segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

UM ESPAÇO SEM REGRAS





O lamento, pessoal e transmissível, chegou-me assim durante a hora do almoço: “estou indignado! Passei há bocado junto ao Convento velho de Santa Clara e só queria que visse o que vai naquele anfiteatro em frente ao Monumento Nacional. No Sábado realizou-se lá a Feira sem Regras, pois hoje, segunda-feira, o lixo mantém-se por lá como símbolo de um desleixo inadmissível e de uma vergonha possível. Para além disso, reparei, estão vários pontões de ferro arrancados presumivelmente por carros dos vendedores e assim como várias grelhas escoadoras de aguas partidas. Não quer escrever sobre aquela miséria?”
Depois de almoçar, para remoer a lauta refeição –não no sentido de opulenta mas de grandiosa, enquanto graça por poder ainda fazê-la-, coloquei os pés ao caminho e atravessei a ponte para verificar. Eram 14h05 quando cheguei ao terraço lajeado em frente ao Convento de Santa Clara-a-Velha. Sob os vários ângulos do meu olhar, o lixo, em montes, estava espalhado na pedra branca e sobre a relva atapetada e em frente ao longo passeio paralelo à estrada, como a receber quem vem de Sul. Junto aos semáforos, próximo das bombas gasolineiras e em frente ao Choupalinho, um monte de pontões separadores em ferro, com cerca de meia dúzia, mostravam que foram arrancados há pouco tempo, presumivelmente no fim-de-semana. Aqui e ali umas pedras de calçada portuguesa, largadas de uns planos mais ao lado, pareciam pedir que as pontapeassem. Em frente à fachada do vetusto claustro umas ervas enormes tapavam as vistas que deveriam ser livres e desimpedidas de invasores naturais.
Dois funcionários, numa pequena camioneta eléctrica do departamento da Higiene, da Câmara Municipal de Coimbra, talvez devido ao quente e apetecível Sol que naquela hora ali banhava tudo o que mexia, nas calmas, pareciam estar sem grande vontade em recolher os detritos. Em juízo de valor, quando se aperceberam que estava a fotografar tive a impressão que decidiram arrancar com mais força para a tarefa de que estariam incumbidos –admito que esta minha intuição esteja errada, mas foi o que me sugestionou.
Lembro que a Feira sem Regras realiza-se ao primeiro Sábado de cada mês. Criada em 2007, através de edital camarário, era uma organização repartida entre três entidades: Junta de Freguesia de Santa Clara, a Associação da Margem Esquerda e Câmara Municipal de Coimbra.
Será que todas estas instituições se desoneraram de cuidar do tão emblemático e espectacular espaço digno de postal ilustrado?


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4 comentários:

Daniel disse...

É urgente mudar a feira sem regras para a Praça da Canção. Tem muito mais condições para os vendedores e para os clientes.

LUIS FERNANDES disse...

