quinta-feira, 20 de agosto de 2009

BAIXA: O HOMEM QUE ASPIRA NÃO ASPIRAR







 Certamente, quem percorre diariamente estas ruas estreitas, já deu de caras com ele. Nem que fosse pelo barulho arrastado da máquina aspiradora.
Chama-se António Abílio. Tem 32 anos. É natural de Pouca Pena, Soure. É um homem tímido, nota-se, mas educado. Como todos os introvertidos, depois de ganhar confiança não pára de falar. É funcionário da ERSUC, Empresa de Resíduos Sólidos Urbanos de Coimbra, há cerca de uma década. Começou por andar a recolher o lixo nos camiões da empresa, mas, depois, foi colocado neste serviço de limpeza diária no centro histórico.
Gosta do que faz, diz-me em desabafo, “claro que, como qualquer pessoa, aspiro a mais. Mas uma coisa é desejar, outra é ter possibilidades de concretizar o sonho. Mas gosto do meu serviço”, enfatiza.
Quando lhe pergunto se os comerciantes respeitam o seu serviço, se são simpáticos para com ele, responde: “olhe, a maioria é. Outros nem por isso. Alguns queixam-se de tudo. Ora do pó, ora que faz barulho. Sabe?, andam arreliados com a vida, e depois têm que descarregar em alguém. Mas temos que viver com todos, não é? Por exemplo, tenho aqui um comerciante que se não passar todos os dias à porta dele, e aspirar, já sei, está logo a telefonar para o serviço e a fazer a reclamação. Ainda ontem tive uma chatice com um candidato a uma destas (duas) juntas de freguesia. Queria a todo o custo que eu aspirasse uns sacos de plástico e uns detritos que a máquina não consegue sugar por ser já um pouco velha. Está cansada, sabe? As máquinas são como os humanos, aos poucos vão ficando debilitadas. E eu sei quando ela precisa de ajuda, eu sou o seu “médico”. Limpo-a toda, retiro-lhe a corrente, oleio-a. Há entre nós uma relação, quase pessoal, de clínico e paciente, entende?”.
Despede-se então com “até amanhã, se Deus quiser, tenho de ir aspirar lá o beco do tal fulano, não me posso esquecer mesmo. Além disso, também não posso estar muito tempo parado…vou andando. Obrigado. Não vai escrever nada de mal, pois não? Eu conheço-o há muitos anos. Sempre o tratei bem…não tratei?”.
Liga a máquina, ajeita o boné, compõe os óculos e aí vai aspirando o lixo que outros, quase em provocação, displicentemente deitam para o chão. Sabe-se lá quantos sonhos, dentro da sua cabeça, não aspirará ele…

2 comentários:

Anónimo disse...

Esta de um dos candidatos a uma das Juntas de Freguesia se incomodarem com o trabalho do Abilio é de rir. Provavelmente durante o ano ou anos nunca se preocuparam com o estado de limpeza da Baixa e agora vêm armados em patrões do funcionário da ERSUC, que bem ou mal faz o melhor que sabe. Para esses candidatos deveria haver eleiçóes com maior assuidade para se preocuparem com a limpeza.Passadas as eleições, tudo lhes esquecerá.
É pena o trabalhador não mencionar o nome destes candidatos, porque outros se iriam rir.
Ao ridiculo que isto chegou.

LUIS FERNANDES disse...

Obrigado por ter comentado.
Abraço.