sábado, 2 de junho de 2007

COIMBRA: UM ESPELHO NA ALIANÇA

COIMBRA : UM ESPINHO NA ALIANÇA

Sempre me causou alguma incompreensão o facto de a imprensa escrita dar uma exagerada e completa cobertura, muitas vezes semanal, a alguns políticos.
Salvo raríssimas excepções, as suas ladainhas auto-bajolativas, egocêntricas e tecnocráticas, são sempre de forte inclinação partidária. Raramente vemos a sinceridade do homem societário, de vistas largas, da polis, pelo contrário, o que vemos normalmente é a opinião propagandística e panfletária do partido a que pertencem. Se estão no poder, os seus escritos são uma verdade imanente, dogmas sem discussão, afirmações de seres metafísicos que nunca se enganam. Erros a existirem devem-se aos seu antecessores. Se estão na oposição, é um descarregar constante de veneno maledicente sobre os novos locatários do poder, acusando-os, sobretudo, de desleixo, gestão danosa da coisa pública e, sobretudo, de autismo perante os problemas mais prementes da sociedade.
Vem esta introdução a propósito de uma carta publicada no Jornal Público, no dia 8 do corrente, assinada pelo vereador do pelouro da habitação, Dr. Jorge Gouveia Monteiro, e com o título Reabilitação da baixa de Coimbra.
Começa, no referido texto, o vereador comunista, com pelouro atribuído pela coligação PSD/CDS-PP por explanar o seu exemplar trabalho à frente do departamento de habitação da Câmara Municipal de Coimbra, como que a desresponsabilizar-se, perante os conimbricenses, perante o desmoronamento de dois prédios na Rua dos Gatos, no dia 1 de Dezembro, passado.E, evidentemente, sem esquecer o bom trabalho que têm sido feito pela coligação a que pertence, recorrendo ao elogio fácil, quer ao executivo autárquico, quer ao engº Fernando Repolho, que, recorde-se, era o responsável pela Divisão de Reabilitação de Edifícios, adstrita ao Departamento de Habitação desta Câmara, aquando do cataclismo e que, após o desmoronamento, cessou a sua comissão de serviço.
Continua o Sr. Vereador a lamentar a estrita limitação do quadro jurídica vigente, relativo aos Centros históricos, em que no seu entender as autarquias deveriam ter plenos poderes para intervir no interior das habitações. Pondo até em causa o direito de propriedade, quando afirma que” na nossa sociedade, tende a haver ainda uma noção da propriedade como algo de sagrado”.Devemos inferir das suas palavras que este direito fundamental exarado da Revolução francesa, em 1789, está caduco e, como tal, as autarquias, arbitrariamente, deveriam poder recorrer às expropriações mais facilmente. Este instituto expropriativo, sendo excepcional, deveria deixar de o ser, para que as câmaras municipais, que já são o maior proprietário imobiliário do país, mais facilmente recorressem a um enriquecimento sem causa desenfreado.
Continua o sr. Vereador a culpar os anteriores executivos, a partir de 1976, e a acusá-los de negligência e apatia perante a reabilitação da baixa. Realmente, aqui tenho de lhe dar razão: a baixinha tem sido negativamente um balão de ensaio para os sucessivos executivos. A começar em Mendes Silva, com a supressão assassina dos velhos eléctricos; continuando com Manuel Machado ao encerrar ao trânsito as Ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz –contribuindo para a desertificação comercial destas artérias, nomeadamente farmácias e consultórios médicos -e mandando executar o projecto de alteração da Praça 8 de Maio.Projecto este, inquinado desde a nascença, levando a sucessivos desmanchos, quer pelo piso em pedra de Ançã, quer pelas rampas de discutível mobilidade. Assim como o aborto construído no Largo das Olarias (antigo bota-a-baixo), de gosto arquitectónico discutível e que deveria ter dado lugar a uma praça, com parque de estacionamento subterrâneo.
Seguindo-se o actual presidente Carlos Encarnação que, ao autorizar, as demolições para passagem do metro de superfície, com show-off, em tempo de eleições, e sabendo não haver acordo entre as autarquias associadas da Metro-Mondego, contribuiu, como já alguém afirmou, para a pior amputação do centro-histórico coimbrão, depois de Salazar o ter feito na Alta. Ora aqui, neste processo , o sr. Verador tem responsabilidades políticas, económicas e sociais. Não pode escamotear a questão, passando a bola para os antecessores. Políticas, porque fazendo parte do executivo, nunca se lhe ouviu uma reprovação acerca deste projecto, que até prova em contrário é fantasma. Pode o sr. Vereador garantir que vai haver metro? E se, por acaso houver, pode garantir a sua viabilidade?
Responsabilidade económica: quanto vai custar ao erário público estas demolições? Seria bom que respondesse e mostrasse aos conimbricenses que este projecto destrutivo do casario pós-medieval, não passa de um desvairio monumental, de fúria irracional contra a história desta cidade, tendo em conta o seu imprevísivel objecto e só tem sido bom para as sucessivas administrações da Sociedade Metro-Mondego.
Responsabilidade social: é vergonhosa a forma, e a substância, como têm sido tratados administrativamente os moradores e comerciantes desta zona em desconstrução. Se alguém condenava Salazar pelas aberrações e iniquidades da Alta, certamente, perante estes factos, mais facilmente lhe perdoará.
E, como não podia deixar de ser, o sr vereador Gouveia Monteiro, descarrega toda a sua frustração preconceituosa nos proprietários dos edifícios. A eles se deve a negligência , a incúria e a responsabilidade da degradação de toda esta parte histórica da cidade. Nem uma única vez tem a honestidade intelectual de referir a maioria de rendas baixíssimas, algumas de 5 e 10 euros. Esquceu-se também de referir que o Novo Regime de Arrendamento Urbano mais não é do que uma armadilha para os proprietários, ao obrigá-los a requerer uma avaliação do estado do imóvel às Comissões Arbitrais Municipais (CAM) e, com esse acto, actualizar as matrizes, subcarregando-os com mais imposto municipal – que diga-se a propósito, segundo o Público de 28 de Dezembro, passados seis meses da entrada em vigor da nova legislação, só uma CAM foi constituída: a da Câmara.Municipal de Lisboa. Ora diga então, com uma renda de 5 euros quem pode fazer obras? E se o inquilino tiver mais de 65 anos, como é a maioria, cuja actualização tem um prazo de 10 anos e não podendo exceder o tecto máximo de 50 Euros mensal? Pode fazer obras? Pode, se for à custa do erário público, como faz o Sr. Vereador. Mas quando publicita tais obras coercivas refira a renda que era paga ao senhorio e, em algumas casas, com mais de uma dezena de divisões, eram (e são) arrendados quartos. E admira-se que os proprietários estejam à espera que o prédio caia ou que o inquilino morra? Nunca refere que os executivos camarários, através de aprovações dos PDM, criando novas centralidades, têm vindo a esvaziar consequtivamente o centro histórico e tornando-o cada vez mais terra –de- ninguém, onde impera o desalento, o abandono, a desertifi-
cação e a sujidade, têm uma responsabilidade acrescida?
Respondendo ao repto lançado nesse seu artigo –“de que seria interessante pôr, lado a lado, em debate, proprietários que fizeram belíssimas recuperações nos seus imóveis e esses outros que teimam em se escudar no silêncio (…)”- embora nunca me escudasse no silêncio, estou completamente disponível, desde que a Câmara seja parte interveniente neste debate.


LUIS FERNANDES
(COIMBRA)

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