segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O OUTONO... E AS NOSSAS VIDAS



Depois de dias longos, plenos de luz e cor, prenhes de temperaturas quentes e vitalidade de mais um verão, que, pelo bem ou pelo mal, por uma recordação qualquer, ficou preso na nossa memória, pé-ante-pé e com sapatinhos de algodão, eis que devagarinho vai conquistando o seu território. Começa por cortar no espaço dos dias, tornando-os mais pequenos e mostrando que tudo o que é longo, inevitavelmente, se tornará pequeno. Depois, vai impondo um progressivo calor tépido e mais frio, como a sensibilizar-nos para a necessidade de tomar atenção de que os calores não são eternos, e a seguir a um período “caliente”, inexoravelmente, virá um frio de rachar.
Aí está o Outono. Depois de um revestimento de verde, como plumas a cobrir uma ave exótica, as árvores do nosso encantamento vão ficar despidas. Iremos, quase sem querer, numa qualquer avenida, chocar com uma folha amarelecida que, antes de outras que se lhes irão seguir, tendo-se desprendido de um qualquer ramo, de um qualquer plátano, esvoaça ao vento, ziguezagueando, por entre transeuntes, uns mais apressados outro nem tanto, que irão pontapeá-la ou pura e simplesmente ignorá-la, e nós, feitos poetas de ocasião, segui-la-emos. E nela, prendendo o nosso olhar entre o subir e o descer, ao sabor do vento e de um tempo imprecisos e ocasionais, gostávamos de nos deixar ir.

As andorinhas, feitas viajantes pela força da natureza, começarão a fazer as “malas” e, deixando desgostos ou frustrados desenganos, abandonarão os seus beirais que, durante escassos meses, foram os seus lares e ali assistiram ao nascimento dos seus filhos. Nestes ninhos deixarão mil recordações mas mesmo assim, aceitando esta partida como natural e símbolo de partilha, irão levar aos povos do norte de África o mesmo chilrear e a mesma alegria, viva e sonora, que nos presentearam os dias. Para a próxima Primavera, sem pungentes lamentos, num eterno retorno, aí estarão elas, novamente, pujantes de força e refarão os berços para os seus novos filhos e comporão as suas existências.
Assim é a nossa vida.Tão cheia de calor, como um verão solarengo, inevitavelmente, teremos períodos frios mas,como na natureza, em vai e vem, as temperaturas quentes retornarão. E, se por motivos imponderáveis, nos tornámos andorinhas de trouxa às costas, aceitemos com a mesma naturalidade com que aqueles passarinhos acolhem o seu destino fatalista. Não tenhamos medo de voar em frente. Quem sabe se no norte não estará um outro futuro sorridente. Porque, avessos ao risco e acomodados, haveremos de ter medo do desconhecido e de abandonar o nosso beiral? Serão apenas as recordações que nos prendem? Valerá a pena continuarmos no aconchego cómodo do ninho, mesmo não nos sentindo amados e pouco reconhecidos, só porque tememos os ventos estranhos do incerto? Porque não voarmos até ao norte? Se não nos dermos bem, com a mesma certeza de que amanhã será outro dia e no próximo ano haverá outra Primavera, como as andorinhas a gozar o prazer da mudança, começaremos de novo, de palha-em-palha, a construir um outro lar, uma outra casinha.A natureza é tão pródiga nos ensinamentos. E nós, como folha solta que somos, a esvoaçar ao vento e sem saber onde vai cair e que quando tombar vai desaparecer em pó, continuamos a teimar que controlamos o destino e somos donos de tudo e de todos. Esquecemos que somos somente a possível soma entre a nossa determinação e outras vontades indeterminadas. Como “invisuais” que vêem mas não querem ver… não vemos! O resultado desta cegueira é uma tragédia para a humanidade.



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