Na página "OLHARES... POR COIMBRA E PELO PAÍS", na rubrica "NÓS POR CÁ..." leia o texto "A SOCIEDADE DE PAPEL"; e na rubrica "OLHAR PARA SUL... "A RETIRADA DAS ORDENS"
A SOCIEDADE DE PAPEL
Em jeito de introdução poderia começar por
questionar que semelhanças existem entre os chefes de governo e chefes de
Estado e os adquirentes do jornal satírico Charlie Hebdo e os presidentes das
câmaras envolvidas no projeto do Metro Ligeiro de Superfície e muitos apoiantes
deste transporte alternativo para a cidade de Coimbra e zonas limítrofes? Sem
entrar em grandes análises, para já, constata-se: todos estão a favor. Mas a
favor de quê?
Vamos primeiro observar o comportamento dos estadistas
que se dirigiram a Paris à manifestação –incluindo o nosso primeiro-ministro,
Passos Coelho. Foram por ir. Porque parecia mal não estar presente e era
politicamente incorreto não fazer parte de uma demonstração de 1,5 milhão de
pessoas. Poder-se-ia pensar que estavam ao lado dos islamitas, ou dos
terroristas, ou que eram neutros –hoje não se pode mostrar neutralidade. Por
cá, no parvalhómetro, ser neutro é
sinónimo de fraqueza. Ou se é preto ou se é branco! Já nos bastou Salazar com o
“nim” na Segunda Grande Guerra.
Então, numa hipocrisia facilmente
desmontável, cerca de meia centena de grandes políticos viajou para a capital
francesa beijar a mão ao presidente Hollande e dar um beijinho a Merkel e foi
fotografada em grupo e a dar a impressão que encabeçava a manifestação de
repúdio pelo atentado. Veio depois a saber-se que nunca estiveram junto do povo
anónimo. Ou seja, a enganar todos os seus eleitores representados e a
comunicação de todo o mundo, estes “Maria-vai-com-as-outras”
nem mentir souberam. Por outras palavras, nunca estiveram preocupados com o
terror urbano mas apenas com os seus interesses de imagem e pessoais.
No tocante aos adquirentes do periódico, que
sofreu o atentado e que se colocou nas bancas de França e do resto do mundo numa
edição de 3 milhões em vez dos habituais 60 mil exemplares que rapidamente
esgotou e deu origem a uma nova tiragem, os que os moveu foi o interesse
egoísta por pensarem que cada jornal deste número especial poderá vir a valer
muito no mercado –é de admitir que esta paixão súbita e assolapada acabe em
acusação de culpa e repulsa e dê em afastamento e encerramento do jornal a
médio-prazo. A atenção e sensibilidade sobre a tragédia que se abateu sobre as
famílias enlutadas e sobre a Europa resumiu-se a uma conveniência rasteira e
maneirinha.
Na parte que toca aos apoiantes do Metro -e
levando em conta o Diário as Beiras,
de 14 último, em que se publicita a notícia do Governo em considerar o anteprojeto
insustentável-, passando pelos presidentes das Câmaras Municipais de Miranda do
Corvo, Lousã e Poiares e seguidos de Jaime Ramos, líder do Movimento Cívico
Miranda e Lousã, de Rui Duarte, presidente da Concelhia de Coimbra do PS, e de
Vladimiro Vale, membro da distrital do PCP de Coimbra –incluindo a autarquia
conimbricense, que não era referida no jornal- todos estão a favor da solução
que se arrasta há quase vinte anos, desde a constituição da empresa Metro
Mondego. Mesmo sabendo que as suas orientações são dogmáticas, impossíveis de concretizar
na atual conjuntura económica e de colocar em prática, nenhum deles, quer
autarcas e líder do movimento quer representantes partidários de oposição ao
Governo, abdica do seu papel na defesa do anterior plano ferroviário. É uma
espécie de tudo ou nada! O resultado final desta teimosia, com mais uns previsíveis
anos de arrastamento em estudos e pareceres, afigura-se mesmo sem óculos.
Os líderes, europeus e de outros continentes,
que estiveram presentes (sem estar) na arruada de Paris, perante a
possibilidade de se transformar a Europa num cenário de ferro, fogo e lágrimas,
respondem da mesma forma: ou tudo ou nada! É uma espécie de luta entre Dom
Quixote e os moinhos de vento. Como se através da defesa de uma classe de
cartoonistas, provocadora e instigadora de violência, qualquer Estado tivesse
meios humanos e técnicos para erradicar a resposta bombista e suicida de
pessoas que estão dispostas a morrer pela causa em que acreditam.
A relação entre uns e outros constata-se no
descarado interesse pessoal e na obsessão pelo inexequível. Todos reconhecem a
impossibilidade pragmática mas acreditam que a sua teimosia, para além de os
manter à tona da visibilidade política, mais tarde ou mais cedo, lhes trará
frutos. Porque ninguém está preocupado com o futuro da sociedade. Cada um tenta
safar-se. Pelas suas decisões políticas de poder, estão fartos de saber que o
cidadão é uma mera marioneta ao sabor das suas cabeças pensantes e sai sempre
prejudicado, mesmo com o estafado argumento de que estão em jogo vidas humanas
e necessidades básicas de sobrevivência.
A RETIRADA DAS ORDENS
Mais que certo, eu deverei ser o único a
debruçar-me sobre as notícias vindas a lume, na imprensa, sobre a abertura de processos
de irradiação que tem por fim a retirada do Grande Colar da Ordem do Infante
Dom Henrique atribuída a Carlos Cruz e a Grande Ordem do Infante Dom Henrique a
Jorge Ritto. Como se sabe foram os dois condenados em 2010, e estão a cumprir
pena, por pedofilia no Processo Casa Pia.
Provavelmente, porque estão transformados em
proscritos pela sociedade, ninguém perde um segundo a especular sobre este
assunto. Pela tipificação dos crimes de que foram acusados, creio, haverá uma
certa unanimidade quer nas penas aplicadas anteriormente quer em tudo o que de
mal lhes venha a acontecer. Ou seja, passou a haver uma legitimidade universal
para outras sanções que venham a ser desveladas. Portanto, se eu estiver certo,
em conformidade com o pensamento global, as retiradas destas comendas estão
perfeitamente justificadas perante a vox
populi, a voz do povo. E até porque, segundo o Diário de Notícias, sendo
inédito, o início dos processos de irradiação decorre da Lei das Ordens
Honoríficas Portuguesas que, segundo o diploma “tenham sido condenados pela prática de crime doloso punido com pena de
prisão superior a três anos.”
Acontece que, no meu entender, esta decisão é perfeitamente
contraditória, iníqua e consubstanciada numa lei absurda, caduca e sem sentido,
e extravagante, enquanto especial –como disse, já sei que ninguém vai perder um
minuto a refletir e a rebater a minha questão.
Antes de continuar, vamos ver o
que é a Ordem do Infante Dom Henrique. “É
uma ordem honorífica portuguesa, criada a 2 de Junho de 1960 aquando do V
Centenário da morte do Infante Dom Henrique e reformulada e alargada
em 1962, que visa a distinguir a prestação de serviços
relevantes a Portugal, no País ou no estrangeiro ou serviços na
expansão da cultura portuguesa, da sua História e dos seus
valores.”
Pelo enunciado da Wikipédia, dá para ver que
tal dignidade “visa distinguir a prestação
de serviços relevantes a Portugal (…)”. Ora, logicamente que esta
distinção tem um efeito retroativo. Isto é, o laureado teve de fazer algo de
notável para lograr tal exceção –e aqui, evidentemente que não discuto se os
detentores mereceram ou não. Se foi entendido que os dignificados granjearam a
solenidade pelos feitos e lhes foram concedidas, no mínimo, são ridículos os
argumentos invocados para mais tarde vir a ser-lhes retiradas com base numa
condenação dolosa. Tomar esta decisão negativa é como se o ato magnífico desenvolvido
pelos honoríficos, em face de uma pena de prisão, fosse completamente
desvalorizado e nunca tivesse existido. Quero dizer que uma ação que mereceu a
mais altíssima distinção leva consigo também uma alta dignidade do Chefe de
Estado que a concede em nome do País. Ao retirar essa respeitabilidade está-se
também a esvaziar, a caricaturar a honra da Nação. Há menções honoríficas atribuídas
por feitos declarados assombrosos que, mesmo sujeitas à dúvida, depois de
declaradas nunca deverão ser retiradas. Recuando na história do final da
Monarquia, no provérbio “foge cão, que te
fazem barão”, em que se atribuíam títulos nobiliárquicos por tudo e nada, A
acontecer a remoção, é pior a emenda que o soneto. Corre-se o risco de, no
futuro, as comendas atribuídas não serem tomadas a sério por achincalhamento
geral. Porque vejamos, uma condecoração não assenta num contrato social para o
futuro –como, por exemplo, a atribuição de um visto de residência ou
nacionalidade a um estrangeiro e que lhe pode vir a ser confiscado por mau
comportamento. Não é solicitada pelo requerente. É presenteada ao consagrado
sem que ele a pedisse e por isso mesmo, no singelo ato de dar pela distinção,
transporta uma áurea de elevação, transcendência e misticismo. É um prémio
entregue, de per si, por algo
extraordinário que o cidadão desenvolveu e mereceu no momento. A sua conduta
futura não pode vir, de modo algum, desviar-lhe a nobreza que assim foi
considerada no momento. Quando eu era miúdo, lembro-me, havia uma lei natural
entre nós: o que sem ser pedido é dado
nunca pode ser retirado.
Ainda há mais, se aceitarmos pacificamente
esta decisão renasce outra interrogação: porquê retirar apenas as comendas a
alguém condenado a prisão? E porque não fazer o mesmo a outros que, através dos
lugares que ocuparam institucionalmente, se locupletaram ou conduziram o país
para desastres económicos e cujas consequências, indiretamente, nos vão custar
a todos milhões de euros? Uma pena de prisão, independentemente do crime
cometido, merece mais valor que um cataclismo financeiro?
É lógico que ninguém me vai responder mas,
mesmo assim, ouso interrogar: isto não é tão, tão tão, comezinho e ridículo?
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