(Rua Eduardo Coelho, em Coimbra)
(Interior do Serra Shopping, na Covilhã)
Terça-feira, 20 de Janeiro, 21h30 na torre
sineira da igreja paroquial de Luso. Está uma noite fria e pouco agradável para
se andar na rua. Na vila, outrora princesa dos lugares turísticos, nem um café
está aberto. A “Flor de Luso”, ainda
com luzes acesas no interior e com as duas funcionárias a limparem o chão, já
não aceita clientes.
Coimbra, Baixa da cidade, na mesma noite e uma
hora depois, 22h30. O Café Santa Cruz, o único café tradicional do género, está
aberto ao público mas sem um único cliente. Três funcionários aguardam por quem
não prometeu vir.
Dá para perceber que, para a
maioria, os lugares habitados, nos últimos anos e por razões várias, encolheram.
Deixaram de ser pontos de encontro, de transição entre o dia de labor e a noite
de relaxe, para serem, simplesmente, a passagem directa do dia e acabar em
casa. A consequência para a economia será incomensurável mas os custos sociais
com a saúde, com neuroses, depressões e outras doenças do foro psicológico,
serão inimagináveis. Porém, para uma minoria, sobretudo alguns políticos, e nem
é preciso que façam parte do governo social-democrata basta defenderem a cor do
autarca político, a evidência, em golpe de mágica, transforma-se em milagre da
multiplicação.
Vem isto a propósito das declarações de Rui
Duarte, presidente da Comissão Política Concelhia do Partido Socialista, em
declarações à Lusa, quando falava, na última terça-feira, “durante uma conferência, depois de, na companhia dos presidentes da
Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra (APBC) e da Associação para o
Desenvolvimento da Alta de Coimbra (ADAC), ter efectuado "uma visita de
trabalho a quatro estabelecimentos comerciais" daquela zona da cidade”.
Disse Rui Duarte: “a atitude
inovadora" adoptada por alguns empresários, que "resistem nestes
tempos de grandes dificuldades", está a "contagiar" outros
investidores e a redinamizar o comércio e serviços no centro histórico de
Coimbra. O fenómeno deve-se ao
dinamismo de alguns investidores, mas também à intervenção da Câmara Municipal,
que tem vindo a adoptar medidas de incentivo à fixação de negócios nesta área
da cidade, como a isenção da derrama para as empresas com volumes de negócio
inferiores a 150 mil euros por ano.” –extracto retirado do jornal Público.
Ora, com todo o respeito que me merece Rui
Duarte, estamos perante o que vulgarmente se diz ver o Sol através da peneira. É preciso constatar que, para além da
isenção da derrama –que, embora a simbologia e o voluntarismo da acção, por incidir num pequeno grupo de empresas sujeitas a IRC não
detém qualquer efeito de dinamização- a autarquia, até hoje, retirando as ornamentações
e as festas natalícias, nada fez para melhorar o comércio da Baixa. Já escrevi, o estímulo do tecido comercial está a ser feito unicamente pelos
pequeníssimos comerciantes que, vindo de outros lugares desertos, aterram na
cidade na esperança de poderem sobreviver à vaga crescente de desemprego que
marca as suas vidas sem rumo. Por isso mesmo estes pequenos investimentos são
transitórios e, com toda admiração por estas pessoas, salvo um ou outro, não
trazem valor acrescentado à cidade. Em média, se posso escrever assim, estas
apostas simples duram cerca de seis meses. Todos trazem consigo uma fé
inabalável de que, nos pequenos negócios em que investem, conseguirão um
pequeno ordenado que lhes permita viver com dignidade. Porém, a curto prazo, a
realidade é dura de mais para poderem recuar e saem pior do que entraram.
A MENTIRA CONVENIENTE
Quem está embrenhado na Baixa, e conhece o que
se passa, sabe que, maioritariamente, os pequenos negócios estão todos
rebentados e carregados de dívidas, quer seja hotelaria, prestação de serviços
ou comércio. Embora envoltos em nuvens de silêncio, os dramas estão ao virar da
esquina. Os envolvidos não falam dos seus problemas pela vergonha de se exporem;
os bancos, os que melhorem conhecem esta realidade, fecham-se sobre o sigilo;
os representantes dos comerciantes desapareceram, como é o caso da ACIC, e hoje
o comércio está órfão e sem voz para reivindicar seja o que for. Subsiste a
APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, que é isso mesmo, uma
entidade de promoção e, tendo como parceiro maioritário no projecto de
dinamização a Câmara Municipal de Coimbra (CMC), naturalmente que não se pode
esperar outra coisa a não ser a concordância; a classe política, da Praça 8 de
Maio, se, por um lado, desconhece completamente, por outro, também, porque dá
jeito, não faz nada para tentar saber –aliás, é minha convicção que, para sacudir
a água do capote, até culpa os comerciantes pelo estado caótico a que se
chegou. É assim que todos, a conviverem no mesmo espaço, vão apontando um caso
ou outro de sucesso –como na visita de Rui Duarte- e fingem que não se passa
nada. Chegou-se a tal ponto da fantasia –para não lhe chamar esquizofrenia- que
até a morte de muitos é valorizada e mostrada como motor de recuperação. Triste
fim este!
