LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana comemoraram-se 96 anos deste mais antigo semanário de Coimbra.
PARABÉNS PARA O DESPERTAR
No dia 2 de março de 1917 nasceu
O Despertar. Sob direção de José Pires Migueis, e com berço na Rua Dr. Pedro Roxa, 31, “Emergiu, vencido pelas lutas constantes e tormentosas da vida –o
Jornal de Coimbra, mas dos escombros da sua derrocada saiu uma rajada de luz e
de coragem e aí temos um novo lutador, que seguirá com esforço e denodo a sua
fé inquebrantável de defender com ardor os interesses e os direitos da nossa
linda e querida Coimbra. (…) Mais um jornal vem hoje à luz da publicidade.”
Passados 96 anos, contra ventos e
marés, este periódico continua a luta que está na sua base genética: “modesto Jornal de província não vem com a
veleidade de se abalançar a grandiosas emprezas ou arrogar eminentes virtudes.
Despretencioso e humilde, ele procurará seguir uma só norma, a da correcção.”
Analisando a primeira página do
número um e seguintes, é curioso constatar que os problemas desse tempo, ainda
que em outra circunstância, são as dificuldades de 96 anos depois. Atentemos no
seguinte excerto de março de 1917: “(…) Por
isso, neste momento em que se jogam os destinos da Pátria e graves
responsabilidades pesam sobre nós, é com a mágoa de dedicado patriota que
observo o papel degradante que alguns homens se prestam a desempenhar. (…) E
tudo porquê?! Por meras questões de lana-caprina, pela política, sempre a
maldita política, que sobrepõe a todos, os ódios aos adversários os interesses
da grei aos interesses do povo.”
Em 2 de março de 1921, no quarto
aniversário, plasmava-se o seguinte: “Passa
hoje mais um aniversário o periódico que tem por título O Despertar. Órgão de
boa doutrina, tem procurado sempre trilhar um caminho de independência, embora,
por vezes, tenha tido necessidade de ser exagerado nas suas apreciações. Esta
sua maneira de interpretar nem sempre tem sido compreendida como era mister;
todavia, depois da reflexão, justiça lhe tem sido feita e louvores tem
merecido. A imprensa, nas suas críticas e apreciações, como a justiça nos seus
julgamentos, não pode agradar a todos. Quando se dá ataque aparece logo o
inimigo. Exatamente como na justiça. De dois litigantes surge sempre um
descontente.”
Continuando a citar a mesma
página, “No momento em que escrevo esta
minha crónica ainda não está organizado governo. E ninguém mesmo pode prever o
que aí virá para nos governar. (…) Pelas notícias dos periódicos e pelos boatos
que correm, parece que as dificuldades são grandes e que não há maneira de os
politicantes se concertarem na distribuição das pastas. Contudo o país está sem
governo e os negócios de Estado estão paralisados e desamparados. Tem sido
assim desde que foi proclamada a República. As ambições mesquinhas e as vaidades
balofas dos politicantes, não dão licença para que o país caminhe e para que a
República, que não tem culpa dos dislates dos maus portugueses, se dignifique.
Mas os tipos é que não querem saber das consequências desde que satisfaçam os
seus interesses. Juraram atirar com a Pátria por terra e parece mesmo ser este
o objectivo principal do seu programa.”
Tomemos atenção à primeira página
do aniversário de 1924, “As lâmpadas que
ha tempo foram colocadas na Avenida Dr. Júlio Henriques e que são da maior
utilidade para quem tenha de aproveitar-se dos serviços hospitalares da clínica
obstetrícia e do hospital militar, deixaram-se de acender-se ha mais de oito
dias (…)” –como se vê, qualquer semelhança com os nossos dias é pura
coincidência.
Em março de 1926 anunciava-se o
mesmo ponto de venda de hoje: “O
Despertar encontra-se à venda no Kiosque da Praça 8 de Maio (…).”
