Por desejo manifesto em vida,
Daniel Tibério, o meu amigo desaparecido do mundo dos vivos na semana passada,
foi cremado na Figueira da Foz. De acordo com a família, era intenção jogar as
cinzas ao mar. No entanto, antes de o fazer, ficámos a saber que, cumprindo com
a legislação em vigor, teríamos de pedir autorização à capitania do porto da
praia da claridade. Imaginando um processo burocrático moroso, optámos por
trazer o pequeno pote com os restos mortais do meu amigo para Coimbra e, numa
parte afastada da cidade, lançá-los ao rio. Na hora de o fazer questionámos se
seria certo, por um lado, conspurcar o leito, por outro se, jogando o pó ao
vento como coisa desprezível, não seria um acto desrespeitoso pela memória do
Daniel. Entre balanços de religiosidade entre ateus e agnósticos, entendemos
que o sítio certo para descanso de restos mortais é mesmo um necrotério, o
local ideal para os defuntos. Fomos ao cemitério da Conchada para que nos fosse
concedida autorização para despejar as cinzas dentro do espaço e num pequeno
terreno anexo para este efeito. Segundo a funcionária camarária, Alexandra
France, “o regulamento do cemitério não prevê o despejo de cinzas, excepto se o
finado tiver ali alguém enterrado ou com jazigo. Não temos cendrários.”
Como não tínhamos ali nenhum ente
depositado e por estarmos imbuídos da certeza de que o nosso amigo deveria
repousar na terra do jardim da memória, e não queríamos abandonar a sua última
recordação corpórea em qualquer pinhal, partimos em direcção do Crematório do
Complexo Funerário da Figueira da Foz onde, relembro, no dia anterior tinha
sido cremado. Contactada a recepção foi-nos dito que para colocar o interior do
pequeno pote numa pequena cova de um terreno relvado, adjacente ao cemitério e
sem qualquer identificação, só o poderíamos fazer contra o pagamento de 61,50
euros, 50 mais IVA. Naturalmente, que, mesmo não entendendo estes critérios tão
onerosos, pagámos e o nosso amigo, temos a convicção, descansa em paz.
Deixo apenas três interrogações:
estes procedimentos de alheamento do Cemitério da Conchada, em Coimbra, e o
elevado custo no da Figueira da Foz estão correctos? Será que, com estas
burocracias insensíveis e careiras não estão a empurrar as pessoas para a
ilegalidade? Ou, sendo eu mauzinho, será que não estará tudo feito de modo a
beneficiar as entidades privadas que exploram os crematórios?
A CREMAÇÃO É O FUTURO
Contactado um operador funerário
na zona centro para dar a sua opinião sobre estes procedimentos, que pediu o
anonimato, foi-me dizendo que “de facto estes processos deveriam ser muito mais
simplificados. Os cemitérios, perante o aumento exponencial de cremações,
deveriam dispor já de um pequeno canteiro destinado ao repouso das cinzas
anónimas, sobretudo para evitar o despejo anárquico em qualquer leito de água
ou terreno baldio. É verdade que já foi muito pior. Antigamente só poderia
haver cremação por vontade expressa do falecido em vida. Agora não, está
melhor, mas continua a ser muito caro e muito burocratizado para as agências funerárias.
Para incinerar um corpo, aqui na Figueira da Foz, custa 213,44 euros e são
precisos 5 requerimentos com umas dez folhas. Repare que estamos a assistir a
um aumento muito grande de cremações. Neste momento em cada 100 funerais feitos
na cidade, cerca de 40 destinam-se à cremação. Nos subúrbios, vilas e aldeias
em redor, a percentagem passa de 20 para cada centena de falecidos.”
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