quinta-feira, 31 de março de 2011

ARRENDAMENTO: A REFORMA QUE MORRE SEMPRE NA PRAIA





 Segundo o Jornal de Negócios online, mais uma vez com a demissão do governo, a intenção de reformar o arrendamento urbano fica pelo caminho.
No princípio da última década, a esperança de uma revitalização do edificado caiu em Durão Barroso, em 2001, cujo programa do PSD prometia revolucionar este paralisado mercado. Com a sua fuga para uma cadeira dourada para Bruxelas, para os proprietários, lá se foi a expectativa de mexer nesta iniquidade em forma de código legislativo.
Veio Santana Lopes e, naturalmente, mais uma vez a certificar dar continuidade ao projecto do seu antecessor e a prometer uma lei mais flexibilizada, com menos peso do Estado. Segundo as suas promessas, os arrendamentos posteriores a 1990 seriam actualizados em cinco anos e os antigos, anteriores a esta década, seguindo o exemplo de Espanha, seriam em dez anos modernizados e revistas todas as rendas de miséria. Santana foi demitido por Sampaio –por inerência da dissolução da Assembleia da República- e, mais uma vez, lá morreu na praia a tão ambicionada reorganização.
Em 2005, com as novas eleições, veio o Partido Socialista, com José Sócrates como secretário-geral e, mais uma vez, a garantir intervir no arrendamento urbano. Em 21 de Dezembro de 2005 foi aprovado na Assembleia da República a nova lei do arrendamento e apresentada pelo Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local.
Em 28 de Junho de 2006 entra em vigor o Novo Regime de Arrendamento Urbano. Previa este diploma de alterações ao Regime de Arrendamento Urbano, entre outros, sobretudo, a actualização das rendas dos contratos para habitação celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro, bem como as rendas dos contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei 257/95, de 30 de Setembro.
Só que esta aparente nova lufada de ar fresco, na prática, revelou-se uma manta de retalhos e de confiança petrificada. Ou seja, se até aí as coisas estavam mal, a partir da entrada em vigor deste Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) ficaram muito piores.
De grosso modo, segundo o clausulado deste diploma, para se colocarem as rendas antigas no seu valor minimamente justo, era necessário recorrer à avaliação das previstas CAM, Comissões Arbitrais Municipais –artigo 49, da Lei nº6/2006, de 27 de Fevereiro-, para aferir do grau de conservação do locado. Era esta atribuição que teria implicações directas na nova renda a ser tributada. Estas comissões seriam compostas pelos seguintes elementos:

 -Um representante da câmara municipal;
- Um representante do serviço de Finanças;
-Um representante dos senhorios, nomeado pelas associações de proprietários;
-Um representante dos inquilinos habitacionais, nomeado pelas associações de arrendatários;
-Um representante dos inquilinos não habitacionais, podendo ser este nomeado por associações representativas de classe;
-Um representante da Ordem dos Engenheiros;
-Um representante da Ordem dos Arquitectos;
-Um representante da Ordem dos Advogados.