No ano seguinte, em 1927, “No limiar do século XX os abusos duma
política refalsada e nefasta, pela esterilidade e depravação moral, lançaram a
nação num estado de incerteza e descontentamento, que importaria corrigir e
remover sensatamente. Outro fosse o caminho seguido… (…) Não ha princípios a
defender. Não ha ideal político.”
Em 1929 a primeira página de O Despertar anunciava: “Turismo, em Coimbra e arredores. (…) Dentro de breves
dias deve ser aberto concurso para guias, guias-interpretes e interpretes,
nesta cidade, estabelecendo-se o prazo para os interessados requererem o
respectivo exame, indicando no requerimento as habilitações literárias que
possuam e os idiomas que falam. Os indivíduos que pretendam concorrer poderão
desde já dirigirem-se á Comissão de Turismo, das 21 ás 22 horas, todas as
noites, em cuja sede lhe serão dados todos os esclarecimentos de que precisem.”
Em 1932 comunicava-se o seguinte:
“Bombeiros Voluntários, a redacção do
nosso jornal recebe-se qualquer importância, por pequena que seja, a favor
desta benemérita corporação.” –como se vê, as depauperadas finanças dos
bombeiros já vem de longe.
Continuando a citar O Despertar
de outras épocas, em 1933 afirmava-se: “A
pezar da inclemência do tempo, factor imprevisto pela comissão promotora das
últimas festas carnavalescas, pode dizer-se que Coimbra viveu alegre e animada
os três dias consagrados ao Deus Mômo. (…) O “corso”, sobretudo composto por 12
carros da mais artística decoração, a que se seguiam 54 automóveis particulares
e de praça constituiu uma verdadeira novidade para Coimbra, percorrendo este as
principais ruas e avenidas da cidade no meio de compacta multidão de pessoas,
muitas das quais de diversos pontos do país.”
PROBLEMAS DE ONTEM. DIFICULDADES
DOBRADAS HOJE
Em 1934 escrevia-se esta pérola: “O problema da mendicidade está em vias de
solução. Foi com esta fagueira esperança que saímos, numa das últimas noites,
do gabinete do digno comandante da Polícia, sr. Tenente Sérgio Vieira, onde sob
a presidência do ilustre chefe do distrito, sr. dr. Gustavo Teixeira Dias,
reuniram os representantes da Imprensa, para se conseguir a solução do problema
da mendicidade. (…) Numa casa do Pátio da Inquisição, para tal fim oferecida
pela Câmara, serão recolhidos todos os mendigos pertencentes a este distrito,
que vagueiam pelas ruas da cidade, sendo removidos para as suas terras aqueles
que a esta área não pertencem. Internados, ser-lhe-á fornecida a competente
alimentação e vestuário, depois do que se sujeitarão a um regulamento que lhes
proíbe o peditório e frequência de tabernas, durante as horas destinadas aos
passeios ao ar livre. Alguns serão metidos em asilos. Outros, se família
tiverem que possa sustenta-los sem dificuldade, serão entregues a suas famílias.
É claro que, para a manutenção dos pobres na casa que acima aludimos, é
necessária uma verba que nem o Governo Civil nem a Policia teem disponível nos
seus cofres.”
Em 1935 chamava-se a atenção para
o facto de “Os artistas de Coimbra
atravessam uma grave crise”. “(…) No conceituado O Despertar vem sendo feita
(uma campanha altruísta e patriótica) a favor das indústrias decorativas desta
cidade, de tão gloriosas tradições, quanto á grande falta de trabalho que vem
atravessando as de serralharia artística e civil, pintura e cantaria
decorativa, marcenaria e entalhação em madeira e a despeito das constantes
reclamações ás entidades oficiais da cidade. (…) Há nesta cidade monumentos e
edifícios públicos que necessitam urgentes restaurações e outros de serem
concluídos. Quer uns, quer outros, deviam ser tratados com mais carinho pelas
entidades a que estão adstritos, a fim de se atenuar a assustadora falta de
trabalho, assim como para desenvolvimento das industrias artísticas e civis
desta cidade, que tão acarinhadas e protegidas foram pelos saudosos mestres
António Augusto Gonçalves, dr. Quim Martins, João Machado e outros felizmente
vivos.”
