(ERA JUNTO A ESTA PONTE QUE SE LOCALIZAVA O ANCORADOURO -foto retirada do álbum de BCantante, "Coimbra de outros tempos")
Citando o blogue de Fernando Peneiras, “O Rio Mondego foi no passado uma via fluvial muito importante, desempenhando um papel de relevo no comércio da região. Penacova estava integrada no percurso fluvial, com vários portos, sendo a Raiva o mais importante centro de embarque e desembarque de produtos.
A vida de muitos habitantes da região, sobretudo das povoações ribeirinhas, estava intimamente ligada ao rio. Como afirmou António Luís de Sousa Henriques Seco, nas “Memórias Histórico-chorográphica do distrito de Coimbra, “ a indústria principal do concelho é a navegação do Mondego, a que se entrega grande parte dos seus naturaes, conduzindo do centro da província para a Figueira da Foz ou d’esta para aquella particularmente estes géneros: sal, vinho, azeite, além de outros effeitos”.
Continuando a citar Fernando Peneiras, “A barca serrana era o meio de transporte destas mercadorias e pessoas, entre Penacova, Coimbra e Figueira da Foz. Esta barca terá sido inspirada em modelos da Mesopotâmia e é da família dos barcos da ria de Aveiro.
O nome “serrana” deve-se ao facto de ir da serra carregada de lenha, carqueja e ramalheira, que era vendida ao cento para os fornos das padarias. Para além destes produtos, eram levados para Coimbra e Figueira da Foz; vinho, milho, azeite, carvão vegetal, telha e cal. Na volta vinha carregada de sal, peixe, arroz e louça”.
Segundo o blogue “Espreita.Delas”, a “barca serrana era uma embarcação que media usualmente entre os 17 e 22 metros de comprimento por 2,40 de largura. Possuía o fundo chato de forma a facilitar a passagem pelos baixios e era utilizada sobretudo para a navegação ao longo do rio, num trajecto que mediava entre a região de Penacova e a Figueira. Com capacidade para efectuar o transporte de cargas até 15000 quilos, aproximadamente. Esta caracterizava-se ainda pelas extremidades em bico de ponta levantada e pela possibilidade de montagem de uma vela de lona em tons de branco, que se apoiava num mastro que poderia atingir os 8 metros de altura e que substituía os remos ou a vara na propulsão da barca”.
A razão deste apontamento, já tão bem tratado pelas pelos blogues que cito, vem do facto de, em conversa com um antigo residente no Largo da Freiria, o senhor Emídio, um simpático septuagenário, nascido em 1929, me contar pequenos episódios que complementam a história da barca serrana e a sua influência que teve na economia da cidade Coimbra.
Relatou-me então o meu amigo Emídio que as barcas serranas, oriundas sobretudo de Penacova, vinham carregadas de urzes e eram descarregadas no porto de embarque, no Largo da Portagem, em frente ao Turismo. Estas urzes ou carqueja destinavam-se às padarias de Coimbra, mas, ele lembra-se bem, sobretudo à Padaria Popular, do doutor Bela, no Largo da Freiria. Normalmente a tripulação destas barcas era constituída por 6 homens e várias mulheres. Depois de aportarem na Portagem, os homens faziam a distribuição pela cidade, transportando às costas as urzes, e as mulheres, junto à barca, em terra, acendendo uma fogueira, faziam o almoço. No regresso a casa levavam roupa suja da cidade, em trouxas, que, depois de lavadas, eram entregues na semana seguinte.
Um facto histórico interessante, os barqueiros, resultado da pobreza existente na década de 1940, de calças arregaçadas, andavam sempre descalços. Então, numa norma legislativa difícil de entender, uma vez que não eram propiciados os meios, Salazar, nesta década da Segunda Grande Guerra, proibiu os “pés descalços”. Vai daí, num desenrasque típico do português, ao mesmo tempo que alguém ganhava dinheiro à custa desta iniquidade, para contornar a lei, nasceu uma “fábrica” de alpercatas no Largo da Fornalhinha. Estas alpercatas não eram mais de que um tosco rasto de sola com uma tira para introduzir o dedo grande do pé. Ou seja, na prática, fugia-se à multa mas não se evitava o frio e a miséria que estes barqueiros trabalhadores passavam. A quem cabia verificar se a lei era cumprida, nesta parte histórica da cidade, era ao polícia “31”. Um bom homem, que muitas vezes, em face da indigência daqueles trabalhadores, “fechou os olhos” a tanto incumprimento da lei.
Uma pergunta que certamente nos ocorre é como regressavam a Penacova as barcas em caso de falta de vento? É que sabendo que Penacova é a montante de Coimbra, isto é, a barca ao regressar mareava em contracorrente, e sendo as barcas pesadíssimas e de médio porte, como era possível ultrapassar os ditames da natureza?
Responde o meu amigo Emídio: “como a tripulação era habitualmente constituída por 6 homens, ao subir o rio, em direcção à Portela, em caso de carência de vento, quatro homens, depois de amarrarem uma corda no bico da ponta levantada, saltavam para a margem e à força de braços puxavam o barco –esta actividade esforçada era conhecida como puxar o barco "à sirga”. Dos dois restantes tripulantes, dentro da barca, um ocupava-se do leme e outro fazia força na vara para impulsionar a embarcação”.
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