segunda-feira, 25 de março de 2013

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 


Esta semana comemoraram-se 96 anos deste mais antigo semanário de Coimbra.



PARABÉNS PARA O DESPERTAR

No dia 2 de março de 1917 nasceu O Despertar. Sob direção de José Pires Migueis, e com berço na Rua Dr. Pedro Roxa, 31, “Emergiu, vencido pelas lutas constantes e tormentosas da vida –o Jornal de Coimbra, mas dos escombros da sua derrocada saiu uma rajada de luz e de coragem e aí temos um novo lutador, que seguirá com esforço e denodo a sua fé inquebrantável de defender com ardor os interesses e os direitos da nossa linda e querida Coimbra. (…) Mais um jornal vem hoje à luz da publicidade.”
Passados 96 anos, contra ventos e marés, este periódico continua a luta que está na sua base genética: “modesto Jornal de província não vem com a veleidade de se abalançar a grandiosas emprezas ou arrogar eminentes virtudes. Despretencioso e humilde, ele procurará seguir uma só norma, a da correcção.”
Analisando a primeira página do número um e seguintes, é curioso constatar que os problemas desse tempo, ainda que em outra circunstância, são as dificuldades de 96 anos depois. Atentemos no seguinte excerto de março de 1917: “(…) Por isso, neste momento em que se jogam os destinos da Pátria e graves responsabilidades pesam sobre nós, é com a mágoa de dedicado patriota que observo o papel degradante que alguns homens se prestam a desempenhar. (…) E tudo porquê?! Por meras questões de lana-caprina, pela política, sempre a maldita política, que sobrepõe a todos, os ódios aos adversários os interesses da grei aos interesses do povo.”
Em 2 de março de 1921, no quarto aniversário, plasmava-se o seguinte: “Passa hoje mais um aniversário o periódico que tem por título O Despertar. Órgão de boa doutrina, tem procurado sempre trilhar um caminho de independência, embora, por vezes, tenha tido necessidade de ser exagerado nas suas apreciações. Esta sua maneira de interpretar nem sempre tem sido compreendida como era mister; todavia, depois da reflexão, justiça lhe tem sido feita e louvores tem merecido. A imprensa, nas suas críticas e apreciações, como a justiça nos seus julgamentos, não pode agradar a todos. Quando se dá ataque aparece logo o inimigo. Exatamente como na justiça. De dois litigantes surge sempre um descontente.”
Continuando a citar a mesma página, “No momento em que escrevo esta minha crónica ainda não está organizado governo. E ninguém mesmo pode prever o que aí virá para nos governar. (…) Pelas notícias dos periódicos e pelos boatos que correm, parece que as dificuldades são grandes e que não há maneira de os politicantes se concertarem na distribuição das pastas. Contudo o país está sem governo e os negócios de Estado estão paralisados e desamparados. Tem sido assim desde que foi proclamada a República. As ambições mesquinhas e as vaidades balofas dos politicantes, não dão licença para que o país caminhe e para que a República, que não tem culpa dos dislates dos maus portugueses, se dignifique. Mas os tipos é que não querem saber das consequências desde que satisfaçam os seus interesses. Juraram atirar com a Pátria por terra e parece mesmo ser este o objectivo principal do seu programa.”
Tomemos atenção à primeira página do aniversário de 1924, “As lâmpadas que ha tempo foram colocadas na Avenida Dr. Júlio Henriques e que são da maior utilidade para quem tenha de aproveitar-se dos serviços hospitalares da clínica obstetrícia e do hospital militar, deixaram-se de acender-se ha mais de oito dias (…)” –como se vê, qualquer semelhança com os nossos dias é pura coincidência.
Em março de 1926 anunciava-se o mesmo ponto de venda de hoje: “O Despertar encontra-se à venda no Kiosque da Praça 8 de Maio (…).”
No ano seguinte, em 1927, “No limiar do século XX os abusos duma política refalsada e nefasta, pela esterilidade e depravação moral, lançaram a nação num estado de incerteza e descontentamento, que importaria corrigir e remover sensatamente. Outro fosse o caminho seguido… (…) Não ha princípios a defender. Não ha ideal político.”
Em 1929 a primeira página de O Despertar anunciava: “Turismo,  em Coimbra e arredores. (…) Dentro de breves dias deve ser aberto concurso para guias, guias-interpretes e interpretes, nesta cidade, estabelecendo-se o prazo para os interessados requererem o respectivo exame, indicando no requerimento as habilitações literárias que possuam e os idiomas que falam. Os indivíduos que pretendam concorrer poderão desde já dirigirem-se á Comissão de Turismo, das 21 ás 22 horas, todas as noites, em cuja sede lhe serão dados todos os esclarecimentos de que precisem.”
Em 1932 comunicava-se o seguinte: “Bombeiros Voluntários, a redacção do nosso jornal recebe-se qualquer importância, por pequena que seja, a favor desta benemérita corporação.” –como se vê, as depauperadas finanças dos bombeiros já vem de longe.
Continuando a citar O Despertar de outras épocas, em 1933 afirmava-se: “A pezar da inclemência do tempo, factor imprevisto pela comissão promotora das últimas festas carnavalescas, pode dizer-se que Coimbra viveu alegre e animada os três dias consagrados ao Deus Mômo. (…) O “corso”, sobretudo composto por 12 carros da mais artística decoração, a que se seguiam 54 automóveis particulares e de praça constituiu uma verdadeira novidade para Coimbra, percorrendo este as principais ruas e avenidas da cidade no meio de compacta multidão de pessoas, muitas das quais de diversos pontos do país.”