Em 4 de março de 1944, na
primeira página de O Despertar, lia-se isto mesmo: “Inválidos do Comércio –Estão em plena actividade as obras de
ampliação da Casa de Repouso, no Lumiar, as quais permitirão, logo que se
encontrem concluídas, ainda uma maior capacidade de admissão de profissionais
de comércio inválidos.”
Em 1947 interrogava-se: “Progresso, ou delírio?”. “O que se passa nas
principais cidades do país merece um pouco de estudo e reflexão. O movimento
nas ruas, nos cafés, casas de espectáculos, etc., excede todas as expectativas.
(…) Há quem pretenda explicar o fenómeno, atribuindo-o ao chamado urbanismo, ou
seja a tendência para se viver nos grandes centros, quer para tratar de
negócios ou de quaisquer outras actividades, quer para se beneficiar das suas
diversões ou atractivos. Por isso é cada vez maior a crise de habitações e as
rendas sobem de dia para dia. (…) O custo de vida tornou-se um constante
pesadelo, mesmo para aqueles que há pouco dispunham duma relativa independência
económica. (…) Mais concretamente, pergunto à consciência dos leitores: O
fenómeno que se está observando significa progresso, ou delírio?”
Em 1950 dizia-se o seguinte: “Câmara Municipal – autorizou que o 5º ano
jurídico leve a efeito um baile de gala, nos Salões dos Paços do Concelho, se
for possível a realização sem perturbar os serviços das repartições que
funcionam no edifício.”
Em 1956, “Festas da Rainha Santa –A Associação do Refúgio da Rainha Santa
Isabel para Raparigas Infelizes acaba de ser oficialmente autorizada a fazer um
sorteio a realizar em Julho próximo, de colaboração com a Comissão Central das
Festas da Rainha Santa.”
Em 4 de março de 1959 O Despertar
enfatizava assim: “Crise de desânimo.
Sim, é este o mal do século, é este o diagnóstico certo, infalível, da gente de
hoje. Não há dúvida, eis aí o complexo que nos avassala e deprime, o sopro
mefítico que mata à nascença todas as grandes e generosas iniciativas. Esta
surda campanha de jeremiadas desmoralizadoras e desvirilizadoras, leva-a um ou
outro aos lábios, como um responso fúnebre e é pior que a expectoração dos
bacilosos: quebranta-nos o ânimo, tolhe-nos as iniciativas, a energia, a
confiança na vida, nos amigos, nos homens, nas ideias! A incerteza do amanhã
apavora-nos. Timoratos e amolecidos, ficamos incapazes de reacções. A inércia e
o derrotismo pairam na mente obcecada de toda a gente, gazeificada por esta atmosfera
de desânimo que é pior que o smog devastador nas espessas manhãs londrinas.
Crise do desânimo, eis o inimigo público nº 1. A pregação doentia do desalento
traz consigo a dissolução e o mal-estar; a insegurança invade os lares, os
estabelecimentos, os escritórios, as repartições públicas, toda a comunidade,
enfim! E assim preparamos o nosso suicídio espiritual que não raro nos
ultrapassa e é o nosso suicídio total.”
Em resumo final, para além das
merecidas palmas de congratulação a O Despertar, pelo que fica escrito se vê que o mais antigo periódico de
Coimbra andou sempre à frente do seu tempo. Como humilde e recente colaborador
faço votos para que continue na mesma linha que sempre o norteou; na defesa
intrínseca da Baixa e da cidade que o viu germinar e crescer. Naturalmente que
também se deve deixar uma palavra de apreço aos leitores: bem-haja!
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