sexta-feira, 10 de outubro de 2008

CHORAI, CROCODILOS, CHORAI!, COIMBRINHAS, COIMBRÕES E OUTROS VENDILHÕES


(FOTOS RETIRADAS, COM A DEVIDA VÉNIA, DO BLOGUE "NATUREZA NATURADA")




 Segundo o Diário as Beiras, de hoje e com o título “Aviões na Avenida”, coadjuvado com uma foto de um avião e acompanhado por elementos fardados da Força Aérea, pode ler-se: “Para as pessoas que, anteontem de manhã, passaram na Avenida Afonso Henriques, o cenário não podia ser mais surpreendente: aviões em miniatura saíram de uma garagem e foram carregados em viaturas militares, da Força Aérea. Afinal, tratou-se da entrega ao Museu do Ar, em Alverca, de aeronaves que até agora estiveram à guarda do defunto Museu Nacional da Ciência e da Técnica”.
Com algum conhecimento de causa eu corrijo o jornalista. As aeronaves em causa não estavam à guarda do defunto Museu Nacional da ciência e da Técnica. Estes aviões eram propriedade, tinham sido doados e faziam parte do acervo do Museu Nacional da Ciência e da Técnica Doutor Mário Silva, agora defunto (como escreveu o jornalista), enterrado, decepado, desprezado, ou escandalosamente desmantelado e o seu espólio furtado à cidade para ser distribuído por outros museus nacionais.
Sem me alongar muito, porque, sinceramente, é tão grande o meu escárnio, a minha indignação, que até me faltam as palavras. Mas, para o leitor compreender, tenho mesmo de pedir um pouco da sua paciência.
Em Fevereiro, deste ano, como, profissionalmente, estou ligado a artes, alguém me contactou e me fez a seguinte interrogação: “Olhe lá, sabia que o “recheio” do encerrado Museu Nacional da Ciência e da Técnica vai ser vendido para a sucata? Porque é que você não compra este valiosíssimo espólio?”. Perante o meu cepticismo –eu só podia achar que aquela pessoa estava a brincar comigo- o indivíduo insistia que era verdade o que afirmava.
Porque conhecia relativamente o museu e quase todos os seus funcionários, no dia seguinte fui ao colégio de S. Gerónimo, nos hospitais velhos, e, in loco, verifiquei que apenas algumas peças museológicas se encontravam nos claustros sujeitas à intempérie. O restante acervo, distribuído naquele colégio, na Rua dos Coutinhos, na Avenida Afonso Henriques, na antiga estrada de Lisboa e na Malaposta do Carqueijo, constatei que estava bem protegido. Conheci então o drama de sete funcionários daquele museu que, embora a receber, estavam “emparteleirados” há cerca de dois anos, isto é, como o museu estava encerrado há esse par de anos, directamente ninguém lhes dava que fazer no dia-a-dia, nem sabiam nada acerca do futuro que os esperava. Compareciam ao serviço e depois, ao longo do seu horário, cada um tratava de arranjar ocupação. Uns fotografavam peças, outros limpavam o pó, etc.
Nesse mesmo Fevereiro, num debate sobre cultura no Teatro de Gil Vicente, promovido pelos denominados “amigos da cultura”, denunciei o abandono da obra do grande físico Doutor Mário Silva, acto que considerei um escândalo numa cidade que se diz de cultura e, ainda por cima, quando um grupo de intelectuais gera um reivindicador programa unificado em torno da cultura (que não se faz) na cidade.
Dos oradores presentes, entre eles o pró-reitor para a cultura da Universidade de Coimbra, e também subscritor do movimento, José António Bandeirinha, recebi um “nin”, como quem diz nada respondeu. O único presente na sala do Gil Vicente que se manifestou, e que pegando nas minhas palavras de agastamento, foi o professor Reis Torgal.
A partir daí, como alma penada, tentei sensibilizar os cidadãos de Coimbra para o eminente desmantelamento de um grandioso acervo e falta de vergonha para a memória de uma pessoa que tanto sofreu, através das perseguições da Pide, para concretizar o seu sonho de ter um museu da ciência e da técnica na cidade, que foi o Doutor Mário Silva.
Escrevi nos jornais da cidade; fui à Assembleia Municipal da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), fui à reunião do Executivo, passei a mensagem ao coordenador da RTP-Coimbra, que gentilmente enviou uma jornalista a entrevistar todos os envolvidos, desde o presidente da Câmara, ao Reitor da Universidade, a figuras de renome como Carlos Fiolhais, e realizou um sério e belíssimo trabalho radiofónico na "Antena 1". Fui duas vezes ao Rádio Clube de Coimbra, e, para além disso, um amigo, que não conheço pessoalmente, Victor Ramalho, do Blogue “Alma Pátria”, propôs-se a elaborar uma petição na Internet a favor da continuação deste extraordinário museu.
Sabe quantas assinaturas recolheu a Web até hoje para manter o MUSEU NACIONAL DA CIÊNCIA E DA TÉCNICA DOUTOR MÁRIO SILVA aberto ao público na cidade de Coimbra, e com todo o seu extraordinário acervo na cidade-berço dos estudantes? Não se ria que o caso é sério. Apenas subscreveram a petição online…79 pessoas!
Só para comparar, a subscrição dos “amigos da cultura”, também na Internet, que, quanto a mim, era um movimento político-partidário, de agitação política, cujo único fim era degradar a imagem do vereador da cultura da CMC, Mário Nunes, sabe quantas pessoas se indignaram? 1183! É ilustrativo, não acha? Quer dizer um texto reivindicativo de uma cultura virtual tem o apoio de mais de um milhar de pessoas. Um acção material de lesa-cultura, que para além de denegrir a homenagem que deveria ser merecida dum reconhecido físico mundial, Doutor Mário Silva, que chegou a trabalhar com o casal Curie, em Paris, e tanto fez por uma disciplina quase inexistente em Portugal, a isso, os coimbrinhas, os coimbrões (e outros cabrões, que até me provocam repulsa) encolheram os ombros.
Pois meu leitor amigo, aí está o resultado. Agora foram as avionetas para Alverca, amanhã outras peças valiosíssimas seguirão para outros museus no país. O restante, não será difícil de adivinhar, o seu destino, provavelmente, será a sucata. Afinal o meu amigo, que me alertou para a compra, em Fevereiro, estava mesmo certo.
Estou tão irritado, por fazer parte de uma cidade assim, que nem uma dúzia de asneiras, em chorrilho, me alivia a dor. Fico-me numa exclamação firme mas suave: MISERÁVEIS.

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