PROBLEMAS DE ONTEM. DIFICULDADES DOBRADAS HOJE



Em 1934 escrevia-se esta pérola: “O problema da mendicidade está em vias de solução. Foi com esta fagueira esperança que saímos, numa das últimas noites, do gabinete do digno comandante da Polícia, sr. Tenente Sérgio Vieira, onde sob a presidência do ilustre chefe do distrito, sr. dr. Gustavo Teixeira Dias, reuniram os representantes da Imprensa, para se conseguir a solução do problema da mendicidade. (…) Numa casa do Pátio da Inquisição, para tal fim oferecida pela Câmara, serão recolhidos todos os mendigos pertencentes a este distrito, que vagueiam pelas ruas da cidade, sendo removidos para as suas terras aqueles que a esta área não pertencem. Internados, ser-lhe-á fornecida a competente alimentação e vestuário, depois do que se sujeitarão a um regulamento que lhes proíbe o peditório e frequência de tabernas, durante as horas destinadas aos passeios ao ar livre. Alguns serão metidos em asilos. Outros, se família tiverem que possa sustenta-los sem dificuldade, serão entregues a suas famílias. É claro que, para a manutenção dos pobres na casa que acima aludimos, é necessária uma verba que nem o Governo Civil nem a Policia teem disponível nos seus cofres.”
Em 1935 chamava-se a atenção para o facto de “Os artistas de Coimbra atravessam uma grave crise”. “(…) No conceituado O Despertar vem sendo feita (uma campanha altruísta e patriótica) a favor das indústrias decorativas desta cidade, de tão gloriosas tradições, quanto á grande falta de trabalho que vem atravessando as de serralharia artística e civil, pintura e cantaria decorativa, marcenaria e entalhação em madeira e a despeito das constantes reclamações ás entidades oficiais da cidade. (…) Há nesta cidade monumentos e edifícios públicos que necessitam urgentes restaurações e outros de serem concluídos. Quer uns, quer outros, deviam ser tratados com mais carinho pelas entidades a que estão adstritos, a fim de se atenuar a assustadora falta de trabalho, assim como para desenvolvimento das industrias artísticas e civis desta cidade, que tão acarinhadas e protegidas foram pelos saudosos mestres António Augusto Gonçalves, dr. Quim Martins, João Machado e outros felizmente vivos.”
Em 4 de março de 1944, na primeira página de O Despertar, lia-se isto mesmo: “Inválidos do Comércio –Estão em plena actividade as obras de ampliação da Casa de Repouso, no Lumiar, as quais permitirão, logo que se encontrem concluídas, ainda uma maior capacidade de admissão de profissionais de comércio inválidos.”
Em 1947 interrogava-se: “Progresso, ou delírio?”. “O que se passa nas principais cidades do país merece um pouco de estudo e reflexão. O movimento nas ruas, nos cafés, casas de espectáculos, etc., excede todas as expectativas. (…) Há quem pretenda explicar o fenómeno, atribuindo-o ao chamado urbanismo, ou seja a tendência para se viver nos grandes centros, quer para tratar de negócios ou de quaisquer outras actividades, quer para se beneficiar das suas diversões ou atractivos. Por isso é cada vez maior a crise de habitações e as rendas sobem de dia para dia. (…) O custo de vida tornou-se um constante pesadelo, mesmo para aqueles que há pouco dispunham duma relativa independência económica. (…) Mais concretamente, pergunto à consciência dos leitores: O fenómeno que se está observando significa progresso, ou delírio?”
Em 1950 dizia-se o seguinte: “Câmara Municipal – autorizou que o 5º ano jurídico leve a efeito um baile de gala, nos Salões dos Paços do Concelho, se for possível a realização sem perturbar os serviços das repartições que funcionam no edifício.”
Em 1956, “Festas da Rainha Santa –A Associação do Refúgio da Rainha Santa Isabel para Raparigas Infelizes acaba de ser oficialmente autorizada a fazer um sorteio a realizar em Julho próximo, de colaboração com a Comissão Central das Festas da Rainha Santa.”
Em 4 de março de 1959 O Despertar enfatizava assim: “Crise de desânimo. Sim, é este o mal do século, é este o diagnóstico certo, infalível, da gente de hoje. Não há dúvida, eis aí o complexo que nos avassala e deprime, o sopro mefítico que mata à nascença todas as grandes e generosas iniciativas. Esta surda campanha de jeremiadas desmoralizadoras e desvirilizadoras, leva-a um ou outro aos lábios, como um responso fúnebre e é pior que a expectoração dos bacilosos: quebranta-nos o ânimo, tolhe-nos as iniciativas, a energia, a confiança na vida, nos amigos, nos homens, nas ideias! A incerteza do amanhã apavora-nos. Timoratos e amolecidos, ficamos incapazes de reacções. A inércia e o derrotismo pairam na mente obcecada de toda a gente, gazeificada por esta atmosfera de desânimo que é pior que o smog devastador nas espessas manhãs londrinas. Crise do desânimo, eis o inimigo público nº 1. A pregação doentia do desalento traz consigo a dissolução e o mal-estar; a insegurança invade os lares, os estabelecimentos, os escritórios, as repartições públicas, toda a comunidade, enfim! E assim preparamos o nosso suicídio espiritual que não raro nos ultrapassa e é o nosso suicídio total.”
Em resumo final, para além das merecidas palmas de congratulação a O Despertar, pelo que fica escrito se vê que o mais antigo periódico de Coimbra andou sempre à frente do seu tempo. Como humilde e recente colaborador faço votos para que continue na mesma linha que sempre o norteou; na defesa intrínseca da Baixa e da cidade que o viu germinar e crescer. Naturalmente que também se deve deixar uma palavra de apreço aos leitores: bem-haja!


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