quinta-feira, 2 de outubro de 2008

BAIXA: O SALÃO BRAZIL



 Falar neste antigo salão de bilhares é reviver memórias do Centro Histórico. Na sua época áurea, até meados da década de oitenta, do século passado, o Salão Brazil e a Baixa caminhavam lado-a-lado. Nesse tempo, este primeiro-andar, no Largo do Poço, era o catalizador, o modelo que mostrava as alterações, no interagir desta zona da cidade, embora, aparentemente, tudo se mantivesse igual, sem reacção. Era aqui que confluíam todas as classes sociais da cidade, desde o “Zé dos alicates”, o “Zé cigano”, o João, hoje médico, com as suas habilidades exímias no bilhar, o Romão, o João das Galerias Coimbra, e outros que não lembro. No pano verde do Snooker, a jogar à “pool”, à “série”, ou à “seguidinha”, não havia diferenças classicistas. Desde que se tivesse dinheiro e se cumprisse as regras, qualquer um podia ser comparte em qualquer um daqueles jogos. Sobretudo das 13 às 15 horas, horário do encerramento do comércio para almoço, e depois das 19 horas.
Após o fecho das lojas, o Salão Brazil novamente tomava a efervescência das bolsas de Nova Yorque. A controlar o movimento, o velho Juvenal, regulador do índice Dow Jones. Se ele estava presente o índice subia, se hipoteticamente ele faltasse uma qualquer vez, o ambiente iniciava uma queda de vários pontos. Embora, saliente-se, ao longo da sua vida profissional à frente deste salão de bilhares, tenho a certeza que era possível contar pelos dedos das mãos as vezes que ele faltou ao trabalho.
Falar do velho Juvenal não é fácil. Não porque ele fosse um personagem interactivo com a heterogénea clientela. Nada disso. Era um homem bom, pacato, simples, e que falava pouco. Naquele salão todos os frequentadores sentiam que aquele homem simbolizava o respeito. Para além de facilitar o pagamento de uma bica e um bolo, porque no momento não havia dinheiro, era um bom ouvinte. Naquele espaço de tertúlia comunitária e de jogos, aquele homem, quase iletrado, era o ombro amigo, o psicólogo, o animador social. Ai de quem faltasse ao respeito ao senhor Juvenal. Se, por exemplo, aparecesse uma cara nova no salão e se começasse a “armar”, a clientela diária, como polícia de costumes, mantinham-no “debaixo de olho” e, ao mínimo deslize, os tacos de jogar bilhar virados ao contrário, depressa se tornavam cacetes de basebol.
O velho Juvenal morreu velhinho, há cerca de 15 anos. Certamente por coincidência, com o seu desaparecimento, o velho salão encerrou e a Baixa, como sentindo a sua falta, numa solidão continuada e carregada de uma inultrapassável dor, iniciou o seu declínio.
Há cerca de quatro anos, como que a iniciar a recuperação desta zona monumental, o Telmo (o actual dono), conjuntamente com o “Manel”, reabriram o Salão Brazil. De uma forma inteligente, uma vez que os computadores fizeram passar à história os jogos de salão, arrumaram os velhos Snookeres, deixando apenas um para memória futura, e fizeram um bonito restaurante “art Deco”. Para além disso, estabeleceram um protocolo com o Clube Jazz ao Centro, sob a direcção de Pedro Rocha Santos, e hoje o Salão Brazil, com o seu arrojo vanguardista, é um bom exemplo de uma revivificação que se deseja para a Baixa.
O Salão Brazil pode perfeitamente ser para esta ínclita zona comercial o início de uma recuperação que todos desejam, a frente de uma guarda avançada, a renovação de um marasmo que urge abanar.
Tenho a certeza que o espírito do velho Juvenal, esteja onde estiver, estará a torcer pelo sucesso do seu antigo companheiro de vida, o seu amado salão, e pela revitalização da Baixa de Coimbra.
Uma lágrima de saudade pelo velho Juvenal.

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