Maria-vai-com-as-outras” nem mentir souberam. Por outras palavras, nunca estiveram preocupados com o terror urbano mas apenas com os seus interesses de imagem e pessoais.
No tocante aos adquirentes do periódico, que sofreu o atentado e que hoje colocou nas bancas de França e do resto do mundo uma edição de 3 milhões em vez dos habituais 60 mil exemplares que rapidamente esgotou e deu origem a uma nova tiragem, os que os moveu foi o interesse egoísta por pensarem que cada jornal deste número especial poderá vir a valer muito no mercado. É de admitir que esta paixão súbita e assolapada acabe em acusação de culpa e repulsa e dê em afastamento e encerramento do jornal a médio-prazo. A atenção e sensibilidade sobre a tragédia que se abateu sobre as famílias enlutadas e sobre a Europa resumiu-se a uma conveniência rasteira e maneirinha.
Na parte que toca aos apoiantes do Metro -e levando em conta o Diário as Beiras de hoje em que se publicita a notícia do Governo em considerar o anteprojecto insustentável-, passando pelos presidentes das Câmaras Municipais de Miranda do Corvo, Lousã e Poiares e seguidos de Jaime Ramos, líder do Movimento Cívico Miranda e Lousã, de Rui Duarte, presidente da Concelhia de Coimbra do PS, e de Vladimiro Vale, membro da distrital do PCP de Coimbra -incluindo a autarquia conimbricense, que não era referida no jornal-, todos estão a favor da solução que se arrasta há quase vinte anos, desde a constituição da empresa Metro Mondego. Mesmo sabendo que as suas orientações são dogmáticas, impossíveis de concretizar na actual conjuntura económica e de colocar em prática, nenhum deles, quer autarcas e líder do movimento quer representantes partidários de oposição ao Governo, abdica do seu papel na defesa do anterior plano ferroviário. É uma espécie de tudo ou nada! O resultado final desta teimosia, com mais uns previsíveis anos de arrastamento em estudos e pareceres, afigura-se mesmo sem óculos.
Os líderes, europeus e de outros continentes, que estiveram presentes (sem estar) na arruada de Paris, perante a possibilidade de se transformar a Europa num cenário de ferro, fogo e lágrimas, respondem da mesma forma: ou tudo ou nada! É uma espécie de luta entre Dom Quixote e os moinhos de vento. Como se através da defesa de uma classe de cartoonistas, provocadora e instigadora de violência, qualquer Estado tivesse meios humanos e técnicos para erradicar a resposta bombista e suicida de pessoas que estão dispostas a morrer pela causa em que acreditam.
A relação entre uns e outros constata-se no descarado interesse pessoal e na obsessão pelo inexequível. Todos reconhecem a impossibilidade pragmática mas acreditam que a sua teimosia, para além de os manter à tona da visibilidade política, mais tarde ou mais cedo, lhes trará frutos. Porque ninguém está preocupado com o futuro da sociedade. Cada um tenta safar-se. Pelas suas decisões políticas de poder, estão fartos de saber que o cidadão é uma mera marioneta ao sabor das suas cabeças pensantes e sai sempre prejudicado, mesmo com o estafado argumento de que estão em jogo vidas humanas e necessidades básicas de sobrevivência.

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