segunda-feira, 24 de agosto de 2009
UM PAÍS DE BRANDOS COSTUMES
Enquanto estava a surripiar esta bela foto –“O cabrão que tirar o cadeado…”-, captada em Vila Real, ao meu vizinho do lado, o blogue “O Jumento”-, lembrei-me o quanto somos um povo cordato e respeitador do trabalho e de profissões alheias. Logo a começar por mim. Basta ver o modo como o refiro. A minha gentileza, o sorriso nos meus lábios, a subtileza no acto de furtar. Vê-se logo que sou mesmo um cavalheiro, pensa você. Pois sou. Ai, isso sou. Mas não se pense que sou caso único. De modo algum. Limito-me a seguir os nossos ancestrais no procedimento. Há de tudo. Há aqueles cavalheiros que escalam e visitam casas sem serem convidados, e, esquecendo-se, deixam lá dentro um cartão que os pode identificar. Se não tiverem cartões deixam um livro com um carimbo onde foi requisitado. Há também aqueles que fazem umas investidas mais agressivas e, no fim, pedem desculpa pelo acto. Há também outros que ao assaltarem um banco –copiando John Dillinger, recentemente passado no cinema com Johnny Depp- para além de não roubarem os clientes, se preciso for, ainda os ajudam.
Não haverá estudos sobre a matéria em Portugal, mas se os houver, de certeza absoluta que os casos de grande violência são a excepção. Há sim uma espécie de código de honra, como de “ladrão não bate a ladrão”. Se a isso for obrigado, pela necessidade, é sempre feito com luvas brancas de veludo para não magoar. No fundo andamos todos por cá ao mesmo. Embora, diga-se, futuramente a concorrência deverá descambar. É que começa a ser difícil de exercer esta profissão. Começa a não haver muito que roubar perante um país com tão grandes cérebros e vocacionado para tão nobre arte. Além disso, as pratas e os cordões de ouro já há muito que estão no prego. Começa mesmo a ser complicado exercer esta forma de vida. O difícil é largá-la. Está impregnada nos nossos ossos, já vem nos cromossomas, no tal cartão genético. Já há quem defenda que o governo deveria intervir legislativamente. Ora se as leis invadem tudo por que razão não há-de ser a “arte de furtar” legislada? É que começa a ser mesmo imperioso. A continuar assim até pode haver mortes dentro da classe. E até é fácil de dirimir este conflito: planeia-se o ano consoante a inicial do primeiro nome. Criava-se um novo PIDAC, Plano de Intrusão Dentro da Administração Central. A partir daqui, localmente, as autarquias fariam o resto. Estou certo, não estou? Pois estou. Ou há ordem ou comem só alguns.
Continuando a mostrar o cavalheirismo existente entre agressor e vítimas, somos mesmo um povo digno de nota “bom com distinção” dentro da universalidade. Veja-se este caso anunciado hoje na imprensa: “Espiões a caminho da administração pública”. Isto não é um miminho? Ah, pois é. Isto é que é delicadeza. O SIS, Serviço de Informações da República, e o SIED, Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, agindo em conjunto para infiltrarem agentes não identificados na Administração Pública, antes de o fazer avisam. Sim, senhor! Depois estas más-línguas do costume vêm brandir ferros e coiratos contra quem é tão cavalheiro. Afinal estão a seguir à linha a “Guerra de 1908” de Raul Solnado. Está ou não está bem? Claro que está. O cavalheirismo deve estar em todos os actos administrativos.
Continuando a mostrar mais exemplos de delicadeza, atente-se nas três fotos de cima. Veja a primeira imagem, retirada aqui em Coimbra, de uma tabacaria, na Rua dos Oleiros, “ Senhor Ladrão, informo que não há nesta loja tabaco ou moedas”. Esta mensagem é linda. É da mais profunda solidariedade por quem anda no gamanço, trabalhando de noite, temendo assaltar um qualquer estabelecimento e não levar nada depois do esforço. Não é que tenha qualquer risco, nada disso. Hoje, ir ao barbeiro fazer a barba e ser cortado no pescoço envolve maior risco que assaltar uma qualquer loja de bairro. Não há perigo nenhum. De ser apanhado em flagrante, até dá vontade de rir. De se ferir nos vidros muito menos. Apanha-se um qualquer paralelepípedo e, atira-se, pronto! O desaire maior é não se levar nada. Ora, esta comerciante –porque é uma senhora, vê-se logo- trata logo de avisar os meliantes. Nesta mensagem é como se lhes dissesse: “ Não percam tempo aqui, isto já deu… já foi”. É ou não bonito? É mais: é divinal.
Vejam a segunda imagem que também roubei por aqui na net, “Senhor Ladrão” –mais uma vez o respeitinho por quem dobra a mola- “solicito que após furtar-me de novo ofereça o produto a mim mesmo! Comprar de novo no mercado legal custa muito caro e sei que o senhor vende baratinho. Prometo sigilo absoluto, pois não desejo ser preso por receptação de produto furtado. Certo da sua compreensão, aguardo. Tratar aqui. Obs. Favor não roubar a faixa!!!”. Ora –e esta…hem?, como diria Fernando Peça- aqui está o verdadeiro gesto altruísta de quem, pelo hábito, presumivelmente será roubado e, sem precedentes, num país católico, dá a possibilidade ao ladrão de ficar em paz com a sua consciência. É ou não encantador? Pois é. É nestes sinais simples que se vê a composição de um povo tolerante e compreensivo perante a desgraça normal que se abate todos os dias sobre a propriedade.
Passemos à terceira foto, que roubei num blogue aqui ao lado. Já disse. O que se lê lá? “O Cabrão que tirar o “cadiado” parto-lhe os cornos. Filho de Puta”. Lindo…lindo…de morrer. Isto é verdadeira poesia. Somos mesmo um país de poetas e prosadores. Mais uma vez, depara-se-nos aqui o respeitinho pelo próximo, a virtude de avisar quem anda a labutar arduamente. Sim, porque o dono desta propriedade poderia perfeitamente não dizer nada. Colocava-se atrás da porta, com uma caçadeira de canos cerrados e pumba! Lá ia mais um colega, um pobre trabalhador da noite para os anjinhos. Assim não. Numa pedagogia, elevada ao superlativo absoluto, esta próxima vítima adverte: “se vieres cá, parto-te os cornos, filho da puta”. É ou não é arrasadora esta frase? Pois é. Além de mais, numa mimética de igualdade, sem discriminação, ao apodar o próximo de tão elevados adjectivos, está a considerar o trabalhador da noite como um dos seus. Em silogismo, quer dizer que somos mesmo uma nação de “cornudos e filhos de puta”, sem ofensa para si que, aparentemente, parece estar a compreender alguma coisa do que estou a escrever, o que quero explanar aplica-se só para os “outros”. Estou a ser claro?
Somos ou não somos um país de brandos costumes?
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2 comentários:
Caro amigo,
Inadevertidamente apaguei o seu comentário. Aqui fica o pedido de desculpas.
Ora amigo. Por quem é. Deixe lá isso. Também não se perdeu nada. Metaforicamente, só para perceber, era uma espécie de zurrar de um jumento.
Falando sério, obrigado por ter comunicado.
Abraço.
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