MAS, AFINAL, O QUE PODE FAZER A CÂMARA?
Por força do licenciamento desbragado de
grandes áreas comerciais, hoje o centro histórico atingiu um tal grau de
esgotamento que parece já nada o fazer reanimar. É claro que todos sabemos que
há sempre modo de dar a volta. A questão é: como?
Começamos por entrar numa grande superfície
comercial com carro. Calmamente estacionamos a nossa viatura sem pagar um
cêntimo. Tudo está organizado. Em dias de grande fluxo há arrumadores
contratados a orientar-nos –na Baixa o
estacionamento privado, dentro dos parques, é demasiado oneroso e afasta
clientes. O parqueamento público, nas ruas, é desorganizado, com um caos
constante entre o salve-se quem puder, e sujeito a constantes multas da Polícia
Municipal. Com algumas vezes esta polícia civil a exceder-se em zonas de acesso
importantíssimas.
Depois de estacionar no shopping subimos aos andares superiores e entramos numa réplica de
uma antiga rua citadina. Para quem não esteja habituado, encontramos um
ambiente agradável tendo em conta a estação do ano. Verificamos que nem um
papel jaz abandonado no chão –as artérias
da Baixa são porcas e sujas. Não por culpa dos funcionários da Recolte, a firma
contratada para apanhar os pequenos detritos, que fazem o que podem. Os resíduos
de grande dimensão continuam a ser recolhidos pelos funcionários da edilidade –o
que, pela separação de funções, custa um pouco a entender. O problema de ter
uma cidade velha continuadamente conspurcada reside essencialmente em, por um
lado, haver poucas papeleiras e, por outro, não se apostar na formação dos
residentes porta-a-porta. É normal haver lixo espalhado a qualquer hora na via
pública. O próprio asfalto é pouco cuidado com buracos e lajes salientes que
causam acidentes regularmente.
Estamos sentados e com um chá à frente, no
piso da hotelaria da área comercial e rodeados de dezenas ou centenas de
pessoas, umas a consumir e outras a passear –as artérias da Baixa estão cada vez mais desertificadas sem
transeuntes, durante o dia e a noite. E os poucos que querem adquirir produtos
não têm capacidade financeira para o fazer.
Ainda na grande área, olhamos para as várias lojas
de marcas e reparamos que todas têm reclames em néon a anunciar a marca que lhe
corresponde, o que nos transmite luz, cor e vida –os estabelecimentos de marca, praticamente, desapareceram desta parte
velha da cidade e assim como os anúncios de néon. Esta parte histórica, nos
seus becos e ruelas, está transformada em autêntico ambiente de cemitério, acinzentado, sem
cor, sem luz e desprovido de vivência. Os laços que a ligam ao passado parecem
ser deliberadamente enterrados em atmosfera bafienta e de desprezo pela
história. À nossa volta tudo parece estar em derrocada e apagamento da nossa
identidade. Há um contínuo desrespeito pelos nossos antepassados que, com suor,
lágrimas e sangue derramado, tanto sofreram para erigir todo este património
construído. Continuamos sem gente de barba na cara com políticas para a sua
reconstrução. O problema é que nesta capitulação, onde o esplendor fenece, ao
mesmo tempo, vão-se também as pessoas que aqui lidam para almejar a salvação.
O licenciamento de publicidade deveria ser gratuito. Apenas deveria ser
obrigatório a apresentação do projecto. Por incrível que pareça esta medida
camarária de captação de receita também contribuiu para a morte anímica desta
zona de comércio tradicional.
Reparamos que até na grande superfície
comercial há lojas encerradas, porém estão todas com painéis desenhados e a
mostrar uma fachada urbana –na Baixa há
lojas fechadas há décadas e prédios abandonados nas mesmas condições e sem
que a autarquia mova uma palha para alterar esta situação. E o que poderia
fazer? Nos edifícios danificados, depois de esgotados os prazos de intimação ao
proprietário, cimentar as portas e janelas, pintar a fachada e remeter a conta
ao dono. Nas muitas lojas encerradas na Baixa há vários anos deveria a edilidade
contactar os titulares legais e, através de benefícios fiscais, como isenção de
IMI, tentar que as cedessem gratuitamente. Seguidamente a CMC deveria adjudicá-las
também gratuitamente para se desenvolverem projectos de artes e ofícios
tradicionais e que tivessem por objecto fomentar a animação, incluindo “whorkshops”,
trabalhos oficinais –a Grécia, para combater o esvaziamento de grandes galerias
em Atenas, está a fazer isto mesmo e com resultados excepcionais.