Só pela composição extensa da lista de elementos, penso, já seria possível antever o fracasso da intenção de modernizar o arrendamento.
Fosse por isso ou não, a verdade é que passados mais de dois anos, em 2008, ainda havia autarquias que não tinham conseguido reunir as suas CAM.  Mesmo actualmente, entre outros problemas, há muitas cidades que não possuem órgãos associativos de representação de inquilinos e de proprietários. Os que existem estão localizados em Lisboa. Daí, penso, também começou a dificuldade em organizar representantes nas comissões.
Primeiro problema: uma das premissas obrigacionais, para além de prever implicitamente obras avultadas na habitação, seria a actualização automática do valor das matrizes e, portanto, com aumentos do IMI, Imposto Municipal sobre Imóveis –aqui já dará para ver que houve, por parte do legislador um propósito soberano de, através da alteração contratual entre inquilino e senhorio, essencialmente, criar mais receita para o Estado.
Acontece que, mesmo apara além do processo ser altamente burocrático, terá de se ter em conta que os proprietários estão completamente descapitalizados, logo, sem apoios este processo estava condenado ao fracasso –falo obviamente do pequeno senhorio, que são a grande maioria nos centros históricos, que herdou um imóvel familiar ou então, no sentido de futuramente capitalizar melhor o seu aforramento. Talvez este facto de descapitalização também ajude a explicar os cerca de 11 mil prédios devolutos ou em ruínas em Lisboa.
É preciso tomar em conta que o congelamento de rendas, em atentado notório à propriedade, já vem do início da primeira República e com alguma incidência no Abril de 1974.
Segundo a Associação Nacional de Proprietários, mais de 390 mil contratos são antigos, anteriores a 1990. Ainda segundo esta associação, cerca de 117 mil contratos têm um valor inferior a 5 euros.
Segundo problema: o diploma, tendo em conta os baixos valores de renda, para piorar, o NRAU prevê que os arrendatários com mais de 65 anos tenham um valor de actualização baixíssimo. O que, imaginemos uma destas rendas de 5 euros, na melhor das hipóteses, a alteração progressiva em vários anos, atingiria um tecto máximo de 50 euros. Isto é, para além do proprietário gastar um balúrdio em obras, e ver o seu IMI actualizado para muitas centenas de euros, em contrapartida iria receber umas escassas dezenas. É lógico que também aqui, por parte do legislador, não houve o sentido de missão, o equilíbrio de justiça entre as partes, a equidade, a que uma lei está subjacente.
Terceiro problema: tendo em conta a morosidade dos tribunais, não flexibilizou os despejos. Ora, actualmente, segundo a imprensa, colocar fora da sua casa um inquilino relapso, leva em média 18 meses –há casos de muitos mais anos e em que, quando finalmente chegaram à barra, para além de só estar presente o proprietário, este, quando entrou na sua casa arrendada, verificou a sua total destruição.
Quarto problema: este não directamente ligado à redacção do NRAU, mas de primordial importância e a servir de garrote na revitalização do edificado nas zonas antigas. Uma entidade agora chamada de IGESPAR que, na sua intervenção directa nos licenciamentos de obras, contribui maioritariamente para, por um lado, para a necessidade de clandestinidade, por outro, para a não intervenção dos proprietários nos seus edifícios. A implicância deste Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, na sua arbitrariedade, é de tal maneira incompreensível que, a meu ver, parece um Estado dentro de outro Estado.
Quinto Problema: as autarquias não se entendem com o IGESPAR. Então as respostas aos proprietários são do mais caricato que pode haver. Umas vezes, quando sabem mesmo o que querem, ordenam uma coisa e a seguir vem o IGESPAR e manda fazer outra.
Sexto problema: as autarquias não têm o mínimo de sensibilidade para a questão do arrendamento, sabendo todos que esta relação bilateral entre inquilinos e proprietários é fundamental na reconstrução destas zonas de antanho. Com técnicos à frente que aplicam o seu gosto pessoal na decisão de obras que lhes são apresentadas, sem rigor comunitário, acontece variadíssimas vezes que ao serem substituídos por outros, tudo o que foi aconselhado anteriormente já não serve para o novo responsável da pasta.
Sem generalizar, os departamentos de habitação das câmaras são geridos por técnicos mal preparados para o problema premente da habitação em Portugal. Estas pessoas têm uma visão legalista, estática e petrificada da lei do arrendamento. Sabendo todos que a lei não pode prever todos os casos, e cada caso é um caso, utilizam este clausulado como uma régua. Tanto faz que o proprietário receba de renda 5 como 250 euros. Para estas pessoas é tudo igual. É comum responderem aos senhorios com a frase lapidar: “é a lei! É a lei! E a lei é para se cumprir!”.
Na minha óptica, actuam muitas vezes com parcialidade. Não que, na maioria dos casos, este facciosismo seja intencional, mas, sobretudo, porque continuam agarrados à vulgata de que quem é proprietário é rico e tem poder –aforismo criado no Estado Novo e estigmatizado na Revolução dos Cravos. E, nesta errada percepção imanente de justiça, tornam-se justicialistas. Sem tomarem noção, acabam por pender imediatamente para o lado do inquilino “coitadinho, pobre e explorado, pelo mauzão do senhorio”.
Raramente tentam uma reunião conjunta de contraditório entre os contraentes em conflito.
Quase nunca interrogam um proprietário acerca das razões que estão por detrás da sua não decisão de revitalizar o seu prédio.
As comunicações entre a autarquia e os donos dos edificados são quase sempre feitas através de comunicações postais. E mesmo quando o proprietário se desloca a estes departamentos de habitação é quase sempre recebido já com um apriorismo pré-concebido. É como se, entre o técnico e aquele, existisse uma vidraça a separá-los.
Não admira, portanto, que as autarquias mantenham os seus centros históricos no estado miserável em que se encontram.
Por tudo o que ficou escrito, pela muita culpa de uma visão estreita e facciosa do legislador –que apesar de a classe de proprietários, hoje, ser maioritária no país- que continua a usar o inquilino como instrumento de voto, mas também pela visão comodista e injusta das autarquias –que desonerando-se de uma obrigação de meter as mãos na massa, atendem apenas as razões de uma parte-, infelizmente tudo vai continuar na mesma.

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