sábado, 17 de janeiro de 2015

A RETIRADA DAS ORDENS

(Imagem da Web)




Mais que certo, eu deverei ser o único a debruçar-me sobre as notícias vindas a lume, na imprensa, sobre a abertura de processos de irradiação que tem por fim a retirada do Grande Colar da Ordem do Infante Dom Henrique atribuída a Carlos Cruz e a Grande Ordem do Infante Dom Henrique a Jorge Ritto. Como se sabe foram os dois condenados em 2010, e estão a cumprir pena, por pedofilia no Processo Casa Pia.
Provavelmente, porque estão transformados em proscritos pela sociedade, ninguém perde um segundo a especular sobre este assunto. Pela tipificação dos crimes de que foram acusados, creio, haverá uma certa unanimidade quer nas penas aplicadas anteriormente quer em tudo o que de mal lhes venha a acontecer. Ou seja, passou a haver uma legitimidade universal para outras sanções que venham a ser desveladas. Portanto, se eu estiver certo, em conformidade com o pensamento global, as retiradas destas comendas estão perfeitamente justificadas perante a vox populi, a voz do povo. E até porque, segundo o Diário de Notícias, sendo inédito, o início dos processos de irradiação decorre da Lei das Ordens Honoríficas Portuguesas que, segundo o diploma “tenham sido condenados pela prática de crime doloso punido com pena de prisão superior a três anos.”
Acontece que, no meu entender, esta decisão é perfeitamente contraditória, iníqua e consubstanciada numa lei absurda, caduca e sem sentido, e extravagante, enquanto especial –como disse, já sei que ninguém vai perder um minuto a reflectir e a rebater a minha questão.
Antes de continuar, vamos ver o que é a Ordem do Infante Dom Henrique. “É uma ordem honorífica portuguesa, criada a 2 de Junho de 1960 aquando do V Centenário da morte do Infante Dom Henrique e reformulada e alargada em 1962, que visa a distinguir a prestação de serviços relevantes a Portugal, no País ou no estrangeiro ou serviços na expansão da cultura portuguesa, da sua História e dos seus valores.”
Pelo enunciado da Wikipédia, dá para ver que tal dignidade “visa distinguir a prestação de serviços relevantes a Portugal (…)”. Ora, logicamente que esta distinção tem um efeito retroactivo. Isto é, o laureado teve de fazer algo de notável para lograr tal excepção –e aqui, evidentemente que não discuto se os detentores mereceram ou não. Se foi entendido que os dignificados granjearam a solenidade pelos feitos e lhes foram concedidas, no mínimo, são ridículos os argumentos invocados para mais tarde vir a ser-lhes retiradas com base numa condenação dolosa. Tomar esta decisão negativa é como se o acto magnífico desenvolvido pelos honoríficos, em face de uma pena de prisão, fosse completamente desvalorizado e nunca tivesse existido. Quero dizer que uma acção que mereceu a mais altíssima distinção leva consigo também uma alta dignidade do Chefe de Estado que a concede em nome do País. Ao retirar essa respeitabilidade está-se também a esvaziar, a caricaturar a honra da Nação. Há menções honoríficas atribuídas por feitos declarados assombrosos que, mesmo sujeitas à dúvida, depois de declaradas nunca deverão ser retiradas. Recuando na história do final da Monarquia, no provérbio “foge cão, que te fazem barão”, em que se atribuíam títulos nobiliárquicos por tudo e nada, a acontecer a remoção, é pior a emenda que o soneto. Corre-se o risco de, no futuro, as comendas atribuídas não serem tomadas a sério por achincalhamento geral. Porque vejamos, uma condecoração não assenta num contrato social para o futuro –como, por exemplo, a atribuição de um visto de residência ou nacionalidade a um estrangeiro e que lhe pode vir a ser confiscado por mau comportamento. Não é solicitada pelo requerente. É presenteada ao consagrado sem que ele a pedisse e por isso mesmo, no singelo acto de dar pela distinção, transporta uma áurea de elevação, transcendência e misticismo. É um prémio entregue, de per si, por algo extraordinário que o cidadão desenvolveu e mereceu no momento. A sua conduta futura não pode vir, de modo algum, desviar-lhe a nobreza que assim foi considerada no momento. Quando eu era miúdo, lembro-me, havia uma lei natural entre nós: o que sem ser pedido é dado nunca pode ser retirado.
Ainda há mais, se aceitarmos pacificamente esta decisão renasce outra interrogação: porquê retirar apenas as comendas a alguém condenado a prisão? E porque não fazer o mesmo a outros que, através dos lugares que ocuparam institucionalmente, se locupletaram ou conduziram o país para desastres económicos e cujas consequências, indirectamente, nos vão custar a todos milhões de euros? Uma pena de prisão, independentemente do crime cometido, merece mais valor que um cataclismo financeiro?
É lógico que ninguém me vai responder mas, mesmo assim, ouso interrogar: isto não é tão, tão tão,  comezinho e ridículo?















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