COMENTÁRIO DO EDITOR

Começo por lhe agradecer, Daniel, ter comentado e dado a sua opinião. Confesso que, como não sou perdido nem achado, não era para me debruçar sobre o assunto. Já em 28 de Outubro, último, o Diário as Beiras noticiava essa provável mudança. Então, como você puxou a tolha –e como, já é normal, tenho opinião sobre tudo-, naturalmente respeitando a sua ideia, vou dar o meu parecer.
Penso que o local onde se realiza desde a sua apresentação, em frente ao mosteiro, é o indicado para se continuar a fazer este certame. Vou elencar os vários pressupostos:
-É um sítio lindíssimo e as velharias casam com o ambiente envolvente como unha com carne; -Esta alegoria, apresentando-se ali, é um motor de desenvolvimento para o próprio convento –que como já escrevi continua com a entrada ao contrário, deveria estar a Norte e faz-se a Sul-, chamando a atenção pública para a sua importância e para as actividades comerciais, como a hotelaria e o comércio à sua volta;
-Do ponto de vista estratégico é um local nuclear. Repare-se que o sucesso de uma qualquer festa assenta essencialmente em duas premissas: nas pessoas que sabem da sua realização e nas outras que não sabendo batem de caras com o evento. Ora este ponto de encontro de compra e venda apanha várias correntes de automobilistas os que vêm de Sul e outros que se deslocam em trânsito pelas margens da cidade.
E NO CHOUPALINHO, NÃO É BOM?
O Choupalinho é um local mítico da cidade –que a meu ver ainda está subaproveitado devido à interrupção das obras do programa Polis- e óptimo para passear com a família tendo por companhia o Mondego. Como fica abaixo do nível da estrada passa completamente despercebido de quem vem de Sul por automóvel. É um sítio fresco, lindíssimo e de paisagem incontornável. Sem entrar na questão de ruído para a envolvente, serve muito bem para lá realizar a festa da Queima das Fitas e montagem do circo. No entanto, prestando-se para estas realizações, já não serve para outras iniciativas comerciais como, por exemplo, para a CIC, Feira Industrial e Comercial de Coimbra. Para além de ter pouco espaço para o efeito estava muito escondida do público em geral. A meu ver, o insucesso desta feira –para além de andar em bolandas da Relvinha para o Choupalinho e outros inconvenientes- deveu-se sempre à sua retirada inicial da Praça Heróis do Ultramar. Quero dizer que mudar uma alegoria emblemática de um berço onde nasceu para outro acarreta sempre problemas de longevidade. Psicologicamente, é como se acontecesse um corte na memória das pessoas. Sobretudo quando se muda de um local de passagem para um descampado. Não sei se estou a ser claro mas quero dizer que o facto de o Choupalinho ser um ponto paradisíaco não lhe dá créditos para realizar actividades comerciais.
Se mudarem para lá a Feira sem Regras estou em crer que, como começa a contar apenas com os clientes fidelizados –que sabem da sua realização-, mais tarde ou mais cedo rebenta.
Fazer esta mudança é o mesmo que retirar a Feira de Velharias do miolo da Baixa e levá-la para o Parque da Cidade. Já se fez algumas vezes esta troca e –porque falei com vendedores- os resultados foram muito desanimadores. Este tipo de alegoria deve sempre estar na envolvente da monumentalidade, mesmo dentro casario velho. Ou seja, no meio das cidades e apanhar o mais possível todas as ruas à sua volta para desenvolver as actividades circundantes.

Super-febras disse...

Amigo:
Estou de acordo com o lugar que é místico, onde se realiza a que não conheço mensal feira. Também não conheço o lugar como ele o é hoje! No meu tempo visitava o convento, muita das vezes enlameando-me, só quando o Mondego deixava e entrávamos nele por aquilo que hoje sei é uma janela pois estava aterrado de lamas que ali se depositavam todos os anos.
Ninguém se acredita que acabaria o lixo, a destruição e o desprezo por quem deveria ser competente e responsável apenas com a mudança deste mercado para outro lugar!
Será Portuguesa esta falta de civismo na nossa relação com o meio ambiente, deixando lixo por todo lado, violando os nossos monumentos, destruindo paisagens e hábitat sem que haja compreensão e respeito pela razão e mais grave ainda, lidando com o lixo, a limpeza e a proteção daquilo que é de todos nós como se fosse um frete ou problema de outrem?
Não, de maneira alguma é só Português este problema, mesmo quem não viaja assiste hoje através dos meios tecnológicos às imagens de lugares bem piores na porcaria que o nosso país. Mas as circunstâncias nestes sítios é bem diferente da nossa, basta pensar que alguns destes países tem mais gente numa cidade que nós no todo do território nacional! Algumas destas gentes ainda hoje firmemente acredita que mergulhar num lendário rio, hoje com carcaças inflamadas de gases putríficos a passar flutuando ali à sua vista, é purificante!
No entanto não acredito que em Portugal haja alguém a quem esta pergunta que tanta vezes me foi feita pelas pessoas que me queriam bem e não posso deixar de mencionar as da minha Ribeira de Frades especialmente a Sra. Beatriz Torres, minha segunda mãe - Então se ele se atirar a um poço também te atiras? - o que me leva a concluir que o procedimento dos outros não é justificação de forma alguma para o nosso!
Quando tinha pouco mais de vinte anos, ainda cheio de ideais, abrilhantava na companhia de quatro amigos e da minha mui querida e bem torneada Fender Stratocaster uns bailaricos bem à nossa moda pelas várias comunidades portuguesas nas vilas e cidades do Sul do Ontario. Talvez por sermos o grupo mais jovem entre as bandas da diáspora e por isso aos viras, tangos e valsas juntássemos uns rocks e alguns blues, fomos, um dia, contratados para fazer um casamento de um Português em enlace com um a bela moça Holandesa! Como é natural e por vezes necessário caso se tenha que repartir a pesada factura, o número de convidados entre as duas nacionalidades era quase igual e como amigo gosta de se sentar com o seu amigo o sobrado de dança dividia os dois grupos.
Minutos depois dos noivos se despedirem e partirem para a sua lua de mel a sala está vazia e as luzes principais começam a reacender-se, iluminando agora as tarefas de arrumação e limpeza final. Enquanto desmontávamos a aparelhagem apercebemos-nos de um burburinho na sala! Que vergonha senti! Éramos agora os cinco, os últimos Portugueses presentes penso eu, já que a casa era de Italianos, e os seus empregados chamavam-nos à atenção para a diferença entre o lado que tinham sido Português e o Holandês.