Na grande superfície são proibidos animais –no Centro histórico, diariamente damos com
os pés em dejectos de animais espalhados na via pública. Apesar de haver
posturas, as sanções não são aplicadas aos irracionais que levam os congéneres pela trela.
Enquanto condomínio comercial particular e fechado,
tudo na grande área comercial obedece a centralização organizada. Desde os
horários de abertura e fecho até à divisão de um estabelecimento, até ao plano
de festividades para o ano em curso, tudo é decidido pela organização –o plano anual de actividades na Baixa, da
responsabilidade da CMC, continua, há décadas, a ser uma manta de retalhos.
Chegando a haver duas alegorias no mesmo dia e hora e próximas uma da outra. Por outro lado, há na Baixa dezenas e dezenas de prédios com os pisos
superiores em péssimo estado, sem moradores, e somente com acesso pelo estabelecimento. Sabendo
que foram aprovados e estão aí novos incentivos para recuperar o edificado destas zonas, é
urgente que a CMC negocie com uma entidade bancária a concessão de crédito
mais barato. Para além disso, deveria contactar os
confinantes e, servindo de intermediária, ajudasse a encontrar uma solução para
criar uma entrada única para os edifícios aparelhados e dar-lhes o uso para que foram criados.
ESTAMOS ENTREGUES A INÚTEIS
Faltam políticos de garra. Gente de tomates
pretos que pegue de vez nesta situação de miséria social. Continuamos na mesma
como a lesma. O que este executivo local e outros anteriores gostam é de mostrar
grandes obras, que dêem no olho e sejam ovacionados –nem que seja em palmadinhas
de hipocrisia. Como num círculo, a volta é sempre a mesma. Os que vêm a seguir
pegam sempre nos projectos anteriores, mesmo que constituam desastres financeiros
para o futuro. A "teta da vaca" é enorme e dá para tudo. O que interessa
mesmo é erigir. Se o custo da sua manutenção for explosivo, não importa, alguém
vai pagar. O resultado destas políticas de esbanjamento são, salvo
excepções, desgraças para os cofres da edilidade. Porque não começam nas coisas
simples em que, se forem ideias bem pensadas e bem conduzidas, nem é preciso
gastar muito dinheiro?
O que se pede, já agora, é que façam o favor
de serem sérios. Não continuem a fazer de nós parvos. Quem por cá teima em
sobreviver sabe muito bem o que se passa. Estamos todos fartos de apanhar
poeira nos olhos. Não precisam de nos aldrabar para alcançar um lugar ao Sol. Façam
o que devem! É pedir muito, não é? Pois é! Já vi que sim!
1 comentário:
Bom dia!
Sou de Coimbra e resido em Gaia (sendo que vou ao Porto bem regularmente, afinal moro a menos de 30m a pé de S. Bento).
Vou ao centro do Porto e vejo animação de rua, prédios a serem requalificados. Vejo dois CC (Via Catarina e Porto Plaza) mesmo no centro de uma rua comercial além de haver a fnac e outras lojas. E vejo rios de gente a caminhar ali.
E depois há a Rua de Cedofeita e outras ruas bem próximas arranjadas ou mais ou menos (excepção para o velho Bolhão que continua com os seus vendedores que dão sempre uma ajudinha).
vejo publicidade da cidade e região lá fora, além disso os particulares têm tido um enorme papel na revitalização da vida diurna e nocturna da cidade, seja com lojas, bares, restaurantes diferentes.
Infelizmente, há dias, andava pela Baixa de Coimbra e via degradação e via muitas lojas nada atraentes (há as suas excepções). Mesmo a Românica que tanto me encantava em criança tem imensos brinquedos empilhados e o eléctrico parado (quando poderia ser dinamizado e publicitado).
E sim, a publicidade. O arranjo, o dinamismo do actual edil (é importante também, em Coimbra temos quem temos e pouco ou nada vemos)....
Coimbra precisa de se reencontrar com a sua região, com a indústria (que tem feito a ACIC?), precisa de se promover (feiras, internet, etc)....
E é preciso atrair juventude para residir na Baixa a preços em conta, é claro, isso também atrai pessoas.
Cumprimentos! Lino Galveias
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