Na última sexta-feira, fomos surpreendidos por uma carta no “Fala o Leitor” do Diário
de Coimbra, assinada por Olímpio Fernandes (OF), em que dava conta do
desaparecimento súbito de José Rasteiro, mais conhecido por “Zé Cabeleireiro”.
Naturalmente que, por direito
próprio conquistado ao longo de várias décadas de trabalho no Centro Histórico, legitimamente, o “Zé” merece fazer parte deste mural humilde que se tenta retratar semanalmente neste blogue. Embora já tivessem
sido muito bem contados retalhos da sua vida pelo colega de profissão, OF, em sentida homenagem,
fui falar com o seu filho, José da Silva Rasteiro. Segundo o seu primogénito, “o
meu querido pai fazia parte de uma geração que sofreu muito. Nasceu em 1945, em
Pereira, no armistício da Segunda Guerra Mundial. Os meus avós eram muito
pobres e trabalhavam nos campos do Mondego, à jeira e de sol a sol. Devido à
carência da casa onde viu a luz, o meu progenitor frequentou um albergue na
zona de São Martinho do Bispo –provavelmente o Albergue Distrital de Coimbra
onde, citando OF, “conheceu um senhor de nome Pinto que lhe ensinou a fazer
umas barbas e uns cortes de cabelo”-, ainda miúdo, transitou para um café da
Baixa como grumete –certamente o Arcádia, do José Maria Cerveira. Foi ao levar
galões e torradas ao Salão Azul que o dono, o senhor Tozé se apercebeu da sua habilidade para os cabelos de senhora e
lhe propôs emprego. Por alturas de 1970, estabeleceu-se como profissional por
conta própria e com estabelecimento na Rua Ferreira Borges, por cima da antiga
Farmácia Donato e agora Giovanni Galli. Ali permaneceu até meados da década de 1990 e se transferiu para a Avenida Afonso Henriques, onde continuamos hoje”.
Continua, Silva Rasteiro, “a decisão
de retirar o trânsito das ruas da calçada foi fatal para o movimento da Baixa.
O meu pai pensava assim e eu, igualmente, tenho a mesma convicção.
O meu querido criador tinha um
coração de ouro. Fez bem a muita gente. Nunca dizia não a ninguém. Deu tudo o
que não teve aos filhos. Era um bom pai. A sua partida repentina e sem avisar
deixa-me um rasgo lancinante de dor.”
Ao interrogar o Rasteiro sobre se
a nefasta decisão do seu pai estaria directamente ligada à doença mental degenerativa
de sua mãe respondeu assim: “tenho quase a certeza de que não foi apenas a
demência da minha familiar que precipitou o seu acto derradeiro. Poderia ter contribuído,
isso sim. Mas foi também a sua frustração, o desânimo, a falta de esperança e o
descrédito num futuro que não se vê para quem sempre trabalhou desde infante e
hoje se sente perdido neste infinito oceano de tempestade social.”
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