(Continua)

Super-febras disse...

...
Algumas destas gentes ainda hoje firmemente acredita que mergulhar num lendário rio, hoje com carcaças inflamadas de gases putríficos a passar flutuando ali à sua vista, é purificante!
No entanto não acredito que em Portugal haja alguém a quem esta pergunta que tanta vezes me foi feita pelas pessoas que me queriam bem e não posso deixar de mencionar as da minha Ribeira de Frades especialmente a Sra. Beatriz Torres, minha segunda mãe - Então se ele se atirar a um poço também te atiras? - o que me leva a concluir que o procedimento dos outros não é justificação de forma alguma para o nosso!
Quando tinha pouco mais de vinte anos, ainda cheio de ideais, abrilhantava na companhia de quatro amigos e da minha mui querida e bem torneada Fender Stratocaster uns bailaricos bem à nossa moda pelas várias comunidades portuguesas nas vilas e cidades do Sul do Ontario. Talvez por sermos o grupo mais jovem entre as bandas da diáspora e por isso aos viras, tangos e valsas juntássemos uns rocks e alguns blues, fomos, um dia, contratados para fazer um casamento de um Português em enlace com um a bela moça Holandesa! Como é natural e por vezes necessário caso se tenha que repartir a pesada factura, o número de convidados entre as duas nacionalidades era quase igual e como amigo gosta de se sentar com o seu amigo o sobrado de dança dividia os dois grupos.
Minutos depois dos noivos se despedirem e partirem para a sua lua de mel a sala está vazia e as luzes principais começam a reacender-se, iluminando agora as tarefas de arrumação e limpeza final. Enquanto desmontávamos a aparelhagem apercebemos-nos de um burburinho na sala! Que vergonha senti! Éramos agora os cinco, os últimos Portugueses presentes penso eu, já que a casa era de Italianos, e os seus empregados chamavam-nos à atenção para a diferença entre o lado que tinham sido Português e o Holandês. Do nosso lado o chão em carvalho envernizado mal se via! Rolhas de garrafa, pedaços de pão, ossos, arroz, folhas espezinhadas de alface entre esborrachados gomos de tomate, garfos, colheres e facas que ninguém se deu ao trabalho de apanhar, guardanapos ensopados em vinho e sei lá mais o quê! E do outro lado nada, mal havia uma cadeira fora do lugar! Tentei com o meu olhar encontrar algo a que pudesse apontar para anuviar a culpa! Sim também me senti culpado ou melhor, como Português, responsabilizado! Mas nada, cabisbaixo regressei à minha tarefa!
Sim, Amigo e seus leitores, somos um povo abrutalhado mas não se esqueçam que um diamante em bruto também vale fortunas! E é a lapidação o que nos faz falta pois valor e grandes valores temos aos montes.
Nesse mesmo casamento só havia crianças no lado Português e muitas, alegro-me de vos contar! No outro lado, crianças, havia uma, a menina das flores! Não faziam nem fazem parte dos acontecimentos, ficam de fora e quase sempre entregues a pessoas a quem os pais pagam e por vezes nem conhecem!
Conversa animada, gargalhadas, pedido de beijos num ensurdecedor bater de talheres nos pratos e movimento de pessoas que entre "corses" visita e cumprimenta os amigos nas outras mesas, como sabem, só no nosso lado. Do outro apenas um coscuvilhar baixinho não vá o diabo ouvir a conversa! Até pareciam assustados com os nossos!
E no tal campo neutro que dívida não só a cor dos olhos, dos cabelos e tonalidade de pele mas também a quantidade de tinto consumido? Na sala de dança é que era! A nossa alegria é inconfundìvel quando misturada com música! Velhos, novos e crianças, aparelhados ou não, só quem muito sofre das cruzes é que não salta, balança e rodopia! Do lado holandês, eles frouxos e elas parecem medricas, não vá um Portuga " botar-lhe a unha"
Por fim, pergunto, valerá a pena trocar a nossa maneira de ser e estar na vida, com os amigos e com a família pelo civismo que demonstram outras culturas que a
nem ao vizinho dão as boas-tardes pois tal nem existe no seu vocabulário?
Lembra-me agora outra pergunta frequente na minha aldeia - O que é que tem o cu a ver com as calças?

Um abraço Português
Álvaro José da Silva Pratas